27 de dezembro de 2012


Mumbai – 3


Esta miúda de oito anos chama-se Kali e foi quem me alegrou o Natal, ao vê-la pela manhã. Vive com a mãe e os irmãos no passeio, junto ao Hotel onde tenho ficado os últimos dias. Quando vou jantar os mais novos já estão a dormir, os três alinhados num cobertor estendido no chão.
Aqui a Kali estava numa das suas tarefas diárias, a dar banho a um dos irmãos. Na outra fotografia mostra-me um desenho que exprime o seu habitual estado de espírito.
É fantástico como esta miúda, que vive na rua, emana uma alegria contagiante. Nunca a vi sem ser a rir e bem disposta, seja quando brinca com outros miúdos na rua ou quando me levou até à porta de um Hotel depois de me ter visto procurar um bar na rua que tinha música e estava fechado. “Aqui há boa música que eu oiço, vinda do terraço do ultimo andar”.
Às vezes vamos comer um gelado ao fim do dia que ela adora mas muitas das vezes leva-o, sem lhe tocar, para o dar à mãe.
Mesmo quando faz um ar amuado por eu não lhe comprar as flores que a mãe andou durante o dia a arranjar em ramos lindos, mantem uma alegria na cara que não se vê na maioria das crianças que têm o que pensamos serem todas as razões para se sentirem felizes.
A Kali é o exemplo vivo de que não é o dinheiro que traz felicidade. É o amor que recebemos e transmitimos a quem nos rodeia. 

Criquet de pobres e de ricos

Elephanta Island Caves

24 de dezembro de 2012


Mumbai – 2

Desde que aqui cheguei a temperatura ronda os 28º, 30º, noite e dia. Um amigo meu diria que é clima de pobre. Eu sinto-me como peixe na água. E como Mumbai ainda fica a Norte do Equador isto é o inverno deles, mas é a altura ideal para se andar por aqui. Têm depois o verão entre Março e Maio em que dizem se torna insuportável, com o calor e a humidade a deixarem-nos a roupa colada ao corpo e de Junho a Setembro é a época das monções, em que não para de chover.

Ontem, visitei uma das muitas galerias de arte existentes nesta zona de Mumbai e o Museu “Chhatrapati Shivaji Maharaj Vastu Sangrahalaya”. Não, não decorei este nome. Os ingleses, que o construiram chamavam-lhe simplesmente “Prince of Wales Museum of Western India”. Ali está exposta arte Indiana através dos séculos, muitas das peças oferecidas por Jamsetji Tata, um industrial indiano de sucesso dos inícios do século XX que morreu com 47 anos. Ratan Tata, o descendente que agora controla as dezenas de empresas do grupo, é um dos homens mais ricos do mundo. O grupo Tata é um potentado na industria do aço, construção de automóveis e camiões, Telecomunicações e, entre muitas outras coisas, proprietário da Tetley tea e da Jaguar e Land Rover.

Da parte da tarde apanhei um barco no “Gate of India”, um imponente arco junto ao cais, que os inglese construíram para receberem o rei “George V”, o único monarca Inglês que visitou a India. Uma hora depois estava na Elephanta Island cujo nome se deve aos portugueses, quando aqui andaram nos séculos XVI e XVII.
Tiveram uma cena que podia ter sido hoje. Deram o nome à ilha quando por lá  encontraram uma enorme estátua de um elefante, que se calcula fosse contemporânea das que estão nas famosas caves da ilha, de entre os séculos VI a VIII d.c. e que representam maioritariamente a deusa Hindu Shiva.
Os portugueses decidiram trazer a estátua do elefante para Portugal só que, quando estavam a carregá-la para a Nau, as correntes eram fracas e a estátua foi parar ao fundo do mar. Está-se mesmo a ver a cena:
- “Ó Zé, faz mais força desse lado. Dá-me uma chicotadas nesses escravos que não estão a fazer força nenhuma. Puxem mais, vai. Ai, Ai, Ai, Fo....” Pumba. Estátua no fundo do mar.
- “Pôrra, pá, eu não te disse que essa correntes estavam podres? Enforca-me aí meia dúzia de gajos para eu arranjar uma desculpa para dar ao D. Manuel”.
E por lá ficou a estátua até que os ingleses a “pescaram” e colocaram, aqui em Mumbai, no “Victoria and Albert Museu”.
Ao fim do dia ainda passei na “National Gallery of Modern Art” onde está patente uma exposição com as obras do pintor e escultor indiano Ramkinkar Baij.
Como curiosidade refira-se que nesta “National Gallery” deixam miúdos, de várias idades, ficarem a pintar no chão junto às peças do mestre, o que não só dá um ambiente muito giro e animado à exposição como certamente ajuda os futuros artistas a ganharem inspiração naquele espaço onde se respira arte.

