31 de março de 2019

Lobito



De Lubango segui até Benguela. Fui parando pelo caminho, junto a miúdos ou aglomerados populacionais. Uma das vezes foi numa feira de rua onde várias mulheres assavam galinhas para venderem junto à estrada. Almocei uma perna de galinha que me foi fornecida, assada, com a pata da galinha. Diverti-me à conversa com as vendedoras enquanto vários dos filhos e sobrinhos brincavam na terra junto aos braseiros.

A estrada, ao contrário da que liga a fronteira a Lubango, já está muito danificada em alguns locais, com traiçoeiros buracos no alcatrão que me obrigam a atenção constante.
Ao entrar em Benguela parei para tirar uma fotografia na avenida principal e um Jipe estacionou à minha frente. Do volante saiu um homem que veio meter conversa. Era um Veterinário que tinha moto, assim como os filhos, e convidou-me a ir a sua casa beber uma cerveja. Lá o segui até uma pequena quinta onde também tinha o seu consultório. Juntaram-se-nos outros membros da família, mãe, irmã, um dos filhos e três amigos que entretanto chegavam de Luanda e por ali ficámos à conversa, num telheiro junto à piscina, durante mais de uma hora. 
Parti para o Lobito, a pouco mais de vinte quilómetros, antes de anoitecer.
O Lobito já foi um dos principais portos angolanos. Agora tem tido menos movimento. É uma cidade com enorme potencial turístico, com uma longa e estreita península, a Restinga, onde estão os principais Hotéis. Fiquei no Turimar que foi recuperado recentemente, com excelentes quartos, limpeza exemplar, optimo pequeno almoço e a melhor ligação Wifi que encontrei em África.
Um amigo, que conhecera ainda do tempo em que corria de moto, e que agora ali vive e é responsável pelo concessionário Mercedes/Hyundai tinha-me proposto fazer uma revisão à moto e lá fui ter com o Armando. Aproveitei para desmontar a suspensão traseira, apoiada em rolamentos de agulhas que tinham sofrido com os banhos que lhes dei na travessia de rios no Brasil. Embora estejam protegidos com retentores entrou água num deles e ficou danificado. Não tínhamos peça de substituição mas, numa marca da concorrência, conseguimos arranjar um parecido que adaptámos. Aproveitei também para resolver uma fuga de escape e a Crosstourer ficou pronta para mais uns milhares de quilómetros.
A meio do dia fomos almoçar a casa do Armando um excelente peixe com batatas preparado pela sua mulher africana de 23 anos, giríssima, que deixámos na escola antes de voltarmos à oficina. Estou a pensar em vir viver para o Lobito.
Á noite jantei com um grupo de motards locais num bar da Restinga, onde se costumam reunir.
A estrada que segue para Norte, a caminho de Luanda, é um inferno até Porto Amboim. Os Chineses andam supostamente a construir uma nova mas por enquanto são apenas pequenos troços, com o resto a ser percorrido através de “picada” em mau estado.
Os “motards” tinham-me recomendado que visitasse Gabela, uma cidade no alto da serra para o interior. Assim fiz. Só que, quando comecei a subir a verdejante serra, uns 250 Km a Norte de Lobito, apanhei uma carga de água das fortes que me deixou ensopado, pois não tinha colocado o forro impermeável do blusão e calças. Parei para me abrigar num rudimentar telheiro junto à estrada onde mulheres vendiam maçarocas enquanto as crianças se divertiam a tomar banho no rio junto e fiquei por ali uma meia hora à conversa.
A Serra até à Gabela é linda, paisagem tropical com floresta densa. 
Mas a cidade é pequena e as poucas pensões são muito rudimentares. Para voltar para a costa teria que viajar de noite de maneira que acabei por alugar um quarto numa espelunca das que alugam à hora, com telhados em zinco, roupa de cama que só deve ser lavada a cada três clientes e, obviamente, sem internet, restaurante, pequeno almoço ou seja mais lá o que for.
Deitei-me cedo, acordei às seis e meia e passava pouco das sete quando saí serra abaixo, com a paisagem extraordinária das crianças a irem para as escolas a pé, muitas delas descalças, com os bancos ou cadeiras plásticas à cabeça.




