30 de dezembro de 2017

Puerto Pirâmide - Argentina


O computador de bordo da moto já não indicava qualquer gasolina no depósito quando ainda faltavam 40 Km para a cidade mas, sem alternativa, fui andando, só com um “cheirinho” de acelerador.
Do alto de uma pequena elevação comecei a ver a cidade ao longe e fui-me aproximando até poder ver a placa e cobertura de uma bomba de gasolina da Shell até que, a não mais de um quilómetro de a atingir, puf, puf, a “Cross Tourer” foi-se abaixo sem combustível.
Encostei à berma e fiz sinal para parar ao primeiro carro que passou. Eram um casal de velhotes num pequeno 205 com o banco cheio de tralha de maneira que apanhei boleia do seguinte, uma família numa “pick-up” com uma moto de enduro atrás e uma roulotte a reboque.
Levaram-me até à bomba e só quando lá cheguei reparei que tinha deixado o capacete pousado em cima da moto. Pedi a um casal que me levasse de volta, já com um garrafão de água abastecido de gasolina, e senti um enorme alivio quando constatei que o capacete lá estava onde o tinha deixado.
- Está a ver que por cá só os políticos roubam, dizia-me a mulher.
Segui viagem a caminho da Península e, só quando lá cheguei, constatei que para a visitar pela costa, onde se poderiam observar todos estes animais, deveria percorre-la por estradas de terra numa extensão de perto de 200 Km.
Instalei-me num Hostel que pertencia a uma miúda, destes em que o único quarto é uma camarata e que tinha uma decoração muito gira na sala, com fotografias dos animais locais, duas mesas baixas com cadeiras rústicas e um cómodo sofá multicolor. A cozinha era aberta para este grande e arejado espaço de recepção e sala.
Os únicos hóspedes era eu e uma miúda alemã que estudava biologia marinha e tinha arranjado por ali emprego nas lanchas que saem ao mar com turistas para ver baleias.
Esta península é um dos dois únicos locais no mundo onde apenas seis ou sete Orcas, que calculam serem as mesmas que aqui andam parte do ano e passam outra parte nesse outro local dos mares do Atlântico Norte, que nadam até à praia quando da maré alta, para caçarem leões marinhos  nas margens. Não vi nenhuma mas dizem ser um espectáculo extraordinário.
A meio da tarde apareceu pelo simpático Hostel uma outra miúda alemã com quem fiquei à conversa e fomos, ao final do dia, ver o pôr do sol, nas rochas junto à praia.
Combinámos que viesse no dia seguinte dar a volta à península comigo de moto mas, felizmente, não arranjou capacete porque o passeio não correu bem.


28 de dezembro de 2017

Manzanar - Chile


No dia em que saí de Santiago, com o tempo que perdi a ir ao aeroporto levantar as pastilhas de travão, percorri só 200 Km. È uma zona de grandes campos de vinhas que se estendem, umas a seguir às outras, por largas dezenas de quilómetros. Quando acabam as vinhas começamos a ver plantações de cereais e legumes em terra que se adivinha fértil e com muita água. Fiquei na pequena cidade de San Fernando. No dia seguinte continuei para Sul pela Pan Americana até Victoria,  já a cerca de 600 Km a Sul de Santiago, e rumei depois para Oriente. Em Curacautin parei numa pequena oficina de carros e pedi se lá podia mudar as pastilhas de travão da moto utilizando a ferramenta deles, ao que me disseram logo que sim.
Segui depois por uma parte do país linda porque muito verde. Por entre a vegetação vamos vendo montanhas com os topos cobertos de neve. Parece estarmos na Suiça.
Em Manzanar fiquei num Hotel que é principalmente utilizado para grupos que ali passam o dia a fazer actividades como caminhadas e montanhismo mas têm também meia dúzia de cabanas montadas em cima de árvores mas com optimas camas, aquecimento, etc.
Fiquei numa delas, no meio da floresta, com um rio de enorme corrente a passar pouco abaixo que me deixou adormecer ao som da água a bater nas pedras.
Pela manhã atravessei as montanhas junto às zonas cobertas de neve, embora a temperatura não descesse dos 14º, e passei a fronteira para a Argentina. Percorri pouco mais de 400 Km e parei em Neuquén.
Tinham-me recomendado visitar a Peninsula de Valdés, mais a Sul, na costa Atlantica, que é um enorme parque natural cujas costas acolhem Pinguins e Leões Marinhos enquanto as águas próximas são habitat de baleias e orcas.
Desci assim a caminho do Sul pela Patagónia de longas rectas através de planícies praticamente desertas onde se levantam ventanias fortíssimas que me obrigavam a grande esforço para manter a moto na estrada, principalmente quando acabava de ultrapassar camiões, que me protegiam do vento, e levava a “pancada” lateral de repente. Uma luta constante.
As distancias entre cidades, sem absolutamente nada pelo meio, desde  casas, comercio, bombas de gasolina ou até sinal de telemóvel, estendem-se por duzentos ou mais quilómetros. No início de uma destas etapas, com gasolina que calculei para cento e poucos quilómetros, perguntei se haveria uma bomba pelo caminho ao que me indicaram uma a 25 Km. Passaram 25, 30, 50, 80, 100 Km sem que encontrasse qualquer bomba de gasolina e fiquei preocupado. Vi uma pequena quinta com um ar quase abandonado e fui até lá ver se tinham alguma que me vendessem. Depois de quase ser atacado por um Pitbull, que enfrentei com um trapo enrolado na mão que apanhei de cima de um bidão, lá apareceu um homem de longas barbas que agarrou o animal e me informou que só usavam gasoil.
Continuei, estrada fora, agora sem passar dos 90 Km/h, em direcção a uma cidade que estava a 100 Km quando a moto já indicava uma autonomia de apenas 70.


