30 de maio de 2019

Marrocos

Entrava na região do Sahara Ocidental que foi colónia espanhola e hoje em dia é ocupada por Marrocos, embora as Nações Unidas não aceitem a anexação. O território é desértico e pouco habitado. A Frente Polisário considerou-se representante das populações locais, tentando assumir  o controlo da região, com ataques a militares marroquinos e civis estrangeiros que ousassem atravessar o país, que se estende por cerca de 1.000 Km, de Norte a Sul.
Hoje em dia tropas marroquinas controlam a região costeira mesmo se apenas vemos alguns pequenos postos ao longo da estrada.
Ao passar a fronteira procurei, infrutiferamente, uma caixa multibanco onde levantar dinheiro marroquino, que não tinha. Eram onze da manhã e a minha ultima refeição tinham sido as duas laranjas e três bolachas que o camionista me oferecera na noite anterior.
Perguntei então ao simpático empregado de um café se sabia de alguém que me trocasse dólares. Acabei por encontrar um homem que, constatando que eu não tinha alternativa, me trocou 100 a um cambio de roubo.
Tomei então o pequeno almoço, atestei o depósito e fiz-me à estrada alcatroada, deserto dentro.
Nesse dia rodei 650 Km até à cidade de Boujdour. Encontrei um pequeno Hotel simpático que me indicaram como o melhor do local e jantei uma pisa num restaurante ao lado.
Segui na manhã seguinte para Norte. A cada cerca de 200 ou 300 Km passo por uma brigada policial onde por vezes me pedem o Passaporte e me mandam seguir viagem mas, neste dia, uma delas foi mais demorada. Levaram o Passaporte depois de me perguntarem de onde vinha e para onde ía. Como demorassem a traze-lo de volta pus a moto no descanso e fui ao pequeno posto indagar o que se passava.
- Peço-lhe desculpa mas estamos a fazer isto para sua segurança. Esta é uma zona remota onde por vezes há problemas. Por isso estamos a contactar todos os postos daqui até Marrakech para dizer que você vai passar e assim acompanharmos o seu trajecto e sabermos onde está se for assaltado.
Passados dez minutos de contactos via rádio devolveram-me o Passaporte e segui viagem. Nesse dia percorri mais de 800 Km e cheguei à cidade Marroquina de Tiznit já de noite.
Fiquei num Hotel de nível europeu onde estavam hospedados dois Belgas com impecáveis BMW que tinham ido um pouco mais a Sul e regressavam à civilização com uma viagem marcada ao pormenor de terem o barco reservado para três dias depois, de Tanger para Itália.
Continue para Norte, atravessando Marrocos já em autoestrada pois tinha que chegar no dia seguinte a Portugal. Rodei cerca de 1.000 Km entre Marrocos e Espanha. Chegado ao porto de Tanger pelas oito da noite, comprei bilhete para o Ferry das nove que em meia hora me levou até ao porto espanhol de Tarifa. Antes de embarcar jantei uma excelente Tagine num restaurante loca.
Nessa noite dormi na vila espanhola de Alcalá de Los Gazules e segui para Lisboa na manhã seguinte.




Foi o fim desta longa viagem que teve início em Setembro de 2012. Rodei cerca de quatro meses cada ano ao longo dos últimos sete anos, atravessando os cinco continentes ao percorrer mais de sessenta países.
Foram 140.000 Km na Honda Crosstourer que exigiu uma manutenção mínima, nunca afinando sequer válvulas nem substituindo a embraiagem de origem. Continua, tal como no dia em que saiu de Portugal, sem gastar pinga de óleo.


No próximo dia 19 de Junho, às 18 horas, na sede do Automóvel Clube de Portugal, será lançado o livro da primeira metade desta viagem (Portugal-Timor). Todos os leitores deste blog estão convidados.