26 de março de 2019

Lubango - Angola

Acabei por ficar mais um dia no “Nunda River” em total “dolce far niente”. Fiquei a ler e a escrever, na piscina ou naquela esplanada com paisagem fabulosa sobre o Okovango.
No dia seguinte percorri uma grande etapa, das maiores desta viagem. Saí da Caprivi Strip, aquela língua de terra que faz parte da Namíbia e continuei a circular pelo Norte da Namíbia, agora junto à fronteira com Angola. É uma zona muito isolada e pobre. Percorri centenas de quilómetros em que as únicas construções visíveis são pequenos povoados de meia dúzia de palhotas construídas em terra e com telhados em colmo. A obtenção de água é certamente o principal problema destas populações e as poucas pessoas que vejo junto à estrada são crianças ou mulheres, muitas vezes com bebês às costas e outros prestes a nascerem, com baldes de água vazios pela mão ou cheios à cabeça. Alguns percorrem muitos quilômetros a pé para irem buscar água. Quando são crianças vão normalmente em grupo, até porque ali não há qualquer controlo de natalidade e as famílias são grandes. Quando passo por elas acenam, entusiasmadas mas se dou a volta para parar junto, fogem esconder-se no mato. Ficam assustadas por verem um homem numa moto grande pois ali nem pequenas há, com um capacete na cabeça, coisa inédita. Por vezes, quando vejo que estão escondidos perto da estrada, paro, desligo a moto, tiro o capacete e chamo-as. Às vezes um mais corajoso mostra-se e, pouco a pouco vão-se aproximando, desconfiados. Numa das vezes, uma miúda dos seus sete ou oito anos, foi-se aproximando com os outros mas sem parar de chorar, muito assustada. Outras vezes vejo-os correr mato dentro sem pararem e sigo viagem.
Nesse dia percorri perto de 700 Km. Tinha ideia de ficar numa vila onde me disseram que haveria um Hotel mas ao parar numa barreira de estrada militar, uma família angolana num jipe disseram-me que não haveria Hotel nessa vila e aconselharam-me a percorrer mais 60 Km até à cidade junto à fronteira onde, aí sim, haveria vários hotéis. Recomendaram aquele onde iriam ficar e foi lá que acabei o dia, cansado.
Esta fronteira com Angola fica junto à vila de Oshikango O processo de saída da Namíbia foi rápido mas a entrada em Angola, mesmo tendo visto, exigiu fotografias da moto e cópias de documentos vários, incluindo Passaporte. Um miúdo Angolano, a quem tinha dito que não precisava de ajuda, acabou por ser a minha salvação ao correr de um lado para o outro a obter fotocópias e cópias de pagamento da entrada da moto junto do banco local. Correu de um lado para o outro durante meia hora regressando a suar em bica. 
A primeira coisa que constatei em Angola foi o preço da gasolina, o mais barato de Africa, até agora. Fui até cidade de Lubango por uma boa estrada, construída por empresas portuguesas, a contrastar com as que encontrei mais tarde, feitas por chineses.
A paisagem na beira da estrada, começa a ser mais verde, à medida que me desloco para Norte.
As cidades estão sujas, com lixo acumulado em muitos lugares, ruas esburacadas e os esgotos de águas pluviais inoperacionais. As ruas não são limpas e o aspecto geral leva-nos muitas vezes a comparar a situação com a da Índia.
Em Lubango procurei um Hotel. Parei junto a uma mulher e perguntei se sabia onde encontraria um.
- Mas é para o “Chik, Chik”? perguntou-me.
Não. É só mesmo para dormir.
Então há outro mais à frente, ao fundo da rua.
Achei a conversa estranha mas fui na direcção que a mulher me indicou. Ao ver uns mastros com bandeiras parei e qual o meu espanto quando vejo, em letras grande por cima da porta: Hotel Chik Chik. A minha mente perversa tinha-me levado a interpretar as palavras da mulher noutro sentido. O nome do Hotel pretendia transmitir a ideia que era chique a dobrar. Cheio de dourados mas certamente o melhor da cidade. Fiquei por lá. 

Em Angola os cartões Visa não funcionam, o que os compara apenas com o Irão. Felizmente transporto Dólares que, trocados no mercado negro, me permitem gastar pouco em Hotéis, gasolina e alimentação. Além disso só em Luanda o custo de vida é desproporcionado em relação ao rendimento médio da população. No resto do país os preços são muito aceitáveis.