26 de dezembro de 2017

Santiago - Chile


Santiago é uma cidade fantástica, moderna. Se não estivesse encaixada entre montanhas de deserto, onde se faz ski no inverno, dir-se-ia uma cidade europeia, com muitos espaços verdes.
Depois de reparar o furo da moto fui almoçar com os simpáticos embaixadores portugueses e da parte da tarde fiz turismo pela cidade. Comecei por subir ao ultimo andar do prédio mais alto da América Latina, a Gran Torre Santiago, no Costanera Center, com 300 metros de altura. De ali vemos toda a cidade e as montanhas que a ladeiam. Depois passei na igreja de S. Francisco e visitei o museu Colonial. De seguida desci a pé até a “La Moneda”, a casa da moeda onde, por baixo, têm uma interessante exposição, que calculo itinerante, sobre Roma antiga, com estátuas e ouras peças, para além de textos com os eventos que marcaram a história do Império. Muito interessante.
Ao final da tarde regressei a casa da família onde estava hospedado que já me tinha oferecido de jantar no dia em que cheguei e me voltou a dar de almoço no dia seguinte, antes de partir. Da parte da manhã tinha decidido mudar as velas à moto para ver se seria esse o problema mas acabei por descobrir o “gato” quando abri o filtro de ar, por descargo de consciência e constatei que, embora o tivesse substituído antes de sair de Bogotá, estava sujíssimo, resultado dos muitos quilómetros que tinha feito ultimamente fora de estrada, incluindo a travessia do deserto entre a Bolívia e o Chile. Sem outro para substituir tive que o sacudir e voltar a montar.
Outra peça que não estava à espera de ter que voltar a substituir foram as pastilhas de travão da frente mas, há uns dias reparei que estavam no fim e pedi que me mandassem um jogo de Portugal aqui para Santiago. O problema é que a alfândega Chilena bloqueia tudo o que venha de fora, exigindo facturas de valores mais elevados para cobrarem impostos sobre esses valores. O embaixador disse-me que dificilmente conseguiria retirar a encomenda com as pastilhas da alfândega mas prontificou-se a mandar-lhes uma carta nesse sentido.
Assim, antes de deixar Santiago fui até à alfândega do aeroporto e depois de explicar a minha situação, com a ajuda da carta da embaixada, lá me deixaram levantar as pastilhas de travão.