23 de dezembro de 2012


Mumbai


Desde o dia em que cheguei à India e depois daquela má experiencia que tive com o taxista que me trouxe do aeroporto, passei a circular de “rickshaw”, estes triciclos em que o condutor vai à frente e os passageiros num pequeno banco corrido na parte de trás. Antes estes veículos eram movidos a pedais e força humana mas agora têm o requinte de um motor Vespa 125 e caixa de 4 velocidades no punho, à antiga. A maioria dos motores ainda são a 2 tempos e os pilotos destas máquinas infernais guiam-nas descalços, com o pé direito sempre em cima do pedal de travão e o punho do mesmo lado na posição “full throttle”. Quando aquilo embala atinge aí uns 60 Km/h que à primeira vista parece pouco mas, com as razias que fazem a passeios, carros e camionetas nós, passageiros, vamos sempre com o coração na boca. Tenho a sensação que arrisco aqui mais a vida que em toda a viagem de moto desde Portugal.
Estou há quatro dias em Mumbai e tenho mudado de Hotel todos os dias. Não só por serem maus de mais mas também para ir conhecendo diferentes partes da cidade. Ontem fui parar a um local agradável, em cima de um monte com vista para um lago mas não tinha espaço para dar a volta dentro da casa de banho e também não me atrevi a ligar o esquentador eléctrico, com um aspecto decrépito, com medo de ficar electrocutado. Para fechar a porta do quarto uma tranca tipo porta de castelo e um comum cadeado. Só visto.
Hoje apanhei outro “rickshaw” e desci para sul rumo a uma parte mais civilizada da cidade. Nesta península perto de Colaba o transito é vedado a estas infernais viaturas, já se vêm bons blocos de apartamentos, Hoteis de luxo, stands de Rolls e Porsche e não há lixo espalhado pelas ruas. Parece que entramos noutra cidade. Não deixa, no entanto, de haver miséria nas ruas. Junto ao Hotel, no passeio, vive uma família, com uma mãe e quatro filhos. Sempre que passo a senhora manda um filho diferente pedir-me dinheiro. Vou dando gorjetas mas como não se dá dois passos sem nos pedirem alguma coisa deixo pouco a cada um. Hoje levei os vizinhos do passeio a comer um gelado aqui ao lado e adoraram.
De manhã um outro miúdo andou comigo durante horas. Não teria mais de seis ou sete anos. De vez em quando, sem qualquer razão aparente, fazia uma roda completa no passeio, tipo artista de circo. Os pais põem-nos a fazer estas habilidades para cativar as pessoas e para eles aquilo passou a ser quase uma necessidade. Já não andam na rua sem fazerem qualquer malabarismo. Mais tarde vi uma miúda de quatro anos a equilibrar-se numa corda estendida a dois metros de altura, com a irmã mais velha a marcar o ritmo com um tambor.
É nesta zona da cidade que estão museus e galerias de arte e onde se joga Criquet de calças e camisa branca e golf no único campo existente na cidade. O Criquet é o principal desporto na India. Está para eles como o futebol para os portugueses. À noite havia um jogo importante num Estádio aqui perto e era a loucura nas ruas, antes de entrarem para o recinto, com vendedores de buzinas e bandeiras a fazerem enorme estardalhaço.
Aproveitei o dia para fazer visitas turísticas e passear um pouco a pé pela Marine Drive, a marginal cá do sítio. 

22 de dezembro de 2012


Dubai

O voo de Bandar Abbas para o Dubai dura pouco mais de 20 minutos.
Fiquei no Dubai 24 horas. Tinha cá estado há cinco ou seis anos e está bastante melhor. Na altura já existiam a maioria destes prédios lindos que construíram no centro, projetados por alguns dos melhores arquitetos mundiais, mas ainda estava tudo em obras, havia muito pouca sinalização e as infraestruturas rodoviárias eram um caos onde nos perdíamos facilmente.
Agora está tudo com um ar mais acabado e organizado. Já existem placas de sinalização, canteiros bem tratados junto a algumas das vias principais e, como muitas das obras pararam com a crise, está tudo mais assente. Aquele projeto megalómano das ilhas em forma de Palmeira ficou a meio. Penso que uma está quase acabada mas a segunda, como pude verificar do avião quando chegava, não passa de um aterro que fizeram mar dentro, ainda insignificante.
O Dubai continua a cheirar a dinheiro. No aeroporto o prémio para um qualquer sorteio não é um Fiat ou Toyota mas um Mc Laren que lá está em exposição enquanto pelas ruas vêm-se stands da Ferrari, Aston Martin e muitos carros grandes e gastadores a circularem. Os próprios táxis têm motores a gasolina e caixa automática.
Aqui não há Hoteis a vinte euros e, para encontrar um a 50, fui parar a uma zona da cidade mais frequentada por asiáticos e paquistaneses.
Logo que saí à rua uma miúda filipina veio-me oferecer os seus préstimos sexuais pelo dinheiro que eu quisesse dar. À noite, na “boite” do Hotel, que era pouco maior que o quarto, um grupo de umas dez miúdas Paquistanesas, giríssimas, dançavam num palco rodeado de mesas com homens de meia idade a assistirem. Uma das danças obrigava-as a rodarem as cabeças tão depressa que temi se soltassem dos corpos. Aqui, no entanto, não se podem despir pois como país árabe que são os Emiratos, seria um crime punível no mínimo com umas valentes chicotadas nas raparigas e dono do estabelecimento.
No dia seguinte fui até à praia onde tomei maravilhosos banhos naquela água transparente e quente.  Parti ao fim da tarde para Mumbai (Bombaim) onde cheguei já de noite.
Sabia que o Hotel que tinha marcado era perto do Aeroporto. Quando me propus apanhar um táxi um homem que se fez passar por taxista dirigiu-me para o táxi e sentou-se ao lado do condutor. Perguntei porque vinham os dois e ele disse que ia também, que o táxi era dele. Não tínhamos andado mais de 500 metros quando me informou que o preço a pagar eram 1500 rupias ou seja, trinta dólares. Disse-lhe que parasse o táxi que eu saía ali mesmo e ele respondeu que não, que isso dava muito mau aspecto e perguntou-me quanto estaria disposto a pagar. Falei-lhe em cinco dólares e atirou-se ao ar. Que no mínimo levava dez dólares. O Hotel não era a mais de três ou quatro quilómetros. À chegada, saí do táxi e fui perguntar qual era o preço normal para o trajeto desde o aeroporto. “200 rupias”, respondeu o recepcionista. Tirei 300 do bolso e paguei ao homem. Ele não me largou e veio o recepcionista e um cliente da espelunca, acabado de sair do banho enrolado uma toalha, discutirem com este acompanhante de taxista ao qual se juntou o condutor. O tom subiu a um nível em que estava mesmo à espera de pancada mas depois de muitos insultos e provocações lá arrancou taxista e acompanhante para tentarem enganar mais um.
O bairro em que fiquei era do género “abaixo de cão”, como eu gosto. Muito movimentado e sujo, com uma vida e cores extraordinárias. Os carros, motos e “rickshaw”, agora com motor de vespa em vez de pedais, atropelam-se uns aos outros no meio de um transito caótico e selvagem. O lixo, em vez de ser posto em caixotes é despejado nos intervalos do passeio central num monte imundo que a camioneta do lixo carrega, de manhã, à pazada. É evidente que muito fica espalhado pela rua e passeios, se é que podemos chamar isso a caminhos de terra esburacados. No meio da confusão crianças divertem-se a brincar, adolescentes vendem frutas estranhas em bancas improvisadas e muita gente circula por entre a confusão de carros e camiões estacionados nas bermas e transito que se atropela em todos os sentidos.
Hoje mudei de Hotel, para ir conhecendo partes diferentes da cidade mas o cenário manteve-se quase idêntico. Amanhã volto a mudar, dessa vez para uma zona um pouco melhor.