18 de março de 2019

Cataratas Victoria

Saí por volta das onze para visitar as famosas cataratas. Tinha cá estado há vinte anos e não me impressionara muito pois, provavelmente por não ser época de chuvas, não havia muita água a correr.
Agora, com o que choveu principalmente em Angola, estavam impressionantes, com uma quantidade enorme de água a cair de mais de cem metros de altura em vários locais distintos, proporcionando imagens espectaculares.
Livingstone, o primeiro Ocidental aqui a chegar, em 1855, descreveu assim a visão:
“no one can imagine the beauty of the view from anything witnessed in England. It had never been seen before by European eyes; but scenes so lovely must have been gazed upon by angels in their flight”.

E compreendo o seu deslumbramento. Desta vez passei também a fronteira para o lado do Zimbabwe, que me diziam ser ainda melhor. É difícil dizer. Em certos locais a água cai com tanta força que a pulverização levantada cria chuva junto às cascatas. Para protecção eu e a Natasha, a minha simpática guia, vestimos capas plásticas e saímos de ali um pouco menos encharcados de que se não as tivéssemos.
Quando regressei das cascatas, após várias horas a pé tanto na Zâmbia como no Zimbabwe, estava de rastos mas decidi ainda passar a visitar um fantástico Hotel de que me tinham falado, o Royal Livingstone Hotel. Muito bom, sobre o rio Zambeze, que alimenta as cascatas.
Das Victoria Falls tomei a estrada rumo à fronteira com a Namíbia, para percorrer a faixa de Caprivi e entrar em Angola já perto da costa, onde as estradas são melhores.
Estes 300 Km na Zâmbia são um martírio, com partes da estrada muito esburacadas ou mesmo já sem alcatrão, em terra muito irregular que provocava enormes vibrações na Crosstourer.
A paisagem era mais verde que no Sul da Namíbia e aqui passei por minúsculas povoações de meia dúzia de cubatas, construídas em terra com telhados de colmo.
Almocei ainda do lado da Zâmbia, no restaurante menos mau que encontrei, uma perna de galinha muito ressequida com esparguete. A vantagem foi que, incluindo a cerveja de meio litro que fui buscar a um bar ao lado, a refeição me ficou por menos de quatro euros.
A passagem da fronteira foi relativamente tranquila mas, embora a minha licença de circulação na Namíbia fosse válida para três meses, obrigaram-me a tirar outra por entretanto ter saído do país.
Qualquer desculpa é boa para sacar mais algum.
Procurei onde ficar já do lado da Namíbia e acabei por encontrar um Hotel que tinha um parque de campismo fantástico, num impecável relvado sobre o rio Zambeze. Como a diária no Hotel eram mais de cem Euros fiquei a acampar. Dois outros campistas vieram avisar-me para não deixar nada de fora da tenda porque à noite costumavam vir assaltantes de barco, da margem da Zâmbia. Dormi profundamente sem pensar no assunto e não houve desassossego.
Antes de partir daquele parque perguntei a um velho inglês, que acampava num jipe Toyota muito bem preparado e que já tinha visto no Elephant Sands, onde haveria um local bom para ficar, uns 300 ou 400 Km para Ocidente. Ele recomendou-me um Guest House chamado Nunda River, junto ao Okovango.
- A cerca de 300 Km de aqui há uma ponte por cima do Okovango. Dois ou três quilómetros depois há uma estrada para a esquerda que dá acesso a três ou quatro Guest Houses junto ao rio. Recomendo o “Nunda River”.
Parei na estrada duas ou três vezes junto a miúdos que quase sempre se assustam ao me verem. Ficam excitados e surpreendidos ao verem passar um veículo que não conhecem com um monstro em cima de capacete pois aqui não há motos. Quando paro, assustados, escondem-se no mato e só quando tiro o capacete e os chamo, espreita primeiro o mais corajoso e depois, pouco a pouco vão-se aproximando. Por vezes, uma ou outra miúda, não pára de chorar, nervosa. Demora uns minutos até se sentirem à vontade.
Cheguei ao Nunda River” pelas quatro e meia da tarde. Fui simpaticamente recebido à porta pelo dono que depois me encaminhou para a recepção. O preço dos quartos era mais de cem euros por isso disse que pretendia acampar. Quando a mulher me mostrava os locais onde poderia montar a tenda recebeu um telefonema do dono a sugerir que me mostrasse um dos quartos previstos para os guias turísticos, que me propunha ao preço de campismo, cerca de 12 Euros.
O quarto era excelente e limpíssimo, sem ar condicionado mas com uma rede mosquiteira montada à volta da cama. Obviamente aceitei a proposta de imediato e pensei mesmo em ficar por ali mais um dia, a descansar. A parte de recepção, sala, bar e restaurante era típica africana, só com paredes laterais e telhado em colmo, com uma grande esplanada sobre o rio onde vários hipopótamos deixavam apenas que se lhes visse os olhos e o topo da cabeça. Geralmente passam os dias dentro de água a defenderem-se do calor e só à noite saem para as margens.