23 de dezembro de 2017

Valparaiso - Chile


A cidade de Antofagasta estende-se por uns 20 Km de costa, a maioria rochosa mas com várias praias. Jantei num restaurante de hamburgers e de lá marquei pela internet um simpático Hotel junto à praia. Na manhã seguinte dei uma volta a pé pela baía antes de partir, por volta do meio dia. Fui andando para Sul pela Pan Americana mas, por indicação do dono do Hotel, passados 50 Km apanhei um desvio que me levou à costa por uma estrada recente muito mais interessante, não só pela vista, em que rodamos entre o deserto e as rochas costeiras, como pelo sinuoso do trajecto em algumas partes.
Há pouco tempo esta estrada era um caminho de terra muito pouco utilizado e por isso esta costa não está explorada e tem apenas uma ou outra aldeia de pescadores em que as casas são pouco mais que barracas.
Uns 200 Km depois voltei a apanhar a Pan Americana que, antes de chegar a Santiago passa, por duas vezes, junto à costa, mais a Sul. Num destes trajectos encontra-se uma vila a que chamam Bahia Inglesa onde o dono do Hotel de Antofagasta me tinha sugerido ficar essa noite. É o género de uma vila Hippy, com uma bonita praia e algum turismo mesmo nesta altura do ano, em que ainda não é época alta.
Pediram-me fortunas pelos quartos de Hotel e acabei por ficar num quarto recôndito, anexo a uma casa bera onde me cobraram o equivalente a quase trinta euros pela estadia, sem pequeno almoço. Já o jantar num restaurante local de uma sopa de marisco quase só de mexilhão e um sumo me tinha custado 15. Definitivamente a Bahia Inglesa não vale o que os locais acham que vale.
Na manhã seguinte segui o meu trajecto para Sul pela Pan Americana. Pelo caminho um parque de geradores de ventoinha mas, muito mais impressionante, é um gigantesco parque de painéis solares que ocupa todo um vale e será, certamente, dos maiores do mundo. 420 Km’s a Sul de Bahia Inglesa fui ficar a uma pequena vila menos na moda, La Serena, onde os preços já eram razoáveis. Estava a pouco mais de 200 Km’s de Santiago e por isso aproveitei o dia seguinte para, a caminho, passar em Viña del Mar, uma cidade junto ao mar com bom aspecto e em Valparaiso, um importante porto perto, onde almocei.
Na parte da tarde cheguei a Santiago e fui direito a um concessionário Honda não só para tentar que me reparassem um furo lento que tinha no pneu de trás há quatro dias e me obrigava a encher o pneu todas as manhãs como para ver se me podiam ligar a moto à maquina electrónica para perceber porque se “embrulhava” a partir das 4200 r.p.m. mas faltava só uma hora para fecharem e pediram se lá voltava na manhã seguinte. Marquei desde ali um quarto numa casa de habitação perto e na manhã seguinte voltei lá mas, como demorassem mais de uma hora para me atenderem, arranquei e fui reparar o pneu a uma vulcanizadora onde em cinco minutos me puseram um taco.


21 de dezembro de 2017

Antofagasta - Chile


Calama é uma cidade mineira sem grande graça. O primeiro choque que temos ao chegar ao Chile é que os preços são praticamente o triplo do que praticam nos países mais a Norte da América do Sul e Central. E nesta parte do país não se percebe a razão porque restaurantes e hotéis não são melhores em qualidade.
Pensei em arrancar logo para Sul pela Pan Americana através do deserto mas recomendaram-me que visitasse S. Pedro de Atacama e arredores. Como parecia ser um desvio de apenas cem quilómetros decidi ir até lá. Pelo caminho vi um tipo parado numa KTM e dei meia volta par ver se precisava de ajuda. Era um Canadiano que tinha vindo cá a baixo e voltava rapidamente para o Canadá, por ter trabalho. Indicou-me um Hostel, bom e barato no meio do deserto onde tinha ficado essa noite.
Antes de entrar em S. Pedro fui visitar o que chamam Vale de la Luna uma parte do deserto com uma paisagem espectacular. É dos locais mais secos da terra com zonas onde não chove há centenas de anos. Cientistas testaram ali o veículo que pretendem usar em Marte.
O GPS do telemóvel mandou-me por uma estrada de terra que estava cortada e só depois de voltar à estrada principal vi a entrada utilizada ultimamente. Aquela hora o parque estava praticamente deserto. Estacionei a moto junto ao que chamam o Anfiteatro e fui visitar o local a pé. Pensei que era uma passeio de dez minutos mas passados três quartos de hora constatei que estava perdido no deserto e, para mais, tinha deixado a água na moto. A andar, com as botas, pela areia fiquei estafado mas, felizmente, pouco depois, do alto de uma ravina, pude ver a moto lá em baixo. Quando cheguei junto da moto encontrei três rapazes e duas raparigas que para ali tinham ido de bicicleta e estavam desesperados porque se lhes tinha acabado a água. Pediram se eu dizia aos guardas da entrada, a oito quilómetros de ali, que lhes fossem levar água mas como estes não a tivessem fui até uma aldeia, a meia dúzia de quilómetros, comprar água. Quando voltei já não os encontrei. Teriam arranjado boleia de alguma carrinha que os levou de volta com as bicicletas.
Parti almoçar em S. Pedro e segui para a espécie de Hostal recomendado pelo Canadiano, dois ou três quilómetros fora da vila. Uma pequena quinta onde a caldeira de água quente era uma fornalha de ferro ferrugento em frente de casa, alimentada a lenha, que dava a sensação  ir explodir a qualquer momento. Mas funcionou bem e no silencio do deserto dormi que nem um anjo.
No dia seguinte parti a visitar as lagoas de Miniques e Miscanti que pensava serem a quarenta ou cinquenta quilómetros mas eram a 120. A meio caminho dei conta do mau cálculo e constatei que não só não tinha gasolina para lá chegar como nem sequer dava para regressar a S. Pedro de Atacama, único lugar num circulo de 200 Km com bomba de gasolina. Entrei então numa aldeia, das que só têm ruas em terra e perguntei se alguém teria gasolina. Acabaram por me enviar a um mini mercado onde uma menina me vendeu 10 litros em dois garrafões de plástico que resolveram a situação. As lagoas são lindas, com vulcões de glaciares no topo, por trás.
Nesse mesmo dia fiz o caminho de volta a Calama e segui para Sul até Antofagasta, uma cidade junto à costa já mais atractiva. Começava a entrar no Chile que justificava um pouco os preços exagerados que ali se praticam.



19 de dezembro de 2017

Calama - Chile


Quando finalmente cheguei aquela fronteira no meio do deserto, entre a Bolívia e o Chile, os chilenos receberam-me com ar desconfiado. Até ali, ao descer dos Estados Unidos para Sul, tinha vindo no sentido contrário ao trajecto dos comerciantes de coca e por isso nunca nas fronteiras me tinham revistado a moto mas agora já estava no sentido dos traficantes pois a Bolívia é um dos grandes produtores, que também a exporta para os países do Sul. Para além disso eu viajava sozinho e atravessava uma fronteira perdida no meio do deserto. Era motivo para desconfiar. A rapariga que trata da documentação foi chamar um homem, que parecia mais graduado, para a acompanhar na revista à moto. E pediram para abrir todas as malas e saco onde trago a tenda, saco cama e algumas peças.
Começou por estranhar uma embalagem de finilec, o produto para reparar furos, que tinha largado líquido para dentro do saco onde vinha embalada mas o chefe cheirou o produto e achou que não era caso de preocupação. O pior foi quando, ao me pedirem para esvaziar os conteúdos da “top case”, a caixa por trás do banco, deram com os restos de uns croissants horríveis que ali tinham ficado esquecidos num pequeno saco de plástico há semanas e se tinham transformado em pó.
Deu-me vontade de rir porque me lembrei da cena do Ricardo Araújo Pereira com o “Kunami”
- O que é isto?
- São croissants podres.
_ Croissants podres? Dizia ela com ar desconfiado ao mesmo tempo que olhava para o chefe com ar de “temos caso”.
- Sim. Vou deitá-los fora.
- Não senhor. Não deita fora que nós levamos para análise.
E assim foi. Ficaram satisfeitos com os croissants podres e deixaram-me seguir viagem.
Do lado do Chile havia uma estrada maravilhosamente alcatroada que me soube como chapéu de chuva em dia de tempestade. Fiz depois 200 Km através desta estrada praticamente deserta que nos faz sentir como se estivéssemos noutro planeta. Uma paisagem maravilhosa pelo meio de vulcões e salares que temos a sensação nunca terem sido pisados por humanos. Sensacional. Comecei por não resistir a parar a cada cinco minutos para fotografar mas às tantas decidi que não podia continuar aquele ritmo e limitei-me a rodar, maravilhado com o que se me apresentava à volta e que parecia estar ali para me encantar, sentindo até um certo egoísmo por não ter com quem partilhar aquelas imagens a que as fotografias não fazem justiça.
Já perto de Calama começamos a ver algum movimento de camiões e carrinhas de caixa aberta com autocolantes da companhia estatal de exploração mineral que ali extraem cobre, de que o Chile é o primeiro produtor mundial.


17 de dezembro de 2017

San Juan - Bolivia


Depois de visitarmos a ilha do Uyuni continuámos a travessia do Salar, parando uma ou outra vez para fotografar.
Pelas seis e meia da tarde parámos, já perto da outra margem, para assistirmos ao pôr do sol no Salar e depois de deixarmos o mar de sal seguimos por pistas no deserto a caminho de uma aldeia, a uns cinquenta quilómetros, onde iriamos ficar a dormir.
Já de noite eu seguia o jipe a uns 100 metros de distancia, para não apanhar muito pó quando, numa zona de areia mole caí. O guia não reparou e continuou viagem. Sem poder levantar a moto sozinho ali fiquei, perdido na noite do deserto, à espera que alguém mais passasse ou eles reparassem que eu deixara de os seguir. Passado um quarto de hora vi as luzes de um jipe ao longe que por sorte veio no mesmo trajecto. Ajudaram-me a levantar a moto e propuseram seguir-me até à aldeia não fosse eu voltar a cair e não ter como levantar a moto. Não fiz mais de quinhentos metros na areia mole com os pneus de estrada que agora tenho montados até voltar a cair. Tinham eles acabado de me ajudar a voltar a levantar a moto quando surgiu o Jipe com o meu grupo que finalmente tinham dado pela minha falta. Substituíram assim o outro como carro de apoio e lá segui com muitos malabarismos nas partes de areia mole, onde a frente da “Cross Tourer” fica incontrolável, até à aldeia, felizmente sem voltar a cair. Tough.
Ficámos num simpático hotel construído com blocos de sal em forma de tijolos onde jantámos bem e pude tomar um duche antes de cair na cama.
Na manhã seguinte tomámos o pequeno almoço às sete e meia, passamos num minimercado comprar gasolina para a “Cross Tourer” em jerricans de cinco litros a preço proibitivo e voltamos a enfrentar o deserto. O guia já me tinha dito que o início do trajecto teria uma parte com areia mole e voltei a não conseguir controlar a frente da moto e cair. Desta vez a queda fez prender o motor de arranque, para além de empenar o suporte de uma das luzes extra laterais que ficou a roçar na direcção. Com um pequeno empurrão conseguimos, felizmente, desbloquear o motor de arranque, que não voltou a dar problemas.
Continuámos depois deserto dentro, agora já em terreno duro onde pude rodar rápido na frente do jipe numa paisagem espectacular por entre vulcões, que me levava a parar aqui e ali para tirar fotografias. Passados uns 30 Km parei para me despedir do pessoal do Jipe, pois a parti de ali seguíamos em direcções diferentes. Eles continuavam o seu passeio que regressaria a Uyuni e eu partia em direcção a uma fronteira da Bolívia com o Chile que existe no meio do deserto. O guia apontou-me ao longe o trajecto que deveria seguir:
- Está a ver lá ao longe, aquele monte? Está a uns quarenta quilómetro de aqui. É por trás do monte que estará a fronteira. E no chão de terra, com um pau, explicou-me as pistas que deveria seguir para lá chegar.
Despedi-me do grupo e arranquei deserto fora com a mira no tal monte por trás do qual haveria de estar a fronteira com o Chile. O importante era não voltar a cair pois ali pode decorrer uma semana sem que ninguém por lá passe e a água e bolachas que trazia só me dariam para um ou dois dias.

15 de dezembro de 2017

Salar do Uyuni - Bolivia


O Salar do Uyuni é espectacular. São quase 11.000 Km2 de uma placa de sal espessa e rugosa que cria uma paisagem extraordinária. Um casal de Coreanos que conheci naquela  noite antes de partir, quando decidi ir comer uma sopa a um restaurante na esquina, estava fascinado com a ideia de partirem dentro de meia hora para uma visita nocturna ao Salar.
- Qual é a graça? Perguntei eu ao guia no dia seguinte
- É que o ceú estrelado fica com uma clareza impressionante sobre o Salar.
Há fotografias tiradas por astronautas que mostram aquela zona da terra como uma luz branca brilhante.
Entretanto chegaram à conclusão recente que aqui estão entre 50 a 70% das reservas de Lithium existentes na terra, o metal valiosíssimo que se utiliza nas baterias dos carros eléctricos e outras. Em 2018 começará a ser extraído, o que pode vir a enriquecer muito o país, se souberem e conseguirem controlar a corrupção.
Saí então para o salar com um grupo de dois casais ingleses e duas alemãs que viajavam num jipe conduzido pelo guia Boliviano. Passámos antes a visitar um cemitério de comboios depositados numa zona do deserto, com dezenas de máquinas a vapor.
Já no salar fazemos a primeira meia dúzia de quilómetros e paramos junto a uma estátua em sal que representa a passagem do Rally Dakar por aquele local. Ao lado está uma zona com bandeiras de várias dezenas de nacionalidades, supostamente dos concorrentes que entraram na prova. Lá consegui encontrar a portuguesa e quando pedi a uma francesa que também estava no nosso grupo, noutro jipe, para me tirar a fotografia ela referiu que não existia ali uma bandeira francesa.
- Não pode ser, vamos ver. Não havia mesmo. Provavelmente alguém a levou.
Almoçamos no restaurante construído com blocos de sal que ali existe. Esta zona é até onde a maioria dos motards vêm para tirar fotografias e regressar a Uyuni pois pode aqui chegar-se sem guia e regressar. Nós atravessámos para o outro lado do Salar. É extraordinário acelerar de moto por cima daquele espaço branco a perder de vista. Por várias vezes passei o Jipe e acelerei, deserto de sal dentro, até mais de 200 Km/h. Mais do que atingem as motos do Dakar. Sensacional. O problema é que o piso de sal é muito abrasivo e não pude manter essa velocidade por muito tempo pois os pneus aquecem e levam um grande desgaste.
A meio da tarde chegamos ao que eles chamam uma ilha, e que o terá sido, quando aquilo foi um mar. O que é interessante é que na época de chuvas o Salar volta a ter água, que chega a atingir vinte a trinta centímetros de profundidade e deixa o local intransitável, até a água se infiltrar na camada de sal e este voltar a secar.
A ilha, em rochas e terra, terá uns setenta metros de altura e a vegetação é maioritariamente de cactos. Pequenos pássaros vivem naquele local inóspito.


13 de dezembro de 2017

Uyuni - Bolivia





A estrada que vai de La Paz até Uyuni, atravessando o deserto tem muitas vezes um tempo estranho, certamente pela influencia da mistura das montanhas com o deserto. Por vezes chove com força, outras faz sol mas, quase sempre ventos fortes fazem levantar enormes tempestades de areia que atravessam a estrada e deixam a visibilidade quase a zero.
Felizmente apanhei pouca chuva e a maior tempestade de areia que atravessei não me obrigou a parar, como muitas vezes acontece.
Como já saí tarde de La Paz acabei por ficar na cidade de Challapata. Parei a moto à porta do Hotel para mais tarde a ir guardar num parque próximo mas, quando saí, um casal de vendedores ambulantes tinham aproveitado a moto para nela pendurarem a roupa que vendiam, transformando-a em montra. Não queria acreditar no que via, a moto tapada com roupa em exposição. Cena divertida.
Na manhã seguinte, ao chegar à vila de Uyuni, que hoje em dia vive dos turistas que visitam o Salar, estava a dar uma volta pela cidade à procura de um Hotel onde me instalar ou um Restaurante onde almoçar quando ouvi uma voz chamar de um passeio. Quem havia de ser? O Indiano, claro, que afinal, a pedido da Iraniana, tinha vindo mais cedo para Uyuni embora tivesse prestes a regressar a La Paz de autocarro para buscar o seu visto para entrar na Argentina. Estava a comprar óleo para fazer a revisão às duas motos.
Disse-me que estavam num simpático Hostal onde havia lugar para guardar as motos e segui-o até lá. Instalei-me e fui almoçar, que estava cheio de fome. Quando regressei juntou-se ali um grupo na galhofa enquanto o Indiano fazia a revisão à moto, ao surgir um velho e animado Argentino que também viajava de moto e um Australiano que atravessava a America do Sul de bicicleta. A Iraniana estava com um kit de tricot na mão e pedi-lhe para que fizesse um pouco junto à moto para eu a filmar enquanto o Argentino, animadíssimo pegava no reservado Indiano e com ele se punha a dançar Tango. Foi um paródia.
Mais tarde fui procurar uma agencia das muitas que organizam travessias do Salar em Jipe que aceitasse, por um valor razoável, que os acompanhasse na moto e tratassem das minhas refeições pois o Salar é tão extenso que seria quase impossível não me perder se o tentasse atravessar sozinho. A maioria dos motards, como fez o Indiano e a Iraniana ou o Argentino preferem apenas rodar um pouco no Salar para fazerem umas fotografias e vídeos e regressam a Uyuni, seguindo depois por estrada alcatroada, mas eu estava com aquela ideia de o atravessar de moto, sabendo que do outro lado havia uma ligação à fronteira com o Chile. Só não fazia ideia é que essa ligação de uns 150 Km, era toda em estradas de terra, ou puro deserto de terra sem estrada definida, com pontos em que havia muita acumulação de areia solta.
Os da primeira companhia que visitei tinham um ar simpático e começaram por me perguntar quanto eu quereria pagar, o que me pareceu um bom princípio.
Falei-lhe em cem a cento e cinquenta Bolivianos. Ele fez as contas dele  e disse que cobraria 200 Bolivianos mas que incluiria não só o almoço e jantar do primeiro dia, como o Hotel dessa noite e pequeno almoço do dia seguinte.
- Pense no assunto e diga-me amanhã de manhã, antes de partirmos.
- Já pensei. Aceito