24 de maio de 2019

Mauritânia



O Hotel a que fui parar em Nouakchott, às onze da noite, era uma extensão do pesadelo. Tinha excelente classificação no Booking mas era evidentemente, fraudulenta. Sujo, a cair de podre e com uma construção sinistra, em que as janelas dos quartos eram mínimas. Não estava em estado físico ou mental para procurar outro de maneira que me instalei por ali e dormi o que pude.
Queixei-me ao dono e ao Booking e arranquei de manhã já em boa estrada a caminho do Sara Ocidental, com a ideia de deixar a Mauritânia o mais rapidamente possível.
A estrada é através do deserto, perto da costa e normalmente ventosa. Este vento fez com que o consumo da moto aumentasse e, como os postos de combustível são afastados por vezes perto de 300 Km, cheguei à pequena cidade de Chami com a gasolina na reserva.
Faltavam-me cerca de 200 Km para a fronteira com Marrocos. O dinheiro que tinha no bolso dava-me apenas para 11 litros de gasolina que podiam ser insuficientes. Não consegui que me trocassem dólares e das quatro caixas multibanco existentes na cidade nenhuma funcionava.
Sem outro remédio abasteci os 11 litros que os parcos recursos que trazia permitiram a arranquei deserto dentro, com a ideia de parar numa aldeia perto se visse que não tinha hipóteses de chegar à fronteira.
Tinha percorrido quatro ou cinco quilómetros quando me cruzei com três BMW de espanhóis. Fiz-lhes sinal para que parassem e pedi que me pagassem cinco litros na bomba a troco de cinco Euros, os últimos que tinha no bolso. Vinham de Madrid e íam até Dakar para regressarem dentro de dois dias. Concordaram e voltei à cidade abastecer esses cinco litros antes de seguir viagem mais descansado.
Quando cheguei à fronteira já passava das seis da tarde. Do lado da Mauritânia avisaram-me que estaria fechada na parte Marroquina. Pedi que me carimbassem o Passaporte mesmo assim pois tentaria pedir para me deixarem ficar num Hotel que sabia existir junto à fronteira. Fizeram-no mas disseram que, caso não conseguisse entrar em Marrocos aconselhavam-me a vir dormir do lado da Mauritânia, na própria fronteira, pois situa-se no deserto e por ali não há povoações ou hotéis. Diziam-me que ficar junto à fronteira de Marrocos era extremamente perigoso.
O trajecto entre os dois postos fronteiriços não tem estrada traçada pois passamos por cima de rochas a adivinhar o caminho. A cerca de 100 metros vejo uma carrinha que escolheu mal a passagem e ficou atolada na areia do deserto. Enquanto cruzava estas rochas muito devagar, em primeira velocidade, passou por mim um carro com um oficial superior da Mauritânia. Abriu a janela e informou-me também ele, que a fronteira estava fechada do lado marroquino. Respondi-lhe que ía tentar entrar e ele respondeu:
- Caso não consiga é melhor voltar para a nossa fronteira, que é segura. Ali há tipos a fumar charros que têm causado muitos problemas durante a noite. Não fique lá.
Chegado ao portão marroquino pedi ao guarda que me deixasse entrar, guardando eles o meu passaporte, para que pudesse ir dormir ao Hotel junto à fronteira. Disse-me que iria pedir autorização ao seu superior e lá partiu para os escritórios. Quando regressou informou-me que o chefe teria que contactar Dahla mas que se deveria resolver.
Esperei uma hora pela resposta e veio negativa. Insisti para que pelo menos me deixassem montar a tenda do lado de lá do portão mas também isso me foi negado.
Passava das oito da noite e começou a ficar noite. Um homem que vivia ali perto veio dizer-me que não teria problemas se dormisse ali junto ao portão e foi onde acabei por montar a tenda.
Um simpático camionista senegalês, que encontrara na barcaça que atravessa do Senegal para a Mauritânia, sem falar uma palavra de francês veio cumprimentar-me efusivamente e quando percebeu que eu passaria ali a noite, ofereceu-me umas bolachas a duas laranjas, que foram o meu jantar.
Às nove da manhã a fronteira abriu já com uma fila de carros e camiões prontos para entrarem. Percebe-se que há ali esquemas estranhos.
Um homem que já lá estava na noite anterior à porta, Mauritano mas com passaporte e carro Belgas, tentava fazer amizade com todos e abraçava todo aquele bando que pretendia passar a fronteira. Tinha-o visto à noite de barba mas de manhã, depois de dormir no carro, aparecera com ela impecavelmente feita. Trazia o carro carregado de sacos. Um dos que vi um dos guardas abrir trazia latas de leite condensado. A importar da Mauritania para a Bélgica?? A sua conversa fez com que os guardas deixassem passar o carregamento sem mais revistas.
Já outro homem, que acompanhava uma troupe de quatro velhos Mercedes e deu três beijos ao chefe da fronteira mais velho, quando o informaram que iriam revistar os carros, desatou aos berros e acabou por dizer aos quatro homens para retirarem os carros de volta à Mauritania.

O ambiente é tenso e quando passei com a moto à frente de um camião para a zona de “scanner”, o condutor desceu do camião e começou a gritar com um dos guardas que o mandou recuar ao que e ele respondeu com um empurrão. A coisa parecia ficar feia mas lá se resolveu com berraria e mais dois empurrões de parte a parte, com os restantes guardas a virem observar mas sem interferirem.