14 de março de 2019

Elephant Sands




Quando aterrei em Maun apanhei um taxi de volta ao Hotel onde tinha deixado bagagens e moto.
Na manhã seguinte, ao explicar à gerente que partia a caminho das cataratas Victoria e nessa noite ficaria numa pequena cidade chamada Nata ela aconselhou-me a seguir mais uns quilómetros e ficar num Hotel de “Bungalows” chamado Elephant Sands.
A estrada até Nata são perto de 300 Km, com mato dos dois lados a apanhar uma das margens do parque natural. Pelo caminho vi um grupo de elefantes junto à estrada e, já depois de Nata, um outro sozinho. É normal naquela zona onde há milhares de elefantes. No Botswana têm a caça totalmente proibida e controlada mas os Elefantes que têm o azar de passar para a Namíbia ou Zimbabwe são muitas vezes abatidos por caçadores furtivos.
O Elephant Sands onde fiquei está muito bem pensado. Entrei para dentro do mato por uma estrada de terra uma meia dúzia de quilómetros até encontrar este local onde construíram os “bungallows” à volta de uma lagoa que atrai os elefantes para virem beber água ou tomarem banho. Do outro lado a parte de restaurante/bar e recepção, construída em madeira com telhados de colmo e, como é habitual aqui, só fechada de um dos lados. Junto uma pequena piscina.
Como o aluguer dos “bungallows” era caro optei por ficar na parte de campismo. A uns vinte metros de mim, os vizinhos mais próximos eram dois casais de miúdos franceses.
À tarde, entre um mergulho na piscina e uma cerveja no bar fui observando os elefantes que vinham e voltavam da lagoa, em cadeiras que formam uma plateia para o espectáculo que decorre ali mesmo, a não mais de vinte metros. Sensacional
Á noite fiquei à conversa com uma simpática Chilena que também ali acampava e pouco depois de me deitar, pelas onze da noite, despertei com o rugido de um elefante muito perto. Abri o fecho da tenda para ver o que se passava. O animal estava junto à tenda dos franceses, a olhar para ela com ar de lhe estar a apetecer sentar-se em cima. Ficou ali uns dois minutos a observar, como que hesitante, e lá arrancou para a sua vida.
Duas noites antes leões tinham vindo beber à lagoa.
Quando deixei o local enganei-me na estrada de saída e fui, mato dentro, por uma estrada de areia mole cada vez em maior quantidade. Não conseguia dar a volta e fui andando, a enterrar-me mais e mais. Por fim, estafado, parei para beber água e decidi tirar toda a bagagem para que pudesse dar a volta na areia sem ir ao chão pois naquela estrada não passavam mais que elefantes e, sozinho, não a conseguiria colocar de pé. Regressei assim, sem as malas, ao Hotel, onde pedi que me arranjassem um 4x4 para as ir buscar. Com tudo isto perdi quase uma hora e fiquei de rastos.
Segui, rumo a Norte e a Livingstone, a cerca de 300 Km. As cataratas ficam num ponto entre a Zambia e o Zimbabwe muito perto do Norte do Botswana.
Pensei em entrar pelo Zimbabwe mas lá perto disseram-me que a situação política estava muito instável na zona, aconselhando-me a entrar pela Zâmbia. Assim fiz.
Entrava na confusão das fronteiras africanas mais típicas. Quando me preparava para sair da fronteira do Botswana, ainda bem organizada, uma das mulheres que lá trabalha veio cá fora avisar-me que na passagem para a Zâmbia, feita por Ferry, estava muita bandidagem que faria tudo para me extorquir dinheiro.
- Só pare dentro do Ferry e não pague mais que o bilhete. 
Tinha razão. Mal me aproximei do barco dois tipos vieram a correr ter comigo. Um, de “T shirt” verde dizia ser chefe dos serviços de segurança e que o seu colega era o Chefe dele e também tratava dos seguros.
Disse-lhes que nada queria e lá consegui pagar só o bilhete. O suposto homem dos seguros, no entanto, acompanhou-me em todos os muitos trâmites para entrar no país com a moto. Uma burocracia infernal de papelada em que vamos pagando um tanto aqui, outro ali, ou na moeda local ou em Dólares americanos, não se sabe bem com que critério.
Passada mais de meia hora lá consegui arrancar com os dois homens a continuarem a pedirem-me dinheiro, fosse o que fosse, sem importar a moeda.
Foi um descanso quando me vi de volta à estrada. Até à cidade de Livingstone, perto das cascatas, são 70 Km. 

Procurei um local com Internet para tentar reservar um Hotel mas, sem encontrar, perguntei a uma senhora branca que encontrei numa bomba de gasolina e me indicou um simpático Hotel, junto ao rio. O Zambeze, nasce na Zâmbia, passa por Angola e Namíbia, regressa à Zâmbia e Zimbabwe, onde estão as cataratas e desagua no Índico, em Moçambique.

11 de março de 2019

Okovango Delta


Instalei-me no quarto e voltei à sala para um pequeno “brunch” antes de partirmos para o primeiro Safari, pelas quatro e meia da tarde. Aos três que viajávamos na avioneta juntou-se-nos um simpático casal americano num Toyota Land Cruiser de chassis longo, sem para brisas, quatro filas de bancos corridos e apenas um toldo como capota. Na parte da frente do capot, num banco desdobrável para o efeito, sentou-se o pisteiro, especializado em detectar pegadas de animais e identificá-los a partir daí como espécie, quantidade e tamanho. 
Não tínhamos rodado dez minutos quando o pisteiro, atento lá na frente, detectou pegadas de leões. 
- Vários, com crias a acompanhar. Pareceu-me uma balela mas lá fomos seguindo as pegadas com o jipe através do mato, muitas vezes fora dos caminhos, até que o pisteiro disse alguma coisa, o condutor parou e ele passou daquele banco da frente para um dos cá de trás, menos vulneráveis. Tinha visto os leões. Avançámos, devagar, até não mais de três metros dos animais. Três fêmeas e outras tantas crias. 
- Estão magros. Parecem não comer há dois dias, dizia o condutor.
- E não é perigos estarmos tão perto deles, respondi com ar inocente?
- Eles não atacam humanos porque não conhecem o sabor da nossa carne. Além disso o jipe, sendo uma coisa grande, mete respeito. 
De ali pudemos, sem fazer muito barulho, filmar e fotografar os impressionantes bichos. Fomos mudando a posição do jipe conforme eles avançavam e por fim ficámos a observar a tentativa falhada das fêmeas para caçarem dois warthogs, uma espécie de javalis que, distraidamente, comiam erva por perto.
Tentaram cercar os animais, sorrateiramente, uma rodando pela direita, outra pela esquerda, a terceira ao meio mas, quando arrancaram em corrida, o avanço que eles tinham permitiu-lhes escaparem. 
Passámos quase duas horas de volta dos leões.
Continuámos depois caminho e vimos gazelas a saltarem partes do rio, tartarugas leopardo, mais warthogs e pássaros de todas as cores e feitios. Uma beleza.
A meio caminho parámos para um Gin Tónico no mato e regressámos ao Hotel já de noite, com o pisteiro de lanterna na frente a procurar algum Leopardo.
Para o animado jantar juntou-se a nós um grupo de cinco suecos que fazia o Safari num segundo jipe e depois ficámos à conversa à volta de uma fogueira acesa no outro lado da sala de jantar. Muito simpático.
Adormeci a ouvir o roncar de um Hipopótamo que decidiu dormir à porta do meu quarto e acordei, às cinco da manhã, com o rosnar de Leões. 
- Estes eram machos, elucidou-me o pisteiro ao pequeno almoço, pelas seis da manhã. 
Ainda não eram seis e meia quando entrámos de volta no jipe. 
Desta vez a ideia era irmos para outra zona onde aparecem mais elefantes, girafas e… Leopardos.
E foram as pegadas de um que atraíram a atenção do pisteiro. Seguimos as marcas durante uns 20 minutos. São recentes, dizia o condutor. Ás tantas pararam o jipe e os dois saíram, afastando-se uns 20 metros da viatura. Quando regressaram disseram que havia sangue no chão e as pegadas passavam a ser acompanhadas de um arrastar de carcaça. Seguimos as marcas e demos com os restos de uma raposa ensanguentada. 
- Ainda aqui tem muita carne. Deve ter-se assustado com o barulho do Jipe e fugiu, elucidava o condutor. Continuamos a seguir-lhe as pegadas por mais um tempo mas acabamos por lhe perder o rasto.
Continuámos o Safari e vimos elefantes, que se enfureceram por estarmos entre eles e a lagoa para onde queriam ir. Passámos por três girafas, duas delas em luta, com chicotadas de pescoço no corpo da adversária e muitas Gazelas, Reeboks e Antílopes, para além de mais warthogs.
Regressámos ao Hotel pelas dez e meia da manhã, após mais uma paragem no meio do mato para um café.

Almoçámos cedo. Tinham-me dito que a avioneta me viria buscar à uma da tarde mas pedi que viesse só às 3 e fiquei duas horas a gozar aquele quarto fantástico enquanto lia e escrevia, antes de arrancar para a pista de aviação num dos jipes. Desta vez a avioneta vinha só para mim e vimo-la aterrar quando nos aproximávamos da rudimentar pista de aviação em terra. Foram dois dias fantásticos que não esquecerei.

8 de março de 2019

Maun

Não dormi mal, na tenda. Acordei pelas sete e meia, tomei o pequeno almoço no Hotel e arranquei pelo Botswana, numa estrada igualmente sem movimento mas agora com vegetação ainda rasteira mas verde. Á medida que avanço para Norte a paisagem vai ficando menos seca e as arvores aumentam de porte, aos poucos.
Parei para tirar uma fotografia junto à placa que indica estar a atravessar o Trópico de Capricórnio.
Em Ghanzi, junto ao Wildlife Office, um departamento estatal com uma série de empregados que parecem não ter nada que fazer, alguns especados à frente de computadores, perguntei se valia a pena visitar o parque no Kalahari mas disseram-me que veria poucos animais nesta época do ano e aconselharam-me a continuar para Norte, até Maun.
Ali várias agencias vendem pacotes que incluem a travessia em avioneta até algumas das ilhas formadas pelo delta do Okovango o rio que nasce em Angola, atravessa a faixa de Caprivi na Namíbia e desagua na planície do Botswana, inflitrando-se terra dentro e criando múltiplos pântanos e lagoas, numa extensão de centenas de quilómetros. À volta do delta construíram fabulosos Hoteis em madeira que atraem turistas de todo o mundo a preços proibitivos.
A agencia estava a fechar quando lá cheguei, depois do almoço num Nando’s às quatro e meia da tarde. A mulher que me atendeu disse que regressasse às oito do dia seguinte.
Procurei estadia na internet e reservei um Guest House fora da cidade, por ser mais barato. Não sabia é que implicava um pequeno percurso em estrada de areia. Até estava a correr bem mas, numa zona de mais areia solta, já a 50 metros do Hotel, fui ao chão. À minha espera junto à porta do Hotel estavam dois empregados, solicitos, que rapidamente me vieram ajudar a levantar a moto. Felizmente só se partiu mais um pouco um dos suportes de uma mala lateral.
Ás oito e meia da manhã seguinte estava a entrar na agencia Wilderness
Propuseram-me uma fortuna para dois dias passados num dos Hoteis do mato e acabei por chegar a acordo com outra agencia para passar só uma noite, com um Safari na tarde da chegada e outro na manhã da partida.
A avioneta partia só na tarde do dia seguinte de maneira que marquei estadia para essa noite num outro Guest House também fora da cidade onde estavam a ficar duas Holandesas que conhecera no dia anterior ao almoço. 
Voltei a apanhar estrada com areia solta para lá chegar mas desta vez ataquei-a a dez à hora e consegui não cair.
A avioneta levantou do pequeno aeroporto de Maun pelas duas da tarde. Para além do piloto viajava comigo uma empregada do Hotel e um casal de ingleses que visitava estas Pousadas de mato no Botswana pela vigésima vez e me diziam ser esta para onde íamos a melhor.

Cerca de uma hora depois de sobrevoarmos grande parte do Delta, com uma paisagem deslumbrante, aterrámos numa rudimentar pista de terra onde um jipe sem capota nos esperava. Passados 15 minutos, através de uma pista de areia, chegámos ao Hotel, em madeira, montado em estacas sobre um pântano. No início do passadiço que nos levou à sala principal um criado oferecia panos molhados refrescados e perfumados para limparmos o suor da cara. O salão em telhado de colmo, era aberto dos lados assim como a casa de jantar, que se lhe seguia. Divisões enormes e bem decoradas, tudo em madeira. De aqui uma passagem para uma pequena piscina. Continuando para o outro lado, carreiros em terra para a meia dúzia de quartos, cada um com o mesmo tipo de construção em madeira e telhados em colmo mas desta vez com as paredes em rede de malha fina para impedir a entrada de insectos. Cada quarto era um “Bungalow” separado, com uns 40 m2 e uma casa de banho, sem portas, do mesmo tamanho. Ao ar livre dois chuveiros também em chão de madeira e muito espaço. Em frente ao quarto, virado para a Savana, um terraço com dois grandes cadeirões. Espectacular



