12 de maio de 2019

Guiné Conakri 3

Pelas cinco e meia da tarde atravessava uma pequena aldeia no meio da selva quando percebi que ainda me faltavam percorrer perto de cem quilómetros nas estreitas estradas florestais e não teria qualquer hipótese de o fazer com luz do dia.
Parei e um rapaz que pelas calças sujas de óleo e um filtro de ar de uma moto na mão, presumi ser mecânico destas pequenas motos que são o único transporte decente destas populações, veio ter comigo.
Perguntei-lhe se podia ficar a dormir na aldeia e ele, sem perceber bem francês compreendeu o que eu  queria e mandou que o seguisse na moto.
O povoado não tinha mais de uma dúzia de cubatas, de telhado em colmo e uma casa mais bem construída mas igualmente sem portas ou janelas.
Ali não há electricidade ou água corrente.
Disse-me que parasse a moto junto da cubata da sua família e falou com um velho que foi dentro da casa melhor buscar uma esteira e a estendeu no terraço.
- Pode dormir aqui.
Para os miúdos da aldeia foi uma festa. Os mais novos nunca tinham visto um branco e tinham medo quando me aproximava deles. Os de sete e oito anos viam-nos nos pequenos extractos de jogos de futebol que o meu amigo mecânico por vezes lhes mostrava no telemóvel. Sentaram-se à minha volta e riam-se com cada gesto que eu fazia ou conversa que tentava estabelecer.
Do saco onde trago a tenda tirei um colchão que enchi com uma bomba manual e ficaram maravilhados. Um velho veio perguntar se lho oferecia.
As mulheres, que cozinhavam em fogueiras cá fora ou tratavam das crianças mais novas também estavam radiantes com a situação.
Pelas sete da tarde ouvi um chamamento para rezas e só então constatei que eram muçulmanos e as mulheres tinham todas a cabeça tapada embora com a cara e muitas vezes os seios à mostra, não só quando tinham que dar de mamar às crianças.
Levantei-me do banco de madeira que tinham colocado junto ao terraço onde iria dormir e fui espreitar de onde vinha o som. Era mesmo uma mesquita, com dois minaretes e uma construção melhor que qualquer uma das casas.
Quando me voltei a sentar, rodeado de miúdos encantados, o meu amigo perguntou:
- Não vem à Mesquita rezar? 
A minha primeira reacção foi responder que sim, não fossem pensar que era Cristão. Mas achei que a minha ignorância quanto a rezas muçulmanas me denunciaria rapidamente.
- Não, hoje não. Estou muito cansado.
Dito isto pensei se estar cansado seria razão aceite naquela religião para não ir rezar mas fiquei aliviado quando o meu amigo decidiu também não ir, daquela vez.
As mulheres entretanto ofereciam-me a papa que estavam a fazer e que as vi servir a um dos velhos numa tijela como uma rotina. O velho sentou-se no chão de terra e foi comendo a papa com as mãos, como todos os outros.
Tentei explicar-lhes que não estava habituado a comer aquelas coisas e apontei para uma manga que um rapaz roía. O meu amigo pediu que o seguisse até uma mangueira perto e perguntou se era aquilo que queria.
- Sim, isso mesmo.
Pediu então aos miúdos que as apanhassem e em dois minutos trouxeram-me meia dúzia. Comi duas, das melhores que experimentara na vida. Depois fui à moto buscar uma das minha barras de cereais energéticas. Eles estranharam aquilo mas tanto o meu amigo como as crianças e algumas das mulheres quiseram experimentar.
Pelas oito e meia da noite, só com a luz da fogueira e uma ou outra lanterna, que às vezes acendiam, com pilhas muito fracas, os miúdos continuavam reunidos à minha volta a debitarem nomes de jogadores de futebol de que nunca tinha ouvido falar quando as mulheres, numa galhofa, pediram que eu me fosse sentar ao pé delas. Achei mais sensato não ir, até porque a mais atrevida já tinha dito por três vezes, para todos ouvirem, que queria dormir comigo, o que gerava as gargalhadas de miúdos e graúdos. Fiz bem porque os únicos homens que estavam ali naquela reunião de aldeia  eram eu e o meu amigo. Os mais velhos só se viam a sair das cubatas para irem a caminho da mesquita e os mais novos, que às vezes apareciam por breves momentos, olhavam-me com ar desconfiado. Pouco depois ouvi alguns deles chamarem as mulheres de dentro das cubatas para que fossem para casa, com vontade de porem fim à festa.
Ás nove voltou a soar a reza e desta vez o meu amigo não pôde deixar de ir, certamente com medo da reprovação dos velhos lideres. As mulheres não vão à mesquita, ficando a tratar de cozinhados e crianças.
Quando ele regressou auto denunciei-me, inadvertidamente, ao responder automaticamente quando me perguntaram o nome.
- Francisco ???, responderam várias vozes em uníssono.
Fez-se silencio. Engoli em seco. Deveria ter respondido Muhamed ou Abdulah.
Foram as crianças que quebraram o gelo. 
- Ha, ha, ha, Francisco. E a coisa passou.
Pelas nove e meia da noite anunciei que me ía deitar. Tirei uma Tshirt do saco de roupa suja que coloquei à volta do saco a fazer de almofada, descalcei as botas e deitei-me no colchão por cima da esteira com as calças do fato vestidas. 
Depois de observarem atentamente como se deitava um ocidental foram partindo para as suas cubatas.
Dormi mal. Mosquitos morderam-me mãos e braços a noite toda e vacas e cabras, que passeavam livremente por entre as cubatas durante a noite, por vezes subiam os dois degraus do meu terraço, assustando-me. Quando as enxutava queixavam-se sonoramente, calculando que acordassem vizinhos. Mas passava pouco das seis e meia da manhã quando acordei de um sono profundo, já ao raiar do dia. Quatro dos miúdos já estavam sentados no banco de madeira a olharem fixamente para mim enquanto duas mulheres cozinhavam nas fogueiras que se haviam mantido com brasas a noite toda.
O meu amigo apareceu, comi mais uma Manga e uma barra de cereais para pequeno almoço, enfiei botas e blusão, despedi-me de todos e arranquei de volta à estrada da selva, pouco passava das sete. Umas centenas de metros à frente três dos miúdos que íam a caminho da escola a pé gritaram:

- Au revoir Francisco. 


6 comentários:

  1. Fabuloso Francisco!!!
    Soube há dias que a tua viagem chegou ao fim. Fico triste por deixar de ver uma porção do mundo pelos teus olhos e pela sucinta e brilhante descrição dos lugares, dos incidentes e das pessoas que povoaram os teus longos dias de estrada.
    Desejo o melhor do teu futuro e obrigado pela partilha da viagem que foi "longa,cheia de aventuras e descobertas"

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