20 de maio de 2019

Senegal

De Bissau até à fronteira do Senegal são cerca de 120 Km de uma estrada alcatroada mas em mau estado, com muitos buracos. Depois, numa distancia de uns 200 Km passamos por nada menos que seis postos fronteiriços.
Começa por ser a saída da Guiné-Bissau e entrada no Senegal para uns 150 Km depois, já em boa estrada, passarmos do Senegal para a Gâmbia, que naquele ponto não tem mais de 20 ou 30 Km de largura. Saímos depois da Gâmbia para voltarmos a entrar no Senegal. 
Em todos os seis postos tive que carimbar Passaporte e Carnet, mesmo para percorrer as poucas dezenas de quilómetros na Gâmbia. Pelo meio passamos uma nova ponte sobre o rio Gamble, que até há pouco tinha que ser atravessado de barcaça.
As estradas no Senegal são boas. Fui direito a Dakar porque pretendia mudar o óleo à moto pois em Bissau não encontrara óleo específico para moto. Além disso precisava de um novo pneu para trás. O que montara em Cabinda já não chegaria a Portugal.
Uns cem quilómetros antes de entrar na cidade procurei onde ficar pois, com a passagem dos seis postos fronteiriços atrasara-me e anoitecera. Pelo GPS encontrei uma pequena estalagem com boa classificação e barata. Era cómoda, junto à praia, e conheci um simpático casal francês  que estava com duas filhas miúdas e com quem jantei e tomei o pequeno almoço do dia seguinte.
Parti para Dakar pelas onze da manhã e fui direito à oficina do Rafa, a única que trabalha com motos de grande cilindrada em Dakar. Ele tinha um óleo sintético 10-60, uma graduação que desconhecia, feita para aguentar as altas temperaturas africanas. Arranjou-me também um pneu italiano barato  pois os das marcas mais comuns ali custam o dobro do preço europeu.
Saí da parte da tarde rumo ao Norte acabando por ficar na cidade senegalesa de Saint Louis.
O Hotel era simpático e estava a decorrer uma semana de Jazz na cidade, com concertos de rua. Nunca fui grande entusiasta de Jazz mas gostei muito dos concertos de rua a que assisti nos dias que estive em New Orleans. Assim, essa noite, fui ao concerto da americana Indra Rios Moore, na praça principal.
O trajecto até à fronteira de Marrocos no Sahara Ocidental é, a partir de ali, por uma estrada perto da costa por cerca de 800 Km, que depois segue através do deserto até Agadir por mais 1.500 Km.

Já tinha ouvido falar no inferno que é a fronteira de Rosso entre o Senegal e a Mauritânia mas nunca imaginei tamanho pesadelo.
Ainda do lado do Senegal vários homens que se intitulam oficiais alfandegários enchem-nos a cabeça a dizerem que tratam de tudo mas são relativamente fáceis de despachar e senti um alívio quando entrei com a moto no pequeno ferry que faz a travessia do rio Senegal rumo à Mauritânia. Na outra margem, mal desembarco com a moto, vários homens abordaram-me a pedir o Passaporte. Fui recusando entregá-lo até que um guarda fardado me disse:
- Tem que me entregar o Passaporte. Sou funcionário da Alfandega.
Entreguei-lhe o Passaporte e teve início o pesadelo. Ele passou-o para um dos outros homens dizendo que o outro também era oficial e iria tratar das burocracias. Este segundo homem, que se fazia passar por oficial mas mais tarde constatei ser um simples popular com autorização dos guardas para extorquir dinheiro a turistas, tentava a todo o custo convencer-me que era funcionário da alfandega e, em certas ocasiões, levou-me a acreditar nele. Por exemplo quando entrou num gabinete a dizer que uma das secretárias vagas era a sua e o guarda que estava na outra não o negou. Ou quando eu me queixei que um dos guardas me extorquiu dinheiro para carimbar o Carnet, colocando a nota directamente numa gaveta cheia de dinheiro sem me passar qualquer recibo e ele concordou comigo e disse que lá ía pedir o dinheiro de volta e me entregou uma nota idêntica.
Enquanto eu tratava do visto o homem apareceu-me com o bilhete do barco pago e outro de uma taxa comunitária, pedindo-me o dinheiro, por mais que eu lhe dissesse que queria tratar dos papeis sozinho. Constatei depois que o bilhete do barco estava inflacionado 10 vezes.
Às tantas corri com ele de vez pois tinha chamado um suposto homem de seguros que me pedia uma fortuna pelo seguro obrigatório.
Passei três horas naquele inferno e quando passei o portão, o homem e dois amigos faziam-me uma espera para exigir que lhe devolvesse o dinheiro que me tinha dado e que, segundo ele não o tinha pedido ao oficial que o extorquira. Não tive outro remédio senão pagar-lhe e fugir daquela vila, com medo de voltar a ser assaltado.
O problema é que a próxima cidade, Nouakchott, era a 200 Km mas o GPS indicava 5 horas para a percorrer e, normalmente, não se engana.
Eram seis da tarde quando deixei a fronteira e em pouco mais de uma hora ficou noite. A estrada que de início era alcatroada passou a estrada de terra muito degradada com partes em areia mole em que por vezes tinha que andar em primeira velocidade. Foi um martírio que só acabou às onze da noite.

Chegado a Nouakchott o GPS atrapalhou-se com a morada do Hotel que havia marcado e mandou-me para dentro de uma favela. Aquela hora da noite vi a vida a andar para trás mas decidi parar, reprogramar o GPS e arrancar para fora dali.


18 de maio de 2019

Guiné Bissau 2



Quando cheguei à esquadra da polícia estava lá um só guarda.
- Sim, nós sabemos que vem aqui fazer o seu visto e já avisei a senhora que trata desse assunto para cá vir ter.
Mas como o rapaz que fazia a minha escolta não havia maneira de chegar decidi procurar Hotel onde ficar. Depois de reservar quarto regressei ao posto.
- Estamos em contacto telefónico com ele. A carrinha em que vinha avariou no caminho, os passageiros iam ficar a dormir na estrada mas da fronteira mandaram uma moto para o recolher e trazer aqui.
Eram oito da noite quando a senhora dos vistos chegou. Passada meia hora lá aparecia o rapaz da escolta, a pé.
Entrámos para o escritório, ele passou o Passaporte para as mãos da senhora e ela começou a procurar umas chaves na carteira.
- Esqueci-me das chaves da gaveta dos carimbos em casa. Desculpe. Temos que tratar disto amanhã de manhã. A que horas quer cá vir?
- Ás oito.
- Está bem. Cá estarei às oito. 
Já tinha saído comprar uma água numa mercearia ao lado quando o rapaz veio ter comigo.
- Se não se importa volte lá à delegacia.
- O que se passa? perguntei à senhora.
- É que o visto pode pagar amanhã, quando lhe entregarmos o passaporte mas precisávamos que pagasse o dinheiro da escolta, que são 10.000 Francos (cerca de 15 Euros) pois é com esse dinheiro que o rapaz vai jantar, dormir e regressar amanhã de manhã à fronteira. 
Na manhã seguinte cheguei à delegação às nove. Como previra a senhora dos vistos acabara de chegar.
Com visto no Passaporte parti para Bissau. Na Guiné sentimo-nos em Portugal. O país, tal como as restantes antigas colónias, mantém uma ligação forte conosco, não só sentimental como económica. Nos restaurantes temos cerveja Super Bock, ao pequeno almoço pacotes de manteiga Mimosa e até os postos de gasolina são nacionais e o produto de qualidade, ao contrário da gasolina vendida na Guiné Conakry, que fazia o motor da Crosstourer queixar-se, com um “grilar” acentuado quando em esforço.
As pessoas também são simpáticas e recebem-nos como fazendo parte da casa.
Comecei por passar na Embaixada portuguesa para onde me haviam enviado peças da moto. Nunca vira tanta gente à porta de uma embaixada, com o Consul rodeado de resmas de passaportes acompanhados de pedidos de visto. Não há duvida que continua a haver uma ligação forte entre Portugal e a Guiné. 
A capital é relativamente calma, sem grandes filas de transito. Recomendaram-me um Hotel simpático, com electricidade 24 horas e internet.
Na manhã seguinte à chegada fui a uma oficina de carros para mudar os rolamentos da suspensão de traz e roda da frente da Crosstourer.
Com dificuldade em encontrar o local, por não ter nome de rua, parei junto a um quartel que vim a saber ser da Policia de Intervenção Rápida. Perguntei ao polícia, fardado e armado, que estava à porta o caminho para a oficina e ele sugeriu acompanhar-me à pendura na moto para me indicar o local, se eu o deixasse de volta no seu posto. Assim foi. Uma situação inimaginável em qualquer país fora de África.
A oficina tinha condições muito rudimentares, com chão em terra, mas tanto patrão como empregados não podiam ter sido mais simpáticos e colaborantes.
Depois da reparação fui almoçar a um restaurante italiano único, que tinha uma pasta de fabrico próprio ao mais alto nível italiano. Fantástico.

Gostei muito da Guiné Bissau e das suas gentes.

16 de maio de 2019

Guiné Bissau 1



Tinha pedido ao Cônsul Português na Guiné Bissau que falasse com as autoridades para me deixarem tratar do visto na fronteira, evitando assim a deslocação à Embaixada em Conakry, que representava um desvio de umas centenas de quilómetros no caminho. Ele prometera-me tentar.
Como em Kouroussa não tinha internet não sabia a resposta mas arrisquei tomar o caminho da fronteira e seguir até Labé.
No Hotel em que fiquei tinham internet à noite, quando a electricidade era ligada, e fiquei aliviado quando li o email do Cônsul a confirmar que recebera autorização para que me tratassem do visto na fronteira. 
Mas ainda teria pela frente um trajecto difícil.
A estrada que sai de Labé a caminho da fronteira com a Guinè Bissau começa por ser de longas rectas em bom piso atravessando depois uma serra de curvas rápidas numa parte muito divertida de percorrer. Segue por uma longa estepe, de uns duzentos quilómetros para, já perto da fronteira, entrarmos numa estrada de terra com mau piso e em alguns locais uma areia fininha, quase pó, que se entranha por todo o lado. São apenas 35 Km  que me levaram mais de uma hora a percorrer. Depois, mais uns quilómetros de alcatrão e voltamos a entrar numa estrada de terra de muito mau piso e com areia mole em alguns locais. Foi um percurso muito cansativo, agravado pelo fato de ter ficado sem água para beber. Acabei por encontrar uma aldeia onde a vendiam mas a falta de electricidade não permitiu que fosse fria.
Foram cerca de cem quilómetros muito difíceis e, já perto da fronteira, caí numa parte de areia mole. Felizmente não demorou muito até aparecer ajuda para levantar a moto mas cheguei à fronteira … de rastos.
No posto da Guiné Bissau tinham indicação que eu ali chegaria mas a fronteira não estava preparada para passar vistos. Teria assim que ir até à cidade mais próxima, a 70 Km mas, segundo eles, não poderia ir sozinho pois não tinha visto. Deveria levar uma escolta.
- Escolta? Mas como?
- Este rapaz vai consigo na moto até à cidade para tratarem lá do visto.
- Não vai, não. Não tenho espaço para passageiros.
- Nesse caso vamos encontrar outra solução mas o senhor tem sempre que levar escolta. Não pode ir sozinho sem visto.
Chamaram então, ao pequeno posto fronteiriço, uma mulher que saberia escrever português para passar um papel, escrito à mão, que acompanharia a escolta caso fosse mandada parar pela polícia. O referido papel deveria explicar qual era a missão do rapaz na sua deslocação à cidade maior.
A mulher escrevia como uma criança da primeira classe, muito devagar, com letra infantil e as linhas em declive. Demorou mais de meia hora a produzir o documento que o único guarda fronteiriço lhe ditava. 
Fui à rua comer uns ovos cozidos e fruta que uma mulher vendia e, de cada vez que regressava lá dentro, a mulher tinha avançado uma linha.
Quando, finalmente, o documento estava pronto trataram de procurar transporte para a dita escolta. A única alternativa encontrada foi um velho furgão Mercedes, a cair de maduro, todo amolgado, sem alguns dos vidros laterais a que um dos homens trocava um pneu furado por um quase a furar enquanto outro discutia com um chefe de família o preço a levar pelo transporte de quatro passageiros e uma carrada de sacos e bagagens. Depois de muita discussão não chegavam a acordo e logo outro voltava a tirar do tejadilho a carga da família do velho enquanto novos clientes esperavam a oportunidade de subirem a bordo daquele transporte com poucas hipóteses de chegar ao destino. Um deles foi a minha escolta. A carrinha estava finalmente pronta para arrancar, já perto das seis da tarde. Informaram-me que a estrada estava em muito mau estado e disse por isso ao meu escolta que partiria na frente, para não andar de noite. Esperaria pela chegada dele no posto de polícia da cidade, onde colocariam o visto no meu Passaporte.

Arranquei para mais um martírio na forma de uma estrada supostamente asfaltada mas tão degradada que mais valia não estivesse. Cheguei a Gabu ao cair da noite.

13 de maio de 2019

Guiné Conakri 4



Aquela manhã ainda tive mais uma centena de quilómetros pela frente em terra, os últimos quarenta em melhor piso, onde já pude rodar em quarta por alguns períodos.
A meio caminho, numa vila maior e já com casas em cimento, a alfