28 de novembro de 2012

28 Novembro - Tehran 6

No outro dia encontrei num restaurante um casal em que ele era Finlandês e ela Japonesa. Aqui os poucos estrangeiros que se encontram metem logo conversa.  

Perguntei-lhes se era bom o que estavam a comer e como se chamava e eles disseram que sim, mas também não sabiam o nome. Tinham apontado para o que outro cliente estava a almoçar e foi assim que lhes trouxeram aquilo. Adoptei a mesma táctica e ficámos os três a comer a mesma coisa. O homem andava a viajar pela Asia há dois anos e chamou-me a atenção para um pormenor que ainda não tinha reparado: no Irão não há cães.

Depois de falar com outras pessoas confirmei o que se passa. Os Iranianos consideram o cão um animal sujo, com uma certa razão, diga-se de passagem. Como eles não estão com meias medidas decidiram que os cães são proibidos, ou seja, não são bem proibidos, mas quando alguém tem um cão, ele desaparece passado pouco tempo. Por esse motivo ninguém tem cães e nem os vemos como vadios. Simplesmente é uma espécie que está irradiada do país.

Entretanto, com a ajuda da Bahar, já comecei a perceber como se atravessa uma rua movimentada aqui em Teerão, estejamos ou não numa passagem para peões:
Entramos pela rua apinhada de transito como se nos fôssemos suicidar e depois, sem nunca parar, olhamos para os carros e motos que vêm direitos a nós e abrandamos ou aceleramos ligeiramente o passo para atravessar antes ou depois do veículo. Não podemos hesitar nem parar e muito menos voltar para trás. É confiança e... seja o que Alá quiser.

Como ainda sou um iniciado hoje a coisa correu mal e fiz uma pega de caras a uma moto. Fiquei agarrado ao farol e o homem disse qualquer coisa do género “marahar, rebéubéu pardais ao ninho” que traduzi como “que ganda fiho da pu….” Larguei o touro e ele seguiu viagem.

27 de novembro de 2012

27 Novembro - Tehran 5

Ontem e hoje andei a fazer visitas turísticas com a guia aqui do Hotel, a Bahar. Uma miúda muito gira que fala pelos cotovelos.
Fomos primeiro visitar o Palácio dos Sultões na parte baixa da cidade, depois o museu das joias, dentro do Banco Central Iraniano e hoje o Palácio dos últimos Shah, os Pahlavi pai e filho.

Com as voltas que demos pela cidade, comecei a perceber melhor os transportes públicos. Existe um metro, melhor que qualquer europeu pois foi construído há menos de dez anos e depois, além dos autocarros há não só os táxis normais como outros, idênticos, mas que fazem trajetos fixos e que estão parados numa praça à espera de terem dois ou mais clientes para arrancarem. 

Estes funcionam como autocarros. Se houver três ou quatro clientes diferentes vão todos no mesmo táxi e cada um paga um preço fixo. Para além disso há as moto táxi que são 125 que se desembaraçam do transito como ninguém e levam os clientes à pendura. Quando não morrem de ataque cardíaco chegam mais rapidamente ao destino. Como todos os transportes são baratos, mesmo para eles, fiquei com a sensação que só utilizam estes moto táxi quando estão atrasados para qualquer encontro importante.

No metro existem carruagens reservadas para mulheres e, ao entrar no primeiro autocarro atrás da Bahar ela disse-me “Não. Não pode entrar por este lado. Vá pela direita” A parte direita da porta lateral encaminha-nos para a parte da frente do autocarro, reservada aos homens, enquanto as mulheres viajam na parte de trás. Elas podem vir para o nosso lado, embora não seja muito comum, mas os homens jamais podem entrar na parte das mulheres. As duas secções estão separadas por uma barra e pudemos ficar, junto à barra, a falar um com o outro. Não fiquei com a sensação que estivéssemos a pecar.

Quando vínhamos de regresso do Palácio ao meu lado, na parte dos homens, vinham duas mulheres sentadas. Às tantas uma levantou-se para sair e um homem, sem reparar que era uma mulher que ali estava sentada, preparava-se para se sentar ao lado dela. Quando reparou, deu um salto e fugiu para a parte da frente do autocarro, não fosse alguém ver que ele ia cometendo o sacrilégio de se sentar ao lado de uma mulher. A mulher também fez um ar indignado como quem diz: “olha a lata do bicho, que se ia sentar aqui ao meu lado?!”

Como já tinha referido as mulheres são obrigadas a andar com a cabeça tapada e quando, antes de ontem, perguntei à minha amiga Hasala o que acontecia se a polícia as visse sem lenço na cabeça, ela disse-me que iam presas e apanhavam umas vergastadas nas pernas de maneira que é remédio santo: nenhuma se atreve. O extremismo é tal para evitar contacto entre homens e mulheres que a Bahar me contou que o mês passado um polícia a viu a despedir-se de uns clientes, à porta do Hotel, de aperto de mão e veio confirmar se ela tinha dado um aperto de mão aqueles homens. Ela teve que negar veementemente para não ir parar à esquadra. E com isto tudo lá namoram e casam e têm filhos.

Visitei os palácios, tanto dos antigos Sultões como dos mais recentes Shah mas não me impressionaram por aí além. Claro que são fantásticos mas não são de ficar com a boca aberta, a não ser pelos extraordinários tapetes.

O que verdadeiramente impressiona é a coleção de joias, entre as quais está o maior diamante do mundo e centenas de peças como espadas, frascos e caixas, acessórios para os cavalos, etc. com milhares de diamantes, rubis, esmeraldas, ouro e venha o diabo e escolha, de valor verdadeiramente incalculável, expostas no museu do banco nacional, protegidas por um sofisticado sistema de alarme e portas com um metro de espessura.

26 de novembro de 2012

26 Novembro - Tehran 4

Ontem fui com a minha amiga Hasala assistir ao último dia das comemorações da morte do Iman Hossein, que deu a vida pelo Islão há 1400 anos. Está um dia de sol lindo e a minha amiga conta-me, com uma certeza inabalável, que naquele dia, mesmo quando antes e depois estão tempos de tempestade, o sol brilha e não há nuvens no céu.

Aqui as semanas têm a mesma duração que as nossas, mas metade dos meses do ano têm 29 dias e a outra metade 30. Os meses começam em alturas diferentes (ontem foi dia 10 do mês de Moharam), enquanto os fins-de-semana são à nossa quinta e sexta feiras. A passagem do ano, por exemplo, que a eles calha no início da Primavera, nunca é no mesmo dia do ano, pois os 12 meses somam apenas 354 dias.

De manhã começámos por ir ver os desfiles no bairro dela, talvez os mais espectaculares aqui de Teerão. Novos e velhos não só percorrem as ruas com correntes a bater nas próprias costas, ao som de enormes tambores e com um pregador ao microfone de uma carrinha de caixa aberta que os segue a passo de tartaruga, como alguns rapazes se revezam para transportar sozinhos enormes estruturas metálicas, com estátuas de dragões e outras figuras, que se estendem pela largura das artérias do bairro. Conseguem dar poucos passos com aquele peso às costas e acreditam que só o podem fazer ajudados pela força sobrenatural que o Imã Hossein lhes transmite. Depois passam o fardo a outro candidato que enfia as correias nas costas onde apoia a armação. Os mais velhos encorajam aqueles rapazes com apoio moral e beijos na cara. É um pouco a versão deles de ir a pé a Fátima, neste caso talvez mais próxima de dar a volta ao recinto de joelhos.