20 de dezembro de 2012

20 Dezembro - Portugal

Estou a ler um livro muito bom: A Cidade da Alegria de Dominique Lapierre. Passa-se em Calcutá nos anos 60 e faz-nos lembrar o quão relativa é a falta de dinheiro que aí sentimos, em Portugal.

A maioria da população vivia mal antes do 25 de Abril. Depois, em cerca de quinze anos, muita gente passou para a classe media, e começaram a comer bem, os filhos a estudarem até à universidade, a segurança social e os hospitais públicos a funcionarem, enfim todos passaram a viver melhor. Com o dinheiro fácil, que os bancos faziam chegar às nossas mãos através de empréstimos que faziam no exterior, esta nova classe média comprou carros e casas, enfim, construiu um nível de vida superior às suas possibilidades reais. Isto passou-se não só em Portugal mas também noutros países que entraram para a Comunidade Europeia e a quem criaram a ilusão que as suas populações podiam viver com o nível de vida dos países industrializados, sem terem uma base económica, de criação de riqueza, que o pudesse fazer crer.

Tenho constatado isso nesta viagem que estou a fazer à volta do mundo tendo atravessado alguns destes países que entraram para a Comunidade Europeia e outros que não.
O que se passa nos países que não entraram na Comunidade Europeia, como a Croácia o Monte Negro ou a Turquia, é que as pessoas, por nunca terem vivido acima das suas possibilidades, não sofreram o choque que nós agora estamos a sentir. O nível de vida dessas populações foi crescendo mas de uma forma gradual e realista e não à conta de dinheiro emprestado. E estão mais felizes. Na própria Albânia encontrei pessoas alegres, simpáticas, bem com a vida, mesmo a viverem com pouco dinheiro.
Quando chegou a hora de voltar à realidade, de vivermos com o dinheiro que realmente temos, o sacrifício é grande tanto para portugueses como para gregos ou espanhóis. E o que é interessante verificar é que não custa mais a um português ver o seu ordenado baixar de 750 para 500 euros que a um grego sofrer uma redução de 1300 para 1000 ou um espanhol de 1800 para 1400. Todos acham que estão na miséria quando miséria verdadeira é o que se passa na India onde ainda hoje, como no tempo da Cidade da Alegria, famílias inteiras têm que procurar cascas de fruta nos caixotes do lixo para as cozinharem por não terem dinheiro para comprar meio quilo de arroz, ou na Africa sub sahariana onde vi crianças a quem, mais que alimentos, faltava água potável para beberem.

Claro que se compreende a dificuldade de quem comprou casa e carro com dinheiro emprestado e, de um dia para o outro, perde casa e carro e tem que passar a viver de uma forma a que já não está, ou mesmo nunca esteve, habituado, mas é sempre preferível comer uma bolonhesa num quarto alugado que passar fome numa barraca. No entanto, estes últimos, por nunca terem passado por uma fase boa na vida, conseguem muitas vezes ser mais felizes que os primeiros.
No fundo temos que nos habituar a viver com menos dinheiro e pensarmos que a vida poderia ser muito pior, se temos tido o azar de nascer noutro país. Há que adaptar a vida a uma nova realidade.