5 de março de 2019

Windhoek



De Springbok até à fronteira com a Namíbia são 120 Km. A passagem das fronteiras nesta parte de África é simples, com os vistos a serem concedidos no local, embora do lado da Namíbia o homem que preencheu a minha licença de circulação tenha precisado da ajuda de um superior para colocar os meus dados no computador e de uma calculadora para saber que troco me havia de dar quando lhe entreguei uma nota de 200 Rands para pagar 188. Em cerca de meia hora estava do outro lado da fronteira. O trajecto continua através do deserto mas da parte da tarde a temperatura subiu para os 42º, sem sombras onde arrefecer um pouco.
Pelas cinco da tarde cheguei a Keetmanshoop e instalei-me no menos mau de três Hotéis disponíveis.
No dia seguinte segui até Windhoek. O deserto de areia junto à costa é talvez a maior das atracções da Namíbia mas já o havia percorrido há vinte anos de carro e sabia que as estradas de terra da costa têm um piso relativamente liso mas com pequenas pedras soltas por cima que são como berlindes, extremamente escorregadias. Preferi não as percorrer de moto e assim segui pela estrada principal, mais interior, até à capital.
Fiquei num Hotel que pertence a angolanos e contaram-me que em Luanda está tudo inundado com as chuvas que têm assolado o território. Parece Veneza, dizia-me a mulher do gerente, com ar de quem só tinha visto a cidade italiana em bilhetes postais.
Pensei que tinha sido bom o meu atraso em Cape Town. Talvez ao chegar a Luanda já não tenha que andar de gôndola.
No dia em que cheguei fui jantar a um excelente Restaurante de amigos portugueses que tinha aberto uma semana antes e o dia seguinte passei-o no Hotel a escrever e a pôr a internet em dia, com muitos filmes a terem que ser passados para um disco exterior, que precisava de ser desbloqueado. Para quem não é um expert estas coisas dão trabalho.
Deixei Windhoek, a caminho da fronteira com o Botswana, já perto do meio dia. Pelo caminho, numa espécie de Savana de vegetação rasteira avistei dois javalis, perto da estrada, e uma espécie de galinholas de porte maior. Cerca de 120 Km depois cheguei a uma pequena povoação e decidi parar para descansar. Na beira da estrada três mulheres negras cozinhavam uma carne estufada e puré de batata em potes de barro por cima de uma fogueira para venderem em pratos na rua. 
Os melhores momentos que tenho retido desta viagem são estes em que ganho a confiança de pessoas locais e falamos sobre variadíssimos assuntos.
Pedi para me sentar e depois de meter conversa fui comprar uma cerveja do outro lado da rua e regressei almoçar com as duas irmãs e uma amiga, que estava com uma neta de um ano.
A carne estufada estava optima e na hora que por ali estive contaram-me um pouco das suas vidas. A mais velha, acalmada pelas agruras da vida, era a mais faladora. Enquanto a neta gatinhava na terra foi-me contando que um dos filhos se havia suicidado com 22 anos e o marido morrera aos sessenta. Mas não parecia amargurada. Daquelas pessoas que aceitam a vida como ela vem, sem se queixarem.
- Tem ideia porque se matou o seu filho?
- Nem eu nem o pai percebemos. Parecia um miúdo feliz, acabado de entrar na universidade
Quando acabei o meu prato, a mulher do meio, que era a dona do negócio, raspou os restos do meu prato para cima do prato da irmã, que acabara de comer à mão, carne e puré, e voltara a colocar mais puré no prato, à falta de carne. Colocou depois película plástica por cima do puré e dos meus restos de carne 
- Isso é para o seu jantar?,  perguntei.
- Não. É para uma colega minha que está do outro lado da estrada.
Segui caminho até à fronteira.
Já no Botswana procurei onde ficar na primeira aldeia que encontrei pois a próxima cidade era a mais de 200 Km, o que me obrigaria a viajar de noite.
O único Guest House era uma casa muito rudimentar. Entrei pela porta aberta e uma mulher saiu da cozinha dizendo que o dono tinha saído e não sabia quanto tempo demoraria. Esperei 15 minutos e decidi voltar atrás meia dúzia de quilómetros até outro que tinha visto junto à fronteira. Tinha bastante melhor aspecto mas não tinham vagas. Disseram-me que podia montar a tenda nas traseiras que, supostamente, era uma zona de campismo. Tinha casas de banho funcionais e poderia utilizar o restaurante do Hotel. Assim fiz. 