12 de dezembro de 2017

Carretera de La Muerte


Perto de La Paz há uma estrada de terra, estreita e com enormes precipícios, que ficou conhecida quando, internacionalmente, decretaram que aquela era a mais perigosa estrada do mundo, pois era ali que, todos os anos, morria mais gente por quilómetro.
A estrada tinha camiões que a cruzavam diariamente e muitas vezes tinham que se cruzar entre eles em zonas onde não sobrava a largura de uma roda para o precipício. Por esse motivo o governo ou a Câmara local decretaram que naquela estrada, e só naquela, se circularia pela esquerda, para que fosse mais fácil aos condutores dos carros com volante à esquerda espreitarem para ver se podiam chegar mais perto do precipício quando se cruzavam com outros carros.
Hoje em dia a estrada tornou-se principalmente um atractivo turístico. Com a construção de uma alternativa alcatroada e segura, embora mais longa para certos trajectos, a maior parte dos habitantes opta por essa via e a “Carretera de la Muerte” como ainda é conhecida, é principalmente utilizada para grupos de turistas a descerem em bicicleta, o que é perfeitamente seguro se não fizerem nenhuma loucura. É verdade que nos últimos anos já lá ficou um ou outro mas ainda continuam a ser os locais a manter as estatísticas, ao caírem com os carros precipício abaixo, aumentando o numero de cruzes com flores que se encontram pelo trajecto fora.
Não pude deixar de lá ir e acabei por fazer pequenos filmes que me impressionaram mais quando os vi que quando por lá passei e evitei olhar para os precipícios. Foi divertido descer a “Death Road”, como já aparece no letreiro de entrada e a parte final, mais larga e segura, percorri-a até a um ritmo bastante rápido.
Quando cheguei ao final, procurava um sítio para almoçar quando vejo um tipo numa pequena moto a fazer-me imensos sinais. Era o Argentino, com quem já me tinha cruzado duas vezes, que saíra de casa há três anos para viajar até ao Mexico na sua pequena 125 e agora regressava. Ele tinha-se enganado, com o seu habitual ar despistado, e ía fazer a estrada a subir, em sentido contrário à maioria do transito mas sem problema de maior. Sentámo-nos numa esplanada desocupada e ficamos à conversa uma meia hora antes de ele arrancar e eu mudar para duas esplanadas à frente, onde almocei.
Tanto na chegada à “Carretera de la Muerte” como no regresso a La Paz subimos a cerca de 4500 metros onde existe um pequeno glaciar mas a temperatura nunca baixou dos 6º, o que é muito para que se mantenha. O que novamente me leva a concluir que estes muitos glaciares dos Andes parecem ter os dias contados.
Na manhã seguinte parti a caminho do Salar do Uyuni.



9 de dezembro de 2017

La Paz - Bolivia

Cheguei a La Paz pelas duas da tarde. Tinha marcado um Hotel perto do centro  essa manhã pela internet para não andar perdido pela cidade. Tenho usado o GPS do telemóvel da Google para me guiar nas cidades, desde que perdi o que tinha na moto, antes de chegar à Australia.  Este sistema de agora tem feito o serviço mas há estradas secundárias que a própria Google não tem digitalizadas ou outras onde, talvez por terem sido modificadas recentemente, o Google se perde. Foi o que aconteceu agora e às tantas estava no meio de uma favela de La Paz, sem saber para que lado me virar e só pensava nos dois italianos que no início do ano seguiram o GPS das suas BMW para o interior de uma favela no Rio de Janeiro e foram alvejados, um deles acabando morto.
Felizmente dei rapidamente com o caminho certo e nunca me senti verdadeiramente em perigo.
Cheguei ao Hotel pelas três da tarde. Deixei a moto guardada numa loja que tinham com porta para a rua e não estava em funcionamento e aproveitei para ir visitar o centro da cidade a pé.
Passei por uma manifestação, em frente ao tribunal, que praticamente bloqueava duas ruas, tal era o aglomerado de gente.
- De que se queixam?, perguntei a uma senhora.
- Queremos que se faça justiça e soltem quem foi ontem aqui preso injustamente.
Na espécie de pequeno restaurante onde almocei onde apenas faziam uns fritos com queijo dentro e outros com mel acompanhados por uma bebida quente que já cá tinha provado e à vista parece sangue espesso, eram de opinião diferente dos manifestantes
- O que estavam à espera estes estudantes? Atacaram a polícia.
- Com paus e pedras? Perguntei.
- Não, com dinamite, que aqui não se faz a coisa por menos.
E pouco depois ouviam-se pequenas explosões do que pareciam ser foguetes atirados contra o tribunal.
Fui ainda até á praça principal e visitei o museu de arte que é bastante fraco quando comparado com os que tenho visto mundo fora.
La Paz é do género de Lisboa, com acentuadas subidas e descidas por toda a cidade. Assim, quando voltava ao Hotel, depois de uma caminhada de mais de uma hora por aqueles declives, sentei-me a descansar num degrau de uma porta, após ter enfrentado uma íngreme subida agravada por estarmos a 3600 metros de altitude e os pulmões terem dificuldade em serem oxigenados.
Qual é o meu espanto quando se vem sentar um homem ao meu lado que era nem mais nem menos que o Indiano que viajava de moto com a Iraniana. Fartámo-nos de rir. Que maior coincidência pode acontecer numa cidade de mais de dois milhões de habitantes?
Ficámos um pouco á conversa e despedimo-nos com a certeza de que nos voltaríamos a encontrar durante esta viagem, embora ele supostamente ficasse mais quatro dias em La Paz e fosse rumo ao Sul pela Argentina enquanto eu iria pelo Chile.