Quando parei em Évora, no início desta viagem, uma rapariga casada e com dois filhos contava-me que, hoje em dia, cozinhava tudo na Bimby, desde bolachas a iogurtes ou até Ketchup e que, com isso, poupava 150 euros por mês em supermercado. Claro que a maioria da população não tem dinheiro para comprar uma Bimby, nem a prestações, e muitos nem para gastarem por mês no supermercado o que aquela rapariga poupa, mas eu lembro-me, muito antes de haver Bimbys, que as pessoas faziam as bolachas e os iogurtes em casa, e eram muito melhores que os do supermercado.

18 de dezembro de 2012

18 Dezembro - Good bye Iran

Hoje deixei o Irão, a caminho do Dubai, de onde seguirei para Mumbai (Bombaim), na India. Foi um mês de fantásticas experiencias, especialmente a nível humano. Este povo vive debaixo de muitas regras e limitações e todos com quem falei sonham em deixar aquele país para viverem uma liberdade que a maioria desconhece, pois a revolução, com a destituição do Shá e chegada ao poder dos Ayatolah, foi há mais de trinta anos.

Ontem à hora do almoço comprei uns frutos secos e uma laranjada, parei a moto junto à praia e fiquei a ver o mar e as famílias que vão com os carros para a areia e ali ficam reunidas. Como de costume pararam uns jovens a admirarem a moto. Fizeram-me as habituais perguntas sobre mim e a moto e depois sentaram-se no muro enquanto um deles enrolava um charro que os quatro fumaram. Quando lhes perguntei se era haxixe, perguntaram-me se eu não queria dar umas passas, a rirem-se, como quem diz: o que seria o velho a fumar haxe? Propuseram-me, então, uma cerveja que também arranjavam. Percebo que estes jovens, com pouco que fazerem nos tempos livres, se droguem. Aliás está a ser um problema grave no Irão desta geração, principalmente porque a heroína, vinda do vizinho Afeganistão através de uma zona de fronteira montanhosa muito difícil de controlar, lhes chega às mãos ao preço da chuva. No outro dia contaram-me que os traficantes têm esquemas para passar a droga, através das montanhas, inacreditáveis. Às vezes habituam camelos a irem ter a um local do lado iraniano onde lhes dão comida e depois soltam-nos, carregados de droga do lado do Afeganistão, sendo os próprios camelos os traficantes. Se os apanham não têm dono.
Também é incrível como os americanos invadiram o Afeganistão com a desculpa de que era preciso controlar a produção de papoilas e acabar com os laboratórios de morfina e heroína e passados anos, continua tudo na mesma.

Ao fim da tarde, quando parei a moto na rua para ir ao agente de navegação, ao voltar tinha um guarda, armado de metralhadora, a guardar a moto. Como tinha visto muito movimento de volta da moto decidiu, por iniciativa própria, ficar a tomar conta da moto, de metralhadora em punho, a mandar afastar os populares. Quando cheguei quase que me fez continência e ordenou a retirada do pessoal para que eu arrancasse. Inédito.  

Antes de partir para o Aeroporto fui ao porto, com o homem da agência de navegação, para carregar a Honda.
Comigo ia um Polaco, que tinha encontrado em Teerão numa velha BMW e três miúdos suecos, dois irmãos com uma BMW 650 e uma Yamaha Super Teneré com vinte anos e um amigo com uma Africa Twin da mesma época. Íamos todos a caminho da India e como ninguém tinha conseguido vistos para o Paquistão encontrámo-nos em Bandar Abbas para carregarmos as motos no mesmo contentor.
O Polaco já tinha percebido que Teerão tinha um problema de droga. Estava maravilhado com o preço do “produto” e passava os dias fechado no Hotel, enquanto esperava que chegasse da Alemanha um veio de transmissão da BMW que se tinha partido. Quando partimos para o porto para embarcar as motos ele entrou em paranóia, disse que tinha que passar no Hotel e ficamos três horas à espera do homem. Quase perdemos o embarque.
Os suecos eram muito simpáticos e civilizados. Um deles tinha começado a andar de moto quinze dias antes de partir da Suécia e outro um mês e meio. Ao vê-los nas motos, muito concentrados a dez à hora, até fazia confusão como ali tinham chegado. Cada vez que apanhavam uma estrada de terra iam ao chão mas estavam ali inteiros, mesmo com os suportes das malas feitos em pedaços.

O porto de Bandar Abbas continua movimentadíssimo e, se houve companhias de navegação internacionais que se retiraram da zona quando foram decretadas as sanções de proibição de exportações e importações de e para o Irão, outras vieram substitui-las com os navios a fazerem fila ao largo, para carregarem e descarregarem mercadoria. Os negócios com os países vizinhos e todos os asiáticos, incluindo a China e a India, continuam a bom ritmo.
Quando entrei no Irão tinha ideia de lá ficar só dez dias e, sabendo que não se podia levantar dinheiro no país, pois os bancos não têm relações com os europeus, levava comigo 1000 dólares e 100 euros. Embora a vida seja muito barata como passei lá um mês e tinha deixado logo 200 dólares na fronteira e gasto outros cem em vistos e visitas turísticas em Teerão, sobraram 700 dólares e 100 euros que me deram para viver o mês inteiro, incluindo hoteis e bilhete de avião até ao Dubai na Iran air. Mais barato que ficar em Portugal. Cada dólar é trocado por 30.000 Rial Iranianos ou 3.000 Tuman, uma redução que eles fazem automaticamente. Não é muito dinheiro mas com o equivalente a três euros atravessa-se Teerão de uma ponta à outra de táxi ou enche-se o depósito da moto de gasolina. A maioria dos hotéis em que fiquei custavam cerca de quinze euros por noite, mesmo se não me pudesse pôr a investigar se alguém teria dormido naqueles lençóis antes, pois as duvidas passariam rapidamente a certezas. De qualquer forma o dinheiro foi até ao último tostão, tendo comprado almoço no aeroporto, um pacote de amendoins e uma laranjada com os últimos trocos que tinha no bolso.

13 de dezembro de 2012

13 Dezembro - Bandar Abbas


Saí de Persepolis pelas oito e meia da manhã debaixo de chuva forte e 8 graus de temperatura. Tinha 600 Km pela frente sem qualquer cidade pelo caminho onde pudesse haver um Hotel. Viajei rumo ao sul de maneira que, à medida que me aproximava do equador, a temperatura ia subindo. Pela hora do almoço já estava pelos 20 graus e tinha parado de chover e, quando cheguei a Bandar Abbas, estava um dia de verão com o céu descoberto e 28º.~

Pelo caminho atravessei o deserto Kavir-e-Namak-e-Sirjan e parei para almoçar num destes restaurantes que têm tantas mesas como camas. Destas em que eles se sentam com amigos, de pernas cruzadas, a fumar uma cachimbada.

Em todos os sítios por onde passo ficam a admirar a moto como se de um ovni se tratasse, mas ainda não me tinha acontecido atestar o depósito numa bomba de gasolina e o dono, quando ia a pagar, dizer-me: “Não é nada. Siga viagem”. Inimaginável na Europa materialista em que vivemos.

Bandar Abbas é uma típica cidade costeira, com muito movimento e cor.
Na praia de areia escura e dura, carros e motos circulam até à beira mar com os donos cá fora, acompanhados de família ou amigos, a conversarem entre duas passas de cachimbo de água. Dois barcos naufragados parecem estar ali há anos sem que alguém faça alguma coisa para os remover.
Depois de me instalar fui acabar de tratar do meu visto para a India, cujo processo tinha começado em Teerão, e passei numa agência de navegação a saber que barcos há e para onde. Parece que a opção mais viável é mesmo um Ferry para o Dubai, que fica aqui do outro lado do Estreito de Oman, e depois um navio de carga para Mumbai, na India, passando ao largo do Paquistão.
Se tudo correr bem apanho o próximo ferry, que parte segunda-feira.
Mesmo a tempo pois a minha extensão de visto acaba na terça.
As pessoas a meterem conversa na rua já cansam, mas lá vou respondendo a todos.
- “Where are you from?”
- “Portugal”
- “Cristiano Ronaldo”, “Carlos Queiros”,  “Welcome to Iran”.

Um homem a quem perguntei onde era um restaurante pediu que o seguisse com a moto, levou-me até dentro do estabelecimento e só não se sentou comigo à mesa porque eu lhe disse que estava à espera de amigos. Até pediu a ementa para saber o que eu queria jantar e traduziu para o criado.
O trânsito em Bandar Abbas é muito peculiar. Em algumas horas do dia é um movimento louco, mas entre a uma e as quatro da tarde as lojas fecham e vêm-se muito poucos carros a circular. A cidade para, autenticamente. A partir das cinco da tarde a loucura regressa e, à noite, continua em grande, mas aí ficamos com a sensação que, sem terem mais nada que fazer e com a gasolina tão barata, os iranianos pegam no carro e vão passear pela cidade e buzinar mais um bocado.

12 de dezembro de 2012

Persépolis

Os dois Omidvar mais novos com a mãe à porta de casa

12 Dezembro - Chiraz


Ontem, quando saí de Isfahan, estava um dia de sol lindo, mas 8 graus de temperatura. Parti em direcção a Yazd e passados cerca de 50 Km entrei no deserto de Siyahkuh. A temperatura foi subindo até aos 20º numa zona perto da qual são atingidas, no verão, as mais altas temperaturas do planeta. Rectas infindáveis atravessam as planícies onde o transito é quase todo composto por camiões, a caminho das áreas mais remotas do país e da principal fronteira com o Paquistão.

Quando estava em Portugal tanto a embaixada paquistanesa, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros e pessoas que tinham estado na região, desaconselharam-me vivamente a atravessar o Paquistão, por grande parte do território não estar controlado pelas forças governamentais e ser extremamente perigoso. No Irão falei com pessoas que me disseram haver vários viajantes a atravessar o território sem problemas, de maneira que tentei aqui que me dessem o visto para passar. Infelizmente foi impossível, pois exigem que seja passado no país de origem do turista, pelo que não me resta outra solução senão ir até ao Sul do Irão, apanhar um barco para o Dubai e daí outro para Mumbai, na India, passando assim ao largo do Paquistão. Espero, dentro de dois dias, chegar ao porto iraniano de Bandar-e-Abbas.

Estava mais ou menos a meio do caminho de Yazd, quando, no meio daquele deserto de terra, se levantou uma ventania, idêntica à que tinha apanhado à chegada a Isfahan e que me obriga a rodar a baixa velocidade com a moto a abanar muito.

Chegado à cidade a meio da tarde encontrei um simpático Hotel. Jantei no restaurante que tinham no telhado e onde serviam refeições típicas Iranianas com vista sobre a cidade. Excelente carne estufada acompanhada de batatas cozidas, legumes e iogurte.

Hoje da manhã fui visitar a cidade onde, entre outras coisas, existe o templo do fogo. Os Zoroastros veneram o fogo como um Deus e este seu templo tem uma fogueira central que mantêm a arder há mais de 400 anos, segundo dizem.

Pelo meio dia e meio, saí em direção a Persépolis a 400 Km de distância.
Desta vez atravessava o deserto de Dar Anjir e, com as temperaturas à saída do Hotel a rondarem os 20º, hesitei entre sair de jeans ou vestir as calças do fato. Felizmente optei pela segunda solução pois tinha percorrido pouco mais de 50Km quando saí do deserto para entrar numa zona montanhosa e a temperatura, numa dezena de quilómetros, baixou dos 17º para os 8º, com as bordas da estrada cobertas de neve. É incrível como as oscilações de temperatura aqui são tão acentuadas.
Como saí tarde adoptei um ritmo mais rápido que o habitual, na casa dos 150, 160 Km/h para chegar a tempo de visitar as ruínas da antiga Persépolis. Os condutores dos camiões, que nunca viram uma moto a rodar a mais que 80 Km/h, ficam maravilhados e tocam a buzina em sinal de contentamento. No Irão são proibidas motos com mais de 250 c.c. e 99% têm mesmo apenas 125c.c.

Depois de visitar Persépolis, onde os palácios há 2500 já tinham requintes como água que vinha da montanha com canalizações subterrâneas, liguei para o contacto que o meu amigo Hosseini, de Arak, me tinha dado. Dois dos irmãos Omidvar vieram ter comigo às ruinas, um rapaz dos seus vinte e poucos anos e uma miúda muito bonita de 18 anos. Guiaram-me até à casa familiar, onde fizeram questão que ficasse.
A minha presença foi razão para a mãe Omidvar cozinhar um jantar especial e convidar toda a família. A irmã do pai, cujo filho está noivo da filha deles e os filhos casados, acompanhados das mulheres e marido da mais velha, mais três animadas crianças.
É uma família modesta ao estilo da do Hossein, de Urumia.
A casa resume-se a uma sala grande, uma cozinha e um quarto onde a irmã de 18 anos costuma dormir e estudar. A sala é um espaço amplo onde os únicos objetos são uma televisão num dos cantos, tapetes Persas no chão e algumas almofadas. Não existe um único móvel ou quadro na parede. Ali todos os Omidvar tomam as suas refeições sentados no chão, descansam durante o dia e dormem de noite, em cima de cobertores que estendem pelo chão.
Depois do excelente jantar de cabrito assado ficamos à conversa apoiados nas almofadas. Só os dois irmãos mais novos, que me foram buscar, falam inglês. A miúda foi pedida em casamento pelo primo direito, sete anos mais velho, quanto tinha 12 anos. Vão casar-se no próximo ano, quando ela fizer 19. Perguntei-lhe se estava apaixonada pelo primo e ela disse que não, mas que era um costume iraniano e que era muito mau uma rapariga chegar à idade dela sem ter tido um pedido de casamento. Como os contactos com rapazes são evitados em todo o lado, desde transportes, a escolas ou festas, que se resumem aos casamentos, muitas destas miúdas acabam, tal como a Mariam, a casar com os primos direitos.
A única viagem que fez na vida foi quando os pais a levaram a Meca, tinha ela 14 anos. O pai é devoto ferrenho e ficou chocado quando lhe disse que não acreditava em qualquer Deus. Antes tinha perguntado se Portugal fazia fronteira com os Estados Unidos e, sentado ao meu lado, viu, fascinado, fotografias do meu trajeto.

Chegada a hora de irmos dormir instalaram-me um cobertor e uma almofada entre a mãe e o irmão mas eu sugeri ficar sozinho no único quarto, com a desculpa que costumava ler até tarde e lá fiquei. O resto da família dormiu, como habitualmente, na sala.
No dia seguinte tomámos todos um excelente pequeno almoço naquele espaço comum, à base de pão iraniano feito pela mãe, leite vindo diretamente da vaca, ovos mexidos e fruta.
Pela dez da manhã apareceu o meu amigo Hosseini que tinha feito 800 Km desde Arak para me voltar a ver. Ele é amigo de um dos mais velhos dos Omidvar de maneira que fomos passar o dia a uma barraca que este irmão construiu junto a uma barragem. Antes passámos a buscar carne, já preparada e temperada, para fazer espetadas e lá almoçámos um churrasco e ficámos o dia a conversar, fumar cachimbo de água e beber xarope chiraz, uma bebida alcoólica clandestina feita por eles e que nem é má de todo, principalmente a partir do terceiro copo.

Como aquilo se arrastou também para jantar, acabei por voltar a dormir em casa deles.
A mãe criticou termos estado a beber álcool e lembrou que é proibido no Irão.
Pelas duas da manhã começou a chover e ouvi a mãe Omidvar dizer qualquer coisa ao filho mais novo que deu uma volta no cobertor e respondeu um gemido. Então a senhora levantou-se e, debaixo de chuva, foi tapar a minha moto com um grande plástico. Extraordinário. Não vou esquecer esta gente.

8 de dezembro de 2012

08 Dezembro - Isfahan

Ontem, quando o Hoseeini me acompanhou na sua scooter à saída de Arak e parámos na última rotunda para nos despedirmos um homem, dos seus sessenta anos, parou junto a nós e ficou a olhar para a moto até eu partir. Veio depois atrás de mim e, quando eu hesitei num cruzamento, fez sinal para o seguir. Guiou-me mais uns quilómetros e parou noutra rotunda para me indicar a saída que devia tomar, mas insistiu para que fosse almoçar à fábrica dele ali perto. Disse-lhe que não almoçava, mas aceitava beber um chá, até por curiosidade em saber como era uma industria privada no Irão.

Bebemos um chá, ficamos um pouco à conversa e depois foi mostrar-me a fábrica. Ali transformam lingotes de alumínio em perfis para portas, janelas, etc. Têm primeiro uma caldeira onde a temperatura dos lingotes é elevada até 400 graus, depois uma enorme prensa onde, a pressões de 2000 toneladas p.s.i os lingotes são transformados em vários tipos de perfis.

Ao lado, numa outra fábrica, o filho deste homem coordena a construção de estruturas para portas e janelas. Vendem essencialmente no Irão mas também exportam para os países que conseguem, depois das restrições internacionais, ou seja, algumas das antigas repúblicas russas, Afeganistão e Iraque.
É interessante saber como, embora este país seja controlado por um regime totalitário, têm industrias privadas a funcionarem bem.

Acabei por almoçar por lá e segui depois rumo a Isfahan. De início apanhei um pouco de chuva e depois frio, com a temperatura a baixar até aos 3 graus. A essas temperaturas não há punhos aquecidos que nos valham e os dedos começam a regelar. O fato da Spidi aguenta bem e mais camisola, menos camisola a coisa resolve-se.

O meu amigo em casa de quem tinha ficado ligou a um primo que vive em Isfahan antes de eu sair e disse-lhe que tratasse de arranjar estadia para mim. Quando liguei ao primo à chegada à cidade ele disse que uma senhora me ligaria de seguida. Passado um minuto tinha a Mahid ao telefone a dizer que tinha muito gosto que ficasse em casa dela. É fantástico como esta gente é tão hospitaleira que se prontificam rapidamente a dar acolhimento a um estrangeiro perdido neste mundo. Pedi a um táxi que me guiasse até casa da Mahid, que vive com o marido e um filho. Ela recebeu-me lindamente e passado meia hora, quando o marido chegou é que lhe anunciou: “Este é o Francisco, que conhece o Sr. Reza e vai cá ficar a dormir”. O marido era simpático e achou a situação normalíssima.

No fundo estas pessoas vivem sem grande coisa que fazer a não ser trabalhar e voltar para casa e quando têm alguém de outro país que lhes fala de coisas que só vêm nos filmes ficam fascinados. Mesmo as pessoas que encontramos na rua recebem-nos o melhor possível e não se cansam de repetir “welcome to Iran”.

Depois do jantar levaram-me a visitar a cidade. Fomos ver uma das fantásticas pontes com seis séculos de existência onde o Rei tinha um terraço particular de onde via as águas do Zayandehrood correrem e visitámos a extraordinária praça Imam onde há mais de quinhentos anos já se jogava Polo. Aqui o rei tinha não só um palácio no centro da praça, para quando queria ver o jogo, como uma mesquita particular, reservada para ele e as muitas mulheres.

Acabámos a noite num extraordinário “coffee shop” cheio de peças antigas de tudo quanto há nas paredes e tecto e pessoas sentadas a fumarem cachimbos de água e a beberem chá. Aqui, numa das zonas as mulheres podiam entrar e fumavam tanto ou mais que os homens. Um ambiente giríssimo.

Hoje fui ver outra das antigas pontes e regressei à praça. Dois rapazes convidaram-me para beber chá na loja de tapetes deles, junto à Mesquita que era como que um clube onde vários clientes se sentavam a tomar chá em amena cavaqueira. Às tantas entrou um que me disse: “eu vi-o ontem na “coffe shop” com uma família Iraniana”.
Por ali fiquei até regressar a casa pelas cinco da tarde.

7 de dezembro de 2012

07 Dezembro - Arak

Hoje pensei que iria ficar uns tempos “engavetado” no Irão.
Ontem à noite fui até ao centro de Sanandaj trocar dinheiro e dar uma volta a pé. Passei por um pequeno restaurante onde um homem na montra cozia uns tubérculos que depois regava com uma calda que parecia mel. Não faço ideia o que seria, mas tinham bom aspecto e provei um. Continuei sem saber o que estava a jantar mas era bom.

Hoje de manhã saí do Hotel cerca das dez da manhã com uma temperatura de 6º e vento bastante forte. Nos primeiros quilómetros subi uma serra sem qualquer vegetação e depois rodei durante uns cem quilómetros num planalto com uma forte ventania que fazia a moto dançar, o capacete vibrar, enquanto nas rectas andava inclinado como se fosse a curvar. Tive que rodar com muita atenção, a cento e poucos quilómetros por hora, pois de vez em quando apanhava com rabanadas que me arrastavam quase para a faixa contraria.

Da parte da tarde a coisa melhorou e apanhei um pouco de chuva, mas sem vento.
Acabei por parar duas vezes para atestar de gasolina. Nesta zona do país cada vez que paro junta-se gente a admirar a moto. Numa das bombas o movimentado e alegre grupo que me fazia muitas perguntas em Farsi para as quais eu não tinha obviamente resposta, não deixava de mexer em todos os botões da moto enquanto eu punha gasolina. Um dos personagens era um polícia fardado. Esse sim percebia o que dizia mas fingi também não entender. Não se cansava de repetir “passport, passport”. Eu disfarçava com medo que ele ficasse com o imprescindível documento, mas sem poder fugir mais à questão acabei mesmo por ter que passar o passaporte para as mãos do homem que quis ver se o meu visto estava em ordem.
Passados uns quilómetros uma operação stop em que me mandaram parar.
-         “hello, sir. Which country”?
-         Portugal
-         Ha, Portugal. Cristiano Ronaldo. I love Cristiano Ronaldo. Do you love Cristiano Ronaldo?
-         No.
-         No? You don’t love Cristiano Ronaldo?
-         No, but he is very good.

O homem olhou para mim com um ar incrédulo e mandou-me seguir viagem.
Parei num restaurante à beira da Estrada e mais uma vez se juntaram meia dúzia de homens a fazerem perguntas sobre a moto e a tirarem dezenas de fotografias aos vários membros do grupo junto à Honda.

Estava a chegar à cidade onde tencionava ficar quando à minha direita vejo uma central nuclear. Com toda a polémica que está a haver por causa das centrais nucleares iranianas não achei nada melhor que tirar umas fotografias à central. Estava eu quase s sentar-me de volta na moto quando parou um carro branco ao meu lado a dizer.

-Police, police. Your Passport.
O homem não estava nada com boa cara e quando hesitei em passar-lhe o Passaporte para as mãos ele começou a exaltar-se e sacou do cartão de polícia para que eu não tivesse dúvidas.

-         You are going to prison because you took pictures of the plant.
-         I’m sorry, I didn´t know one couldn´t
-         Park the motorcycle and switch it off.

Pegou no telefone e falou para um suposto chefe. Eu só percebi Tourist e Portugal mas a coisa parecia-me muito mal encaminhada. Ele pediu a máquina e ordenou que apagasse todas as fotografias da central. Depois entrou para o carro e disse para eu me sentar ao lado dele e que fechasse a porta. Voltou a dizer que eu ia preso e pediu-me o Passaporte. Estava a ver a vida a andar para trás.
Viu que os vistos estavam em ordem e, por fim, devolveu-me o passaporte e disse que podia ir embora.
Montei rapidamente na moto e … ala que se faz tarde. Uff, que cagaço.
Estava dez minutos depois em Adria, ainda com o coração acelerado, a perguntar por um Hotel, quando um homem dos seus quarenta anos estacionou junto à moto, saiu do carro e ficou a observar, fascinado, a Crosstourer. Arranquei e ele partiu atrás de mim. Quando parámos num semáforo perguntei-lhe se conhecia um Hotel ao que ele respondeu.
-         Hotel, no. Home, home. E fazia sinal para o seguir.

Por mais que eu repetisse “home, no. Hotel” ele insistia. “Hotel, no. Home, home”.
Pensei que a vida já não me podia correr pior naquele dia e lá fui atrás do homem até “home”.
Quando entrámos em casa dele a mulher e uma amiga fugiram para o quarto a rirem-se muito com a situação. Na sala estavam duas miúdas, de nove e onze anos filhas do casal e da amiga. Lá voltaram as duas mulheres passado um bocado com um ar de quem tinham estado a dar um jeito no penteado e lenço. Ele fez as apresentações. A mulher, que depois soube ter trinta anos, era muito bonita e parecia ser filha dele e a amiga era muito animada. A única palavra que o homem sabia em inglês era “home” mas as mulheres falavam qualquer coisa e acabámos por nos fazer entender lindamente. Eram todos simpatiquissimos. Trouxeram logo chá e fruta e insistiram para que ficasse lá a jantar e dormir. Gostei imenso de ali estar. Dei uma aula de Inglês à filha, joguei cartas com a amiga e ele propôs ir mostrar-me a cidade na sua “scooter”. Não me lembrei que era um iraniano ao volante de uma moto. Desde circular em sentido contrário por entre carros que andavam na faixa correta até rodar em cima dos passeios como se estivesse a andar na estrada, passando por razias em que eu tinha que encolher as pernas para não bater nos carros, passei por tudo um pouco. Demos uma volta pela cidade e depois levou-me ao bazar local, lindo, com tectos em cúpula. Às tantas entrámos numa porta estreita e descemos umas escadas que davam para uma espécie de clube com os mesmos tectos em cúpula feitos de pequenos tijolos. No meio da sala principal um lago e junto às paredes grandes camas em ferro, abertas de um dos lados onde jovens se juntam, de pernas cruzadas, a fumar cachimbos de água, um costume muito comum aqui não só nestes locais como nas casas particulares. Colocam dentro uns sabores a laranja ou outra fruta e fuma-se aquilo como quem bebe um copo com amigos. Naquele clube estavam umas dez daquelas camas com grupos de quatro e cinco miúdos ou homens mais velhos todos a fumar cachimbo em mera cavaqueira. Mulheres, obviamente não podem entrar, mas nas casas particulares também são grandes adeptas do cachimbo.

Dali seguimos para um “cofee shop” ainda dentro do enorme “bazar”. Um grande pátio no rés-do-chão, com um pé direito de três pisos tinha depois dos lados dois andares abertos para esse pátio com mesas e cadeiras. Explicaram-me que antes aquele local era uma espécie de Hotel. No pátio ficavam os camelos enquanto os donos comiam e dormiam nos patamares. Espectacular.