Tomei um duche e quando fui jantar constatei que, de entre as várias dezenas de clientes e outra de empregados era o único branco.

2 de março de 2019

Springbok



O caminho para Norte é através do deserto do Namib. São enormes rectas com muito pouco movimento e altas temperaturas que nesta altura do ano ultrapassam facilmente os 40º.
Nessa tarde percorri pouco mais de 200 Km e fui ficar à cidade de Clanwilliam. Procurei onde ficar. No primeiro pequeno Hotel em que bati à porta atendeu uma simpática senhora mas achei o preço caro e perguntei ao marido, que entretanto apareceu, se não sabia de um local mais barato. Indicou-me um tal “Elephant House” e disse-me que, se não gostasse, regressasse que me fazia 600 Dólares Namibianos em vez dos 700. Parecia estar a adivinhar.
O “Elephant House” tinha um aviso à porta de cão perigoso mas como não atendiam a campainha abri o portão. Quando me aproximava da casa soltaram a fera, que veio a correr em direcção a mim, com vontade de me trincar. Preparei-me para lhe dar com o capacete e o bicho ficou a rosnar a um metro. Veio uma senhora dizer que não deveria ter entrado. O preço era realmente mais barato mas quando lhe perguntei pelo wi-fi e me começou a explicar que me emprestaria um router e depois me disse que não aceitava pagamento com cartão de crédito, regressei ao Hotel do simpático casal como única alternativa na zona. Ainda bem. O marido prontificou-se a retirar um jipe que tinha na garagem para eu lá guardar a moto. O carro, parado há meses, não pegava mas ajudei-o a empurra-lo para a rua e lá pegou na pequena descida em frente da casa.
Á noite perguntei à mulher se seria perigoso ir a pé até ao único restaurante da vila, a dez minutos de ali.
- Não pode. É muito perigoso. Diga ao meu marido que lhe empreste o carro
- Isso não tenho lata
- Então eu peço
Quando encontrei o marido perguntei-lhe se seria perigoso ir a pé.
- Aah. Acho que não
Preparava-me para sair quando ele veio ter comigo.
- Tem que levar o meu carro porque a minha mulher diz que é muito perigoso e eu não o quero ir buscar ao Hospital.
E lá fui jantar no carro do homem. Muito simpáticos os dois.
No dia seguinte continuei rumo a Norte através da estrada aberta no deserto de uma faixa para cada lado mas em bom piso. Tinha perguntado a quantos quilómetros havia a próxima bomba pois em Cape Town tinham-me dito que provavelmente teria que transportar um “jerrican” comigo pois a autonomia da Cross Tourer, de cerca de 350 Km, podia não ser suficiente entre as poucas cidades que aquele trajecto atravessa.
Distraí-me e, quando cheguei à bomba seguinte, vinha na reserva à uns bons quilómetros e o painel indicava apenas mais 30 Km de autonomia. Uff.
No posto encontrei dois amigos, um numa BMW de estrada e outro numa Harley com quase vinte anos que davam uma volta pelo Norte do país. Pouco depois juntou-se-nos um grupo de uns seis ou sete miúdos, dos seus trinta e tal anos, que também passeavam em GS’s desde Johanesburg.
Estivemos um pouco à conversa e pediram-me o nome do blog.
Nestes locais inóspitos as bombas de gasolina são sempre bons pontos de encontro e conversa.
Segui até Springbok. Num café que tinha internet resolvi marcar a estadia, por haver muito poucos hotéis nestas pequenas cidades. Escolhi um Guest House no meio do deserto mas não me lembrei que poderia não haver estrada alcatroada até lá. E não havia. Almocei já tarde uns bons filetes num “Fish and Chips” da cidade e parti à procura lo local. Ao acabar a estrada alcatroada havia 7 Km em estrada de terra para lá chegar mas, como não haviam indicações nem o GPS reconhecia a Estalagem, fiz mais outros tantos perdido e ía indo ao chão, quando apanhei uma zona com alguma areia mole.

O local era simpático e tranquilo, com um interior bem arranjado sem ser de luxo. Os caseiros fizeram-me uns ovos mexidos para jantar e dormi que nem um anjo, na tranquilidade do deserto.