7 de dezembro de 2017

Puno


Jantámos num restaurante fantástico em Puno, que o Alex , marido da Iraniana tinha encontrado na internet e no dia seguinte eles seguiram para La Paz e eu preferi ficar a explorar o lago Titikaka,. Fui até ao porto de Puno e apanhei uma lancha que nos levou visitar umas lhas flutuantes, construídas pelos indígenas, que nelas edificam pequenas aldeias. Este arquipélago do lago chama-se Uros e é centenário.
As ilhas são construídas com uma base de paralelepípedos cortados das margens de terra impregnada de raízes que é impressionantemente leve. Esses enormes blocos de 10 metros por 3 são transportados para o local, atados uns aos outros e fixos ao fundo do lago com cabos e âncoras. Com o tempo as raízes crescem e fixam os blocos entre eles. Por cima colocam várias camadas de vegetação seca que formam a base onde constroem as casas de colmo. Os antepassados destes indígenas eram maioritariamente pescadores mas a nova geração dedica-se, principalmente ao turismo, com estes passeios e venda de artesanato.
Viajei a maior parte do tempo na companhia de um simpático casal de miúdos Irlandeses que andavam pelo Peru há meses. Visitámos duas das ilhas e regressámos a terra pelas três e meia da tarde, ainda a tempo de pegar na moto e arrancar a caminho da fronteira com a Bolívia, para visitar o outro lado do lago. Almocei no trajecto e cheguei à fronteira pelas seis da tarde, quando já escurecia e estava perto de fechar. Teve a vantagem de não apanhar filas e quinze minutos depois estava na Bolívia, a caminho de outra vila
junto ao lago, Copacabana.

Instalei-me no primeiro Hotel que encontrei, à entrada da vila e na manhã seguinte perguntei o que havia de transporte para a chamada Ilha do Sol que pretendia visitar. O barco da manhã já tinha partido e por isso decidi ficar mais uma noite no Hotel, almoçar num dos restaurante do porto e partir no barco que saiu à uma e meia da tarde. É hora e meia de viagem através do lago para chegarmos à famosa ilha, a maior do lago, com uma enorme escadaria logo de entrada e trilhos a subir que nos deixam de rastos, pois a ilha está a 4.000 metros de altitude. Mas vale a pena o passeio tanto na ilha como o de barco em que vemos nas margens montanhas com glaciares no topo.
Chegámos de volta a Copacabana pelas seis da tarde. O homem do restaurante onde tinha comido uma lasanha à hora de almoço e me guardara a moto quando da visita à ilha convenceu-me a voltar lá a jantar um peixe, pescado naquela manhã no lago, segundo ele. Que saudades do peixe português que tive depois de jantar aquele que estava seco e mal temperado.
Na manhã seguinte segui a caminho da capital, La Paz. As primeiras dezenas de quilómetros são um passeio lindo, junto às margens do lago, até termos que atravessar uma parte estreita numa barcaça e, na outra margem, começarmos a afastar-nos do lago, continente dentro. Quando cheguei à pequena vila onde estão as barcaças alinhadas para carregarem carros, motos e pessoas que queiram atravessar o estreito não fazia ideia que não havia estrada ou ponte e continuei em frente, atravessando a vila. Só quando entrei numa estreita estrada de terra estranhei e perguntei  a um homem que passava e me ajudou a puxar a moto para conseguir dar a volta. Achei graça porque ao explicar-me que tinha que apanhar a barcaça para seguir para La Paz me disse:
Você não pague mais de 10 Bolivianos (cerca de euro e meio) para atravessar com a moto, que é o preço normal. Se pergunta eles vão pedir-lhe mais por isso não diga nada e, antes de sair na outra margem, estique-lhe uma nota de dez.
Não segui o conselho do homem e perguntei quanto era ao que o barqueiro me respondeu 20 e eu disse que só pagava dez, que era quanto pagava usualmente. A aceitar mal a minha conversa lá me disse.
- Deixe lá ver então se aparecem dois carros para completar a viagem. E lá veio um pequeno camião e um furgão em minha companhia.
Cheguei a La Paz pelas duas da tarde.