Numa grande praça com um jardim e lago no meio outro animador leva as pessoas a rezarem enquanto andam à volta do lago a bater com a mão no peito.

As cenas espalham-se por várias ruas com grandes grupos, numa enorme algazarra de tambores e barulho de correntes a baterem nas costas dos dedicados fiéis, gerando a confusão no trânsito.

Passeámos de grupo em grupo e a Hasala até me perguntou se não me queria juntar ao sacrifício, reservado aos homens. Disse-lhe que estava melhor no papel de espectador e ficou um pouco desiludida.

Da parte da tarde fomos assistir a uma espécie de teatro que decorre num enorme espaço em terra batida, do tamanho aproximado de um campo de futebol e onde recriam a cena em que, há 1400 anos, depois de terem sacrificado o Iman Hossein, mataram toda a sua família, incluindo mulheres e crianças, para tal arrastando os miúdos pelo chão e pegando fogo às tendas onde viviam.

Esta cena começa com um homem a chorar aos altifalantes, enquanto conta a história do massacre, entusiasmando as pessoas para se juntarem a ele no choro. Vi mulheres a soluçarem, comovidas com aquela recordação de há 14 séculos. A fase mais espectacular é quando os supostos malfeitores pegam fogo às tendas que quase explodem com o combustível que têm dentro. A cena acaba com as crianças, presas por correntes, algumas com ar assustado perante tanta confusão e outras verdadeiros artistas a fingirem ser pontapeados e arrastados por homens armados de enormes espadas.

O teatro ao ar livre envolve camelos, o suposto cavalo de Hossein com manchas de sangue no dorso e homens que transportam lanças com réplicas de cabeças humanas espetadas na ponta.

Um espectáculo único.

22 de novembro de 2012

22 Novembro - Tehran 3

Ontem conheci uma miúda muito simpática, quando estava à procura de um  fotografo. Ela insistiu em acompanhar-me à loja e ficou à espera que eu tirasse a fotografia, para ver se tinha ficado tão giro como ao vivo.

A seguir parti para a embaixada da Índia e pediu-me o meu numero de telefone. Ligou mais tarde e combinámos que hoje me iria mostrar a cidade. Fui ter com ela ao local onde nos tínhamos encontrado no dia anterior, junto a uma estação de metro, e lá estava a miúda, impaciente. Levou-me até junto a um carro, mandou-me entrar para trás, sentou-se ao meu lado e apresentou-me a condutora …. a sua mãe. Não queria acreditar mas já não podia fugir. A mãe era uma mulher forte e grande que, se me desse uma lambada, virava-me ao contrário. Tinha o cabelo pintado de loiro e botox na boca. Assustadora.

Soube depois que o marido era militar e morreu na guerra, se calhar feita por ela.
Lá partimos os três, eu e a miúda sentados no banco de trás e a mãe ao volante, não para a programada visita à cidade, mas a caminho de um centro comercial onde a mãe pretendia fazer compras.

O centro comercial era daqueles que poderíamos ver num sítio como a Amadora, bastante pindérico, mas que a miúda me disse ser fantástico. Quando lá chegámos ficou muito espantada por eu não estar encantado com aquilo e não se cansava de me mostrar todas as “maravilhas” que lá havia como uns copos em vidro pintado e lojas iguais a todas as outras. A mãe, supostamente viciada em compras, enfiou-se numa sala de provas onde mal cabia a tentar enfiar uns jeans. De vez em quando chamava a filha para lhe perguntar se estavam bem e calculo que os conseguiu vestir porque acabou por comprá-los. De ali partimos para uma sapataria à procura de um par de sapatos que desse com os jeans. A filha continuava a dizer que a mãe passava a vida em compras. De vez em quando a mulher punha um comprimido ao buxo. A filha explicava que era por ter muito stress e eu só pedia que ela fosse tomando muitos daqueles comprimidos para não ter stress nenhum porque quando escolheu um par de sapatos “foleiro a olho” e me pediu a opinião eu disse que não gostava muito e aí deixou de ser simpática. Antes tinha-me convidado para um jantar de amigos onde haveria vinho e whisky. Eu perguntei à filha se ia e ela disse que claro, se eu ia ela também vinha. A mãe não gostou e passado pouco tempo o jantar já se tinha evaporado. Acabámos por almoçar à pressa e deixou-me num táxi.

Entretanto a filha tinha combinado irmos amanhã fazer ski, numa montanha aqui perto. Já me mandou mensagem para nos encontrarmos amanhã à mesma hora. Será que vou poder ir outra vez no banco de trás?

21 de novembro de 2012

21 Novembro - Tehran 2

Ontem estava de rastos, depois da viagem noturna de autocarro e da correria pelas embaixadas mal cá cheguei. Deitei-me cedo e hoje, pelas 9.30 estava na Embaixada da China, cujos guichets abriam às dez. Claro que o impresso que tirei da Internet não era o certo e faltavam fotografias e fotocópias disto e daquilo. Fui com um canadiano que estava no mesmo “embrulho” que eu a uma loja net e lá consegui o impresso correto e tirar fotografias e fotocópias a tempo de entregar os papéis antes do meio dia. 

É que aqui o fim de semana é à quinta e sexta e nos próximos Sábado e Domingo é feriado por serem os últimos dias dedicados ao Iman Hossein, o tal que morreu pelo Islão e por quem hoje em dia os Iranianos mais devotos chicoteiam as próprias costas com correntes. Reparei é que, tal como em Portugal com as procissões, aqui também esses costumes têm mais adeptos na província. Em Teerão ainda não vi ninguém a auto flagelar-se. Tenho visto é muita gente quase a ser atropelada. O transito é infernal e a regra estabelecida é que a prioridade é dos mais fortes. Assim os carros têm prioridade sobre as motos e ambos sobre os peões, haja passadeira ou não.

Atravessar uma rua movimentada é uma lotaria. Os peões atiram-se lá para dentro e vão fazendo de toureiros com os carros e motos que lhes fazem razias de um lado e outro. Habituados à cena todos avançam sem medo, sejam homens, crianças ou mulheres de burca.

Eu pareço um tótó à procura de uma folga para atravessar. Quando um taxista me atirou para o meio daquela selva porque o carro estava do outro lado da rua, eu às tantas agarrei-o porque achei que ele ia ser atropelado por uma moto. O homem desatou-se a rir e puxou-me para a frente tipo: vamos embora, seu nabo. Mesmo quando o sinal está encarnado para os carros é preciso ter imensa atenção porque muitas das motos não param no sinal, nem quando estão peões a atravessar na passadeira. Uma loucura, mas ainda não assisti a nenhum desastre.

Da parte da tarde fui visitar um dos poucos museus da cidade que exibia, essencialmente, cerâmica entre os séculos 1º e 5º AC. Almocei por perto, fiquei uma hora a ler num jardim junto ao Museu e regressei ao Hotel.

Aqui quase toda a gente se queixa do regime. Não gostam dos ayatollah nem do Presidente Ahmadinejad. Ao contrário do que eu pensava quem manda no país e põe e dispõe sobre as leis a vigorar não é o Presidente mas o Ayatollah Khamenei, sucessor de Khomeini. As pessoas de um modo geral não estão nada de acordo com estas leis facciosas e absurdas, mas resignam-se. É um povo muito simpático e espero que consigam um dia mudar o regime sem guerra ou ataques estrangeiros.

Hoje uma miúda contava-me que era uma tristeza porque não podiam ouvir música nem dançar e que o país era muito bom quando tinham o Chá no poder. O engraçado é que ela tinha 20 anos e o Chá foi deposto há 33.

20 de novembro de 2012

20 Novembro - Tehran

Durante a noite vim de autocarro para Teerão. Parti às dez da noite para aqui chegar às 8 da manhã. Espantosamente era de luxo. Muito confortável e com enorme espaço para cada banco que reclinava, levantava um apoio para pés, etc.

A família  Sheakhloo veio trazer-me ao autocarro. Um programa diferente, para variar dos homens que massacram as costas e cujo espetáculo representa o entretimento de homens e mulheres nestes primeiros dez serões do seu mês de Mohrram.

Quando chegámos aos escritórios da companhia de camionagem abri a porta e disse à mãe Sheakhloo para passar à frente, o que fez muito hesitante. Os três homens, criança incluída, desmancharam-se a rir com a minha atitude, totalmente radical na cultura deles.

Dormi razoavelmente no autocarro e tinha combinado com um motorista de táxi esperar por mim nos escritórios da companhia ALD. O mal é que ali todos os nomes estavam em Árabe, de maneira que não consegui ler os letreiros. Depois de andar 10 minutos para a frente e para trás à procura de quem falasse inglês, de entre centenas de pessoas lá me encontraram um recepcionista que, tendo vivido em vários países europeus, arranhava umas coisas. Ligou para o homem que era suposto esperar-me mas ele estava longe e rapidamente sugeriu ser ele a fazer o transporte, pois também tinha um táxi. Quando aceitei, o homem deixou os vários telefones que estava a atender, continuamente a tocarem, e arrancou comigo para o que ele apelidava do seu táxi. É mais lucrativa uma viagem de táxi ao centro de Teerão que passar a manhã a atender telefones. A viatura era um destes pequenos carros fabricados no Irão, a cair de podre e de cor cinzenta quando os táxis  aqui são amarelos ou verdes. O homem tirou um indicativo de táxi da mala que colocou no tejadilho e ficou pronto para a viagem. Como não tinha grande alternativa, pois parecia ser a única pessoa numa área de vários quilómetros quadrados a arranhar qualquer coisa de inglês, fizemo-nos à estrada, primeiro em direção à embaixada portuguesa, onde precisava de obter um papel para pedir o visto indiano, e depois à confusão que representa a embaixada Indiana.

O transito em Teerão é caótico, como seria de imaginar numa cidade com 10 milhões de habitantes em que cada um tenta furar por entre outros carros, peões e uma quantidade enorme de motos de 125 c.c. de fabricação local e que parecem cópias de Hondas antigas. Também cá fabricam o Peugeot 405 com motor 1600 a gasolina que aqui custa o equivalente a cerca de 13.000 euros, comparado com os 50.000 de um carro importado, como um Hyundai dos grandes.

Muitos carros têm pequenas moças mas não se percebe como não batem mais nem atiram com muitas motos ao chão. Cheguei à conclusão que é por não haver movimentos bruscos. Eles avançam diretos aos peões, estejam ou não nas passadeiras, e outros carros e motos com vontade mas sem fazerem movimentos bruscos o que faz com que todos vão percebendo as reações de cada um.

Durante estes dez dias de memória ao Iman Hossein, não se pode ouvir música, nem no carro e quando o meu amigo Hossein a ligou a caminho do autocarro a mãe pediu que desligasse.

Este semi taxista só dizia mal dos governantes, fossem eles Imã ou Presidente e mal entrou no pequeno charuto tratou logo de colocar uma cassete, à antiga, com música rock dos anos 70. Ainda não tínhamos chegado à primeira embaixada quando o homem deixou o carro ir abaixo e não voltou a pegar. Fiz ali uma revisão eléctrica à borda da estrada, no meio de carros a apitarem,  incluindo fusíveis e ligações do motor de arranque, e cheguei à conclusão que o problema era causado por verdete numa das fichas. Mostrei aquilo ao homem, raspei um pouco do verdete e tivemos outra vez viatura.

O transito é tão caótico que saímos às oito e meia do parque de camionagem, à entrada da cidade, passamos na Embaixada portuguesa, onde me demorei uma meia hora e quando chegámos à da India já era meio dia e estava a fechar. Ainda me deram os papéis para preencher mas disseram que regressasse amanhã.

19 de novembro de 2012

19 Novembro - Urmia 2

Quando vinha para Urmia no carro com este novo amigo Hossein e lhe perguntei se conhecia um Hotel onde eu pudesse ficar ele sugeriu que ficasse em sua casa, onde costumam alugar um quarto a viajantes. Aceitei e instalei-me aqui na pequena e modesta casa da família Sheakhloo.
O Hossein tem 21 anos e além do pai e da mãe vivem aqui um irmão de 8 anos, que não pára um segundo, e uma irmã de 18, que trabalha numa fábrica de bolachas. É uma família típica iraniana do que aqui se poderá considerar classe media. Está a ser uma experiencia única. Ao entrar em casa todos tiramos os sapatos, que ficam do lado de fora da casa.
Tinha dito ao Hossein que pretendia comer qualquer coisa de maneira que,  chegados a casa dos Sheakhloo a mãe rapidamente preparou uma refeição. Estendeu uma toalha no chão da sala, onde se servem sempre as refeições, e fritou umas salsichas que comemos acompanhadas de pão iraniano e iogurte,  sentados no chão. Aliás não é só na sala que se sentam no chão. Muitas vezes a mãe está sentada no chão da cozinha, que tem apenas um balcão a separá-la da sala, a tratar da refeição e quando a chamam surge por detrás do balcão.
 No Irão não se vende nem bebe álcool pelo que o pai Shaekhloo se sentou ao meu lado depois de almoço e, no seu parco inglês, me fez um inquérito sobre em que sítios se vendia álcool em Portugal, se eu já tinha provado whisky e se o preferia ao Vodka. Tanto ele como o filho ficaram muito espantados quando lhes disse que os miúdos em Portugal saíam à noite com 16 anos e bebiam álcool.
Aqui as mulheres não podem sair à rua ou trabalhar com a cabeça destapada nem se misturam com homens em locais como Mesquitas ou festas. Quando fui hoje a um restaurante almoçar com o Hossein ao lado havia uma loja de roupas para mulheres com saias curtas nas montras. Fiquei espantado e perguntei ao meu amigo como era possível venderem aquelas roupas se nas ruas e escritórios estão todas com saias muito mais compridas. Nas festas, contou-me ele, mas só para as outras mulheres verem pois mesmo nas festas de casamento, as mulheres estão numa sala e os homens noutra.
-          O quê? E então o que fazem nessas festas se nem sequer podem beber?
-          Falamos e dançamos?
-          Dançam? Como?
-          Homens com homens e mulheres com mulheres.
Não há sexo antes do casamento porque as mulheres, se perderem a virgindade, já não podem casar. A excepção são as divorciadas, que podem voltar a casar.
 Aqui têm um calendário diferente assim como a mudança de hora em relação à Turquia que não é de uma hora nem duas mas de uma hora e meia.
Quando cheguei ontem era o terceiro dia do mês de Mohrram no qual, os primeiros dez dias são dedicados ao Iman Hossein, que morreu pelo Islão. A forma de sofrerem por ele é irem para algumas praças da cidade, reunirem-se em grupos e, ao som de música, tambores e um incentivador num altifalante, baterem com umas correntes nas próprias costas, ao ritmo da música ou dos tambores. Um espectáculo impressionante. Tanto o Hossein como o irmão têm as suas próprias correntes e embora desta vez só o mais novo tenha entrado na cena, foi a família toda assistir a este espectáculo que representa o entretenimento nocturno destes dez dias. Há quem poupe as costas, como obviamente os miúdos que estão ali a treinar para quando forem grandes, mas há os que batem com força. Pelas onze da noite, já com as costas massacradas, os protagonistas vão para a Mesquita, onde é servido chá e uma espécie de bolas de berlim com creme mas sem açúcar. Acompanhei família masculina e amigos. Sapatos à porta e entramos numa pequena mesquita de bairro com construção de baixa qualidade mas fabulosos tapetes persas a cobrirem o chão. Sentamo-nos alguns no chão e outros em cadeiras junto às paredes. Fiquei perto de uma esquina e três lugares ao meu lado, na outra parede, está o guarda da mesquita, de metralhadora ao colo. Reparei que a metralhadora, por azar, estava apontada a mim pelo que mudei para o lugar ao lado, que estava livre. Toda a gente que vai saindo despede-se do guarda e fico com a sensação que é mais por respeito à metralhadora que ao homem em si. Às tantas houve um telemóvel de um amigo do Hossein que tocou, mais que uma vez. À segunda um homem refilou com o rapaz, que resmungou qualquer coisa. O guarda olhou com ar critico e no fim ralhou com outro dos amigos de Hossein ao que este, zangado, atirou com a sua echarpe com força contra um dos tabuleiros do chá. Estive para lhe dizer que era melhor não se zangar com o homem da metralhadora mas achei mais sensato não me meter no assunto.
Hoje à noite vou de autocarro para Teerão, para visitar a cidade e tratar dos vistos para a Índia e Emirados enquanto espero pela chegada do Carnet da moto que me permitirá ir buscá-la à fronteira, onde ficou ontem, para poder seguir viagem.

18 de novembro de 2012

18 Novembro - Urmia 1

Ontem à noite, depois de ouvir aquela discussão política entre três amigos fui almoçar a uma tasca a uns 200 metros daquele Hotel que tinha uma vista fantástica sobre o lago, mas as cortinas do restaurante  estavam fechadas, mesmo durante o dia. Por um lado não admira porque quando as abri o jardim sobre o lago estava com chapéus de sol podres no chão e lixo por todo o lado.
O criado da tasca, que não dizia uma palavra de inglês, perguntou-me, no fim do jantar, como todos fazem, se queria um chá. Respondi que sim e então, com a maior das naturalidades, trouxe dois e sentou-se à minha mesa a tomar chá comigo. Não dissemos nada um ao outro, mas ele achou que fazia parte beber um chá com o cliente.
Hoje saí às nove e meia com intenção de tentar passar a fronteira à hora de almoço. A estrada variava entre grandes rectas bem alcatroadas até troços muito ondulados e outros em reparação, com partes em gravilha.
A cerca de 150 Km da fronteira uma situação curiosa: estão a montar um oleoduto em direção ao Irão com quilómetros de tubo com cerca de metro e meio de diâmetro estendidos ao longo da estrada e outros já colocados. No entanto, hoje em dia é proibida a importação de petróleo do Irão, uma sanção estabelecida pelas nações unidas. Será que estão a montar este oleoduto já a pensar que a sanção vai durar pouco ou que estão à espera que os Americanos ataquem o Irão e fiquem eles a controlar a exploração petrolífera, como fazem no Iraque?
Mais à frente a primeira de várias operações stop feitas por militares. Nesta  estavam a revistar todos os carros dos convidados de um casamento enquanto o carro da noiva, parado cem metros à frente, já tinha sido visto e esperava que todos os convidados recuperassem o seu lugar na caravana. Aliás hoje, não sei se por ser domingo, passei por várias caravanas de convidados de casamento com o carro da noiva à frente, decorado com fitas não brancas mas coloridas, não sei se com as cores da bandeira curda. Estas caravanas que são formadas por muita charutada e duas ou três Ford Transit que transportam os convidados sem carro, levam por vezes uma pick up à frente com vários homens na caixa de carga a filmarem ou tirarem fotografias. Quando ultrapassei uma das caravanas estes homens da pick up fizeram-me sinal para esperar mais um pouco atrás deles e assim vou fazer parte do filme de um casamento curdo.
Mais à frente os militares de outra operação stop mandaram-me parar só para saberem de que nacionalidade era e para onde ia.
Na ultima cidade antes da fronteira alguns deste militares faziam a operação stop vestidos à paisana, de metralhadora na mão. Até pensei que fossem revolucionários mas não, na fronteira disseram-me que se fossem revolucionários já estariam presos.
Cheguei à fronteira no meio de uma confusão de camiões e carrinhas Ford Transit, que aqui são o transporte mais utilizado nas deslocações entre cidades. Formavam um tal caos que, ao passar por eles, não percebi que tinha atravessado o lado turco da fronteira sem parar na polícia ou alfandega. Já estava em território iraniano quando um guarda turco me chamou, do lado de fora, a dizer para eu voltar atrás com a moto e cumprir os trâmites. Dei meia volta e ele destacou um miúdo dos seus 12 anos que foi comigo, a correr ao lado da moto, aos vários postos de controle. Lá resolvemos a situação naquela alfândega decrépita e passei para o lado iraniano. Aqui, depois de me revistarem as malas
mandaram-me falar com o chefe que, embora eu já tivesse o selo do visto, iria analisar novamente o meu processo para ver se me dava ordem de passagem. Um soldado levou-me por entre o povo até ao gabinete do chefe. Era um miúdo que não teria trinta anos. Mandou-me sentar numa cadeira afastada uns 5 metros da dele, olhou para o meu passaporte e passou meia hora ora a colocar o passaporte numa máquina de laser, ora a consultar o computador ora a olhar uma vez mais para o Passaporte. Fez-me poucas perguntas e deu sempre o ar que estava a hesitar deixar-me entrar. Por que cidades pretende passar? Porquê?
Passada meia hora mandou o ajudante carimbar o passaporte e passou-mo para as mãos. Quando estava convencido que podia partir com a moto surge outro chefe, este responsável pela entrada de veículos, que me disse logo que não havia qualquer hipótese de passar com a moto sem Carnet. Resultado: a moto ficou na fronteira à espera da chegada do Carnet e eu segui até uma cidade próxima com um rapaz de quem me tinham dado o contacto.

17 de novembro de 2012

17 Novembro - Gevas

Ontem ao fim do dia, quando estava a arrumar a moto em cima do passeio, em frente ao Hotel, voltei a cair. Ia em primeira pelo passeio, devagar e, para desviar de umas pessoas encostei demais a um pilar de cimento, bati com a mala esquerda no pilar e…. pumba, saltou a mala fora e eu caí para a direita. Felizmente só se partiu o suporte inferior da mala mas está lá no sítio e veio bem.
O dono do Hotel convidou-me para jantar com mais um amigo e ficámos na conversa até tarde. Falavam os dois inglês. Já tinha saudades de ter uma conversa sem ser por gestos.
De manhã, quando saí do Hotel, pelas 10.30, duas miúdas, por acaso bem giras, saíam do cabeleireiro ao lado com o ar de quem vinham de fazer um penteado lindo. Com elas um tipo com mau aspecto que mandou uma afastar-se para eu passar. Até aqui tudo normal naquela cultura. O caricato é que as duas miúdas eram daquelas que usam um lenço a tapar a cabeça. E não o usam só para andar na rua. Quando o têm é para não o tirarem quando vão ao restaurante ou, calculo, quando têm alguém a jantar em casa. Ou seja, o penteado maravilhoso é para ser visto não se sabe bem por quem. O que faz confusão é que nem todas andam com a cabeça tapada. Algumas andam vestidas à ocidental sem nada na cabeça enquanto as mulheres mais velhas e as novas com pais mais radicais vestem túnicas pretas com a cara tapada e só os olhos à vista.
O dia de hoje foi um passeio lindo. A cidade onde estava, Erzurum, fica num planalto, a 2000 metros de altitude. Comecei por rodar uns 150 Km nesse planalto, no meio de uma serra onde por vezes subia a mais de 2500 metros, para depois descer, junto a um rio, para perto do nível do mar, com a paisagem a ganhar alguns verdes e acabar num enorme lago.
Antes de descer do planalto o GPS enviou-me por uma estrada secundária onde poupava cerca de 30 Km. Hesitei mas acabei por aceitar o pedido do aparelho e andei por uma estrada primeiro muito estreita de mau piso para depois passar para uma em reparação onde cerca de 10 Km eram em terra com muita gravilha solta. Neste tipo de piso a “Cross Tourer” com estes pneus de estrada fica difícil de guiar porque vai como que a flutuar em cima da gravilha, a escorregar muito. Já estava habituado à situação e sabia que não podia ir devagar de mais. Correu tudo bem.
Rodei depois junto ao lago, com mais uma paisagem fantástica, com o lago dum lado e montanhas com neve no topo do outro.
Como já estou perto da fronteira iraniana, além de às vezes haver aqui ações revoltosas dos curdos do PKK, voltei a encontrar uma operação stop feita por militares armados mas, não me acharam com ar de terrorista, e mandaram-me seguir viagem. Vi aqui na net que tinham prendido na região 22 membros do PKK nas ultimas 24 horas. Aliás tenho a impressão que tenho aqui uma reunião política na sala do Hotel manhoso a que vim parar, como de costume. Tive que vir para a sala porque a Internet não funciona no quarto e estão três homens numa grande discussão em que a única coisa que percebo é Arafat. Um deles fala muito do Arafat. Deve estar a dizer: “quando o Arafat era vivo ajudava-nos sempre. Agora é uma desgraça, ninguém nos apoia e ainda acabamos presos”.
Muito chá bebem estes tipos. Qualquer motivo é bom para mais um chá. Já beberam três cada um. Eu que não bebia chá lá me tenho safado a beber só três ou quatro por dia porque às vezes não posso mesmo recusar. Agora já está aqui mais um copo à minha frente. Vou disfarçar.
Amanhã vou tentar passar a fronteira para o Irão, mesmo se ainda não tenho o Carnet da moto. Se não me deixarem terei que me instalar numa cidade deste lado da fronteira a esperar pela chegada do Carnet, que estão a tratar aí na Honda.

16 de novembro de 2012

16 Novembro - Erzurum 2

Quando cheguei ontem a Erzurum, fui direito ao consulado iraniano. Já me tinham dito que são homens difíceis, que não dão vistos a qualquer um. À noite o dono do Hotel contou-me que tinha cá tido um Inglês o mês passado que ficou dez dias à espera do visto e no fim . . . não lho deram. Também percebe-se, era bife. Nós pelo menos nunca ameaçámos que bombardeávamos Teerão, não fossem eles responder à ameaça e tínhamos todos que fugir para Espanha. A porta está fechada e demoram a atender a campainha. Finalmente entrei. Sou recebido por um homem que me pergunta se já tenho o código.
- Não.
Qual código?
- Não tem código? Disse com ar espantado. Tem que ter um numero de código.
- E como obtenho esse numero de código?
Escreveu-me o nome de um site governamental num papel rasgado e disse para me inscrever lá que passados três dias me dariam um código.
- Três dias??? Só para ter o código? E depois?
- Depois vem aqui e eu trato-lhe do visto.
Fui resignado procurar um Hotel para chegar à internet. Não se conseguia entrar no site. Depois de muito rebuscar consegui abrir um parecido, mas estava escrito em árabe. Voltei para a reabertura das duas e meia. Um miúdo alemão com bom aspecto mas com a sujidade de andar de mochila às costas a acampar pelos cantos, esperava pelo seu visto. Estava há três dias à volta do processo mas a ele não tinham pedido código. Disseram-lhe para voltar às cinco. Ele, sem nada que fazer até às cinco, pediu se podia esperar ali que estava frio na rua. Responderam que sim e passados cinco minutos apareceram com o passaporte dele com o visto. O miúdo parecia ter ganho a lotaria. Anda há dois meses à boleia e já tinha estado na fronteira mas mandaram-no aqui de volta tratar do visto. Contou que só podia pedir boleia de dia porque quando fica noite param homens a perguntar: “do you want to have sex”?
Quando fui atendido expliquei que não tinha conseguido entrar no site. O homem mandou-me esperar e desapareceu durante meia hora. Surgiu depois para me dizer que o Cônsul ia falar comigo. Comecei a ver o caso mal parado. Esperei mais meia hora numa sala com meia dúzia de cadeiras vazias sob o olhar de uma câmara. Fiz um ar de santinho de esquerda porque achei que estava a ser observado pelo cônsul. Penso que o tempo de espera também faz parte do processo de avaliação dos candidatos. O empregado do consulado deve estar lá dentro com o cônsul a olharem para o ecrã com as imagens da sala e perguntar: - Sr. Cônsul, acha que este já esperou tempo suficiente? Se ainda não se foi embora quer dizer que quer mesmo ir lá ao Irão. Ao que o cônsul responde:
- Não. Aguenta mais um bocadinho para ver se o homem está mesmo empenhado em lá ir.
Por fim lá voltou a surgir de lá de dentro e passou-me um telefone dos ainda com fio. Do outro lado a voz rouca e calma do Cônsul.
- Yes?
- Contei-lhe o meu esforço inglório para obter o famoso código. Pareceu compreensivo. Perguntou-me de onde era, o que fazia, etc. Não me perguntou a cor dos olhos porque já devia saber. Achei que aquela câmara, enquanto me filmava, estava a fazer uma busca na internet. Já deviam saber se tinha chorado quando nasci. Finalmente mandou-me lá voltar hoje às nove com uma promessa de visto.
Sempre que me levanto cedo o dia começa mal. Ontem à noite o dono do Hotel, que fica no centro da cidade, tinha-me dito para pôr a moto na entrada, um corredor estreito antes de uma escada que dá para a recepção no primeiro andar. Aquilo tinha um degrau alto e eu hesitei mas, perante a insistência do homem, que a moto ficava mais segura ali, lá a coloquei no corredor. Hoje de manhã, para a tirar, desci o alto degrau com a moto à mão e . . . patapum, motorizada no chão contra o letreiro luminoso do Hotel, que se desfez em cacos. A moto só partiu a proteção do punho do lado direito. Como a do lado esquerdo já estava partida ficou equilibrada.
Lá fui ao consulado. Mandaram-me preencher um papel, trazer duas fotografias e uma prova de depósito na conta deles de 75 euros. Nem dólares, nem liras turcas ou moeda iraniana. Euros, em “cash”. Por caso ainda tinha. Ao fim da manhã fui entregar a papelada e às cinco recolher o passaporte já com o famoso visto. Huf.

15 de novembro de 2012

15 Novembro

Erzurum

Ontem à noite falei com um contacto que arranjei no Irão e ele disse-me que era impossível tratar do visto na fronteira de maneira que poupei-me a enfrentar já os últimos 100 Km antes de entrar no Irão, de serra com neve, para depois ter que voltar 300 para trás. Assim fiz 180 Km até Erzurum onde existe um consulado iraniano. 
Como me levantei mais cedo que o habitual e saí às nove da manh
ã ainda estava com sono e esqueci-me de pôr gasolina. 


Passados uns cem quilómetros olhei por acaso para o indicador de nível de gasolina e marcava _ _ ou seja zero, niqueles. E o mal é que a “Cross Tourer” já tem daqueles indicadores como os carros de agora que, quando entra na reserva marca os quilómetros que ainda faz com a gasolina que tem. Marcava 0 quilómetros e nem sabia desde quando. Passado pouco mais de 1 Km parecia que tinha tido sorte porque surgiu uma bomba. Parei e o homem diz-me: “benzine o.k.” e eu repito enquanto abro o depósito “benzine o.k”. Aí ele diz outra vez: “benzine o.k.” e eu: “sim, benzine o.k.”. Só à terceira percebi que ele com aquilo queria dizer que a gasolina estava esgotada. Voltei a arrancar e passados 2 quilómetros outra bomba. Igualmente esgotada. Entrava numa vila com mais cinco bombas de combustível e nenhuma tinha gasolina. Bem, decidi, vou fazer-me à estrada e seja o que Deus quiser. Arranquei por estas estradas desérticas e, como sou ateu decidi rezar a Alá porque pensei que devia ligar mais ao que se passa por estas bandas.
Fui repetindo abaduuuuu, balubaluuuuuu, badubadabuuuuuuuu.
Passados meia dúzia de quilómetros, a 80, só com um cheirinho de acelerador, uma bomba, ou seja, uma espécie de bomba. Parei junto a um dos pontos de reabastecimento que parecia não funcionar há anos, com as mangueiras já ressequidas e descoloradas do sol. Não estava ninguém. Até que, passado um minuto sai um homem por detrás da barraca. “Benzine?”. “Yes, benzine” respondi eu à espera de ouvir outra nega. “benzine very good” Mau. “Very good”?? E porque é que não haveria de ser “very good”? E o homem repetiu vezes sem conta que a gasolina dele era muito boa. Pensei logo que devia ser água. Hesitei em pedir um copo para a provar antes que ele a pusesse no depósito da Honda mas como não tinha alternativa decidi arriscar. “Ponha-me lá dessa benzina maravilhosa”. “what?” “Sim, bute, vamos embora”. E não é que a “Cross Tourer” não se queixou?
Lá cheguei a Erzurum. Pelo caminho ainda apanhei um autocarro de passageiros que vinha a fazer uma trajetória impecável, numa curva cega do meio da serra. Só que o ponto de corda era onde eu ia passar. A estrada era toda dele. Por sorte lá me viu a tempo. Não há duvida que é bom as motos hoje em dia andarem sempre de luzes acesas.

14 de novembro de 2012

14 Novembro

Boas estradas no meio de planícies e montanhas muito áridas. No espelho da moto
vê-se, ao fundo, parte da cordilheira coberta de neve que vou ter que atravessar
para chegar ao Irão.
Agri

Hoje tive um dia calmo e fiz mais de 400 Km numa estrada com longas rectas, onde me senti o Peter Fonda no “Easy Rider”, a circular a 120/130 só que sem estar pedrado. Pelo meio duas partes montanhosas com algumas curvas boas e onde a temperatura baixou dos 8 a 12º com que circulei a maior parte do dia, para 5º. A paisagem continuava árida, a fazer lembrar certas zonas de Marrocos.


Pelas duas da tarde parei numa tasca manhosa, junto a uma bomba de gasolina, onde comi qualquer coisa que tinha um ovo estrelado e era picante, não sei se por o ovo estar estragado ou se era mesmo assim. De qualquer forma não me fez mal. Bebi uma Fanta laranja, a segunda bebida oficial dos Turcos. A primeira é o chá que, tal como no sul do Brasil com o café, oferecem a cada oportunidade “free of charge”.


Depois daquele almoço, para desenjoar parei na bomba seguinte e comi umas bananas que tinha no saco desde o dia anterior, das quais consegui aproveitar três metades menos podres. O homem da bomba convidou-me para beber um chá e lá fiquei a tomar chá à conversa com um camionista durante uma meia hora. O engraçado é dizer à conversa porque ele só falava turco e eu ia dizendo palavras em várias línguas conforme a que me apetecesse no momento. Era indiferente o que era porque ele não percebia nenhuma.


É espantoso como há três dias que não encontro ninguém que fale outra coisa senão turco e tenho-me feito entender.
Na conversa com este simpático camionista ele perguntou-me de onde eu era e depois se falávamos a mesma língua que os Espanhóis e os Mexicanos, que países havia a seguir a Portugal, etc. Falámos sobre o frio que eu ia apanhar no Irão, sei lá, uma longa conversa baseada em gestos, palavras inventadas e expressões com que nos fizemos entender perfeitamente. Apareceu outro amigo a quem ele lhe disse de onde eu era e por fim despedimo-nos e cada um partiu na sua direção. O transito por ali é quase só camiões e como estamos perto da fronteira com o Irão e não longe da fronteira com a Síria começam-se a ver mais veículos militares que carros de polícia e passei mesmo por uma operação “stop” em sentido contrario ao que eu circulava que era feita por militares de metralhadora ao ombro e não por policias. Provavelmente também para controlarem as movimentações dos rebeldes curdos do PKK.


Amanhã vou tentar entrar no Irão mas o mais provável é ainda não ser possível. Nesse caso terei que voltar a uma cidade a 300 Km da fronteira onde há um consulado Iraniano, para pedir os papéis que me exigirem.


Se entrar só espero que os Americanos ou Israelitas não se lembrem de bombardear o país na semana em que lá estiver. Não que tenha medo de levar com uma bomba, que é pouco provável, mas receio que se isso acontecer o pessoal lá fique com mau humor para com quem vem deste lado.


Está-me a pingar água em cima do computador. Estes hotéis que eu arranjo ...
Há bocado, para explicar que não havia toalhas na casa de banho fiz sinal ao recepcionista como se estivesse a esfregar as costas mas ele deve ter pensado que eu estava a pedir um banho turco ou qualquer coisa do género. Fez uma careta como quem diz “não temos cá disso” e falou para uma miúda que era suposto falar inglês mas ... bute, não percebia nada. Até que ela disse: “então eu vou aí ao Hotel dentro de 5 minutos. Quando chegou mostrei-lhe o toalheiro vazio e então resolveu-se o enigma. O camionista teria percebido à primeira.

13 de novembro de 2012

13 Novembro

Erzingan

Ontem à noite fiquei numa pequena cidade de província, que não são nada atrativas, e hoje arranquei pelas onze da manhã rumo a Oriente. O céu estava pouco nublado e a temperatura mais estável que ontem, entre os 8 e os 12º que, com o fato da Sidi, é agradável. A estrada era em piso que variava entre o bom e o razoável, com grandes rectas e muito pouco movimento. Talvez por a gasolina aqu
i ser das mais caras de europa, perto de dois euros por litro, e a população ter pouco poder de compra, a maioria dos turcos deve viajar em transportes públicos e reservam os carros só para circular em cidade.



Não sendo produtores de petróleo têm que o comprar aos vizinhos árabes e como o governo tem feito um esforço para se aproximar do Ocidente, chegando ao ponto de quererem insistentemente entrar para a Comunidade Europeia, quando só 30% do seu território é na Europa, os Iranianos e outros vizinhos não devem gostar da atitude e vendem-lhes o petróleo mais caro, mesmo se ele é aqui refinado.



Circulo largas dezenas de quilómetros a cruzar-me com meia dúzia de carros numa paisagem muito árida de pequenas elevações. Algumas vilas pelo caminho sempre com a imprescindível Mesquita com duas torres altas e estreitas de onde antes o imã local devia gritar para a população as rezas constantes, agora transmitidas através de potentes altifalantes que, nas cidades que têm duas ou três Mesquitas fazem concorrência entre si na captação de fiéis. Aliás não devem ter falta de clientes porque 97% da população é muçulmana e a maioria parece praticante assíduo. Também nestas pequenas vilas não deve haver melhor programa do que ir até à Mesquita rezar um pouco. No Hotel em que estou agora estava até um pequeno tapete dobrado em cima da mesa, do tipo tapete Persa individual feito na China, com uma espécie de terço deles por cima para se eu quisesse rezar quando ouvisse a voz do Imã nos altifalantes da Mesquita. O terço é diferente do dos católicos pois quase todas as contas são idênticas e estão juntas. Não me admira porque a reza deles parece-me muito repetitiva. Não têm aquela coisa de rezarem 10 Avé Marias e depois um Glória a Deus seguido de um Pai Nosso, etc. Aqui é sempre abdaluuuuuuuu la luuuuuu la luuuuuuu abdaluuuuuu.



Almocei num restaurante simpático e giro, saído do nada, com um carocha pendurado na entrada, e fiquei um pouco a ler ao sol antes de arrancar, para meia dúzia de quilómetros depois ser apanhado por um radar, que ali devia estar só para mim. Ainda pensei que como naquela parte do país a vida era mais barata as multas acompanhassem o nível de vida mas não. 154 Coroas turcas, ou seja 70 das nossas. Não veio nada a calhar.


Quando chegou o fim da tarde parei na primeira vila que encontrei para procurar um Hotel. A povoação tinha um ar sinistro mas entrei até à praça principal e única, com o pavimento escavacado, depois de atravessar uma ponte sobre um rio muito poluído a passar ao lado de prédios decrépitos a rodearem um supermercado novo. Quase toda a vila parou para ver este homem de moto com um fato estranho. Aliás não me admira porque a única moto que vi nos últimos três dias foi a minha. Voltei a ter uma conversa que já se tornou habitual. Quando eu pergunto: “Do you speak English?” respondem-me invariavelmente “No. Do you speak Turkish?” E por ali ficamos.



Perguntei a um rapaz por um Hotel que por acaso se diz Otel em Turco, e ele apontou-me um prédio com a largura de cinco metros na eminência de cair. De início pensei que estava a gozar mas logo surgiu um velho que perguntou: “Hotel?” E pôs-se a correr à frente da moto a fazer sinal para o seguir. Segui-o sem nenhuma vontade até um beco em terra batida polida por óleo e lixo calcados até às traseiras do dito prédio. Agradeci-lhe muito mas para seu desconsolo dei meia volta e voltei à estrada. Ficou noite e entrei numa serra onde a temperatura baixou para os 5º, que é o limite do desconfortável, mesmo com o aquecimento dos punhos ligado. Para agravar a situação a estrada a meio estava em obras e passei para uma estrada de terra, felizmente só por dois quilómetros. 70 Km depois cheguei a uma cidade mais decente e encontrei um Hotel possível, com tapete de reza e terço muçulmano à minha disposição, em vez da habitual Bíblia.

12 de novembro de 2012

12 Novembro

Ruela perto do Topkapi em Istanbul


Yozgat

Ontem fiquei por Ankara. Não só a recuperar fisicamente, porque quando caí em Istanbul abri o pulso e ontem mal conseguia carregar na embraiagem, mas também porque era Domingo e queria passar no Consulado do Irão.
Entretanto de momento estou sem fotografias pois o I phone com que as estava a tirar pifou. Passei num agente da Apple mas não conseguiram fazer nada. Dizem ser um problema de “hardware”.


Ankara, embora seja a capital, é uma cidade mais pequena que Istanbul, não só em área mas também em população, com cerca de um terço dos habitantes de Istanbul.

Em Istanbul ainda se vêm algumas scooters e 125’s mas aqui é raríssimo passar por outra moto ou scooter. Tanto numa cidade como noutra os turcos não só vivem com a mão na buzina como estão sempre a furar o transito à procura do mais ínfimo espaço onde caiba o carro. Tratam as motos da mesma forma que os outros veículos de maneira que tenho que andar com enorme atenção ao que se passa à volta mas sem deixar de acompanhar o ritmo do transito. Tenho a sensação que, se abrando, passam-me a ferro.

As temperaturas do ar têm grandes oscilações. Fiz a viagem para Ankara debaixo de chuva e com temperaturas que chegaram a baixar até aos 3º. Ontem também estava frio na rua, talvez uns 7 ou 8 graus mas quando arranquei hoje, por volta das onze da manhã, o termómetro da moto marcava 23º e estava um dial indo. Mal saí da cidade a temperatura baixou para 17º e quando aqui cheguei a Yozgat já estava nos 11º.


Fiz cerca de 200 Km primeiro numa via rápida para depois entrar numa parte do país onde a paisagem é muito árida, um planalto com muito pouca vegetação. O transito por aqui é muito reduzido e não se encontra ninguém na estrada, nem casas ou outras construções. De vez em quando atravesso pequenas vilas com meia dúzia de casas, uma bomba de gasolina, um café e uma mercearia. Almocei numa delas um pacote de batatas fritas, um pêro e um sumo. Acabei por ficar aqui em Yozgat porque se continuasse a andar só tinha outra a mais 200 Km, onde chegaria já de noite.


Aqui já não há turistas, que só frequentam Istanbul e o sul do país, junto ao Mediterrâneo. Os que falam inglês arranham só meia dúzia de palavras e percebem pouco do que digo por isso tenho exercitado muito a minha mímica.


A Turquia é um país que se pode considerar rico. É uma potencia da zona e vive não só do turismo como de uma Industria forte. São um grande construtor naval para além de fabricarem mais carros por ano que os italianos e terem outras industrias como a de electrodomésticos. Vi uma demonstração de uma máquina de lavar roupa turca num centro comercial e fiquei espantado. Parecia um Rolls em qualidade de construção e suavidade de funcionamento.


Embora seja um país que se pode considerar rico e tenha umas área oito vezes superior à nossa, têm muito 


menos quilómetros de auto estrada que nós só que eles ... fizeram-nas com o dinheiro deles.

10 de novembro de 2012

10 Novembro - Istanbul - Jardim do Palácio Toktapi - Ankara

Ankara

Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, isto voltava a acontecer. Hoje de manhã, quando cheguei à garagem do Hotel onde tinha a moto guardada, cheguei à “Cross Tourer” por trás, pus a chave na ignição e liguei para a carregar na recepção, primeira, arranco e….. pumba, chão. Tinha-me esquecido do cadeado no disco da frente. Aquilo agora tem uma fita cor 
de laranja ligada à maneta mas como não cheguei a ver a frente da moto ….



Por sorte não parti o disco mas magoei-me na mão e parti o plástico protetor da maneta. Felizmente nenhum dos dois males foi grave. Só que cair de moto, mesmo devagar, cansa.



Para complicar mais o dia estava um transito medonho para sair de Istanbul pois tinham cortado uma das vias da ponte sobre o Bósforo e, cinco minutos depois de ter arrancado, começou a chover, primeiro ao de leve mas depois com muita força. 



Entrava na Ásia. Fiz perto de cem quilómetros ainda na auto estrada que liga Istanbul a Ankara debaixo de uma nuvem de água levantada pelo grande movimento de camiões.
Curioso que até em algumas bombas de gasolina os Turcos têm salas para rezarem, onde deixam os sapatos à porta. E tinham gente. Não há dúvida que os Muçulmanos, principalmente do sexo masculino, são muito mais devotos que os Católicos.



Passei depois para a estrada nacional onde percorri cerca de 300 Km até Ankara, entre planície e montanha. As cidades do interior não têm prédios altos mas são feias, com a maioria das casas de dois andares em cores diversas e pouco atrativas. Pela primeira vez tive frio na moto nesta viagem. Na parte montanhosa a temperatura desceu até aos 3º e embora o fato proteja bastante não faz milagres. Os punhos aquecidos caíram do céu. Quando aí na Honda me montaram faróis de nevoeiro e punhos aquecidos na moto pensei que era mais uma tralha que nuca iria utilizar. Afinal estava errado pois tanto um como o outro extra já me deram um enorme jeito.
Esta parte da Turquia já não tem turistas e aqui em Ankara pouca gente fala ou percebe alguma coisa de Inglês. 


Quando cheguei ao Hotel a Internet não funcionava e, por mais que eu lhes tentasse explicar que o problema era do sistema deles, não se convenciam. Até que encontrei um criado que arranhava francês e lá consegui esclarecer a situação, acabando por me arranjarem um cabo de ligação que resolveu o problema.



Outra curiosidade que já tinha constatado em Istanbul é que nos restaurantes frequentados pelos locais, pelo menos nos de baixo nível a que tenho ido, nunca põem facas, não sei se para os clientes não se matarem uns aos outros ou por também não as utilizarem em casa. Só garfo e colher, que eles aceitam sem se queixarem.

9 de novembro de 2012

9 Novembro - Istanbul

Hora da reza à porta do Hotel

Istanbul

Lembram-se quando nos aviões da TAP, em classe económica, o espaço entre os bancos era o dobro e se comia um bom bife ao jantar, com vinho tinto a acompanhar? Na Turkish Airways ainda é assim. E foi o bilhete mais barato que encontrei.

Voltei ontem a Istanbul, onde tenho a moto. Logo no aeroporto entramos noutro mundo. Milhares de mulheres de cabeça coberta e homens de túnica e barbas misturam-se com turistas vindos dos quatro cantos do mundo numa confusão de grandes filas para carimbar passaportes. Alguns árabes saltam por cima das vedações para ganharem 10 lugares na fila e levam atrás velhos sem que eles próprios percebam a razão da pressa. Meia hora depois estou dentro de um pequeno táxi a caminho do Hotel. Quando aqui cheguei, a semana passada, andei a passear de moto pela cidade e a procurar um concessionário Honda, de maneira que, quando quis arranjar Hotel já era tarde e acabei por só encontrar um Novotel que me custou mais de cem euros. Agora decidi procurar uma coisa barata na Internet. Encontrei um Hotel Yasmin que na fotografia não tinha muito mau aspecto, mesmo se custava 20 euros por noite, com pequeno almoço incluído. Fiquei logo desconfiado por o homem do táxi não fazer ideia onde ficava. 





Olhou para mim como quem diz: tens ideia onde te vais meter?, fez uma careta e avançou para a cidade. Quando enfiou para dentro de um bairro muçulmano de ruas estreitas com ar sinistro arrependi-me daquela reserva mas, já que ali estava, decidi avançar. Depois de muitas voltas e vários telefonemas, encontrámos a espelunca. O homem que tinha conversado com o motorista do táxi pelo telefone saiu da porta do hotel e veio cá fora desancar o desgraçado por não ter encontrado aquele “palácio”. A recepção tinha uns três metros por seis e era também sala de estar e restaurante. Perguntei se a Internet funcionava bem no quarto e o rapaz, magnânimo, disse que para que funcionasse melhor me ía dar um quarto triplo, muito superior ao que tinha reservado, mais próximo do “router”. Entrei no quarto. Tinha um terço do tamanho da recepção, com um beliche, uma cama de casal e pouco espaço para me mexer entre os dois. As paredes e o tecto apresentavam infiltrações graves, os estores estavam desfeitos e do lado de fora de uma das janelas um parapeito acumulava lixo de anos. O tamanho da casa de banho obrigava a que o duche fosse simplesmente a mangueira, sendo o fundo o próprio chão do minúsculo compartimento. Na prateleira por cima do lavatório uma pasta e escova de dentes usadas, que não percebi se teriam sido esquecidas pelo ultimo cliente ou eram simplesmente um extra oferecido pela gerência neste quarto de nível superior. 





Pedi se tinham uma garrafa de água e mandaram-me a uma frutaria que, embora passasse da meia noite, ainda estava aberta do outro lado da rua. Caí na cama perto da uma e, pelas sete da manhã, acordei com o Imã da pequena mesquita de bairro que havia do outro lado da rua a rezar aos altifalantes. Voltei a adormecer mesmo com a luz do dia a entrar pelas aberturas dos estores partidos e levantei-me às nove. Ao pequeno almoço, um homem de boné azul forte e duas mulheres de cabeça tapada assistiam a um filme na televisão onde uma mulher saía de uma mesquita, levantava a burca e desatava a chorar. Finalmente saí à rua e fiquei fascinado. Não estava definitivamente numa zona turística. Não havia um único estrangeiro nas redondezas daquele hotel de quinta categoria para turcos. A rua tinha uma animação louca, com comerciantes a venderem frutas e sumos a vulso, três miúdas dos seus quatro ou cinco anos com uma velha balança a perguntarem quem se queria pesar; aceitei ver se estava a perder peso mas o aparelho não funcionava. Homens com carrinhos de mão a puxarem rolos de tapetes e caixa de tudo quanto há numa azáfama animada e louca. Pensei logo que não podia ter ficado em melhor sítio. Estava no coração da cidade, no meio da população local, embora a poucas centenas de metros dos monumentos e ruas onde turistas de todo o lado se acotovelam.


Quando voltei ao Hotel, pouco depois do meio dia, para carregar o telefone, em frente à porta centenas de homens estavam sentados na rua, com os sapatos ao lado, virados para Meca. Hoje é sexta feira. Voltava a ouvir a voz do Imã que me tinha acordado aos altifalantes da mesquita do bairro que, por ser pequena, obrigava toda esta gente a ficar sentada no meio da estrada. Muitos traziam pequenos tapetes onde se sentavam mas outros improvisavam apenas um cartão enquanto um miúdo se sentava num bocado amarrotado de papel pardo. Parecia estar ali toda a população masculina do bairro. Tive que saltar por entre pares de sapatos, tapetes e homens sentados para passar para a parte de cima da rua.


Da parte da tarde continuei a visita turística pela espetacular Mesquita Azul, com as suas enormes cúpulas e centenas de vitrais em tons de azul onde turistas passam junto a homens e mulheres que rezam em secções separadas, com os sapatos na mão para não sujarem a impecável alcatifa.


Depois fui até ao Palácio Topkapi onde estão expostas algumas das mais valiosas peças de joalharia existentes no mundo, pertença dos Sultões que ali viveram nos séculos 16, 17 e 18, assim como armas cobertas de ouro e diamantes ou tronos em ouro e esmeraldas. Impressionante.


Amanhã sigo para Ankara, a caminho do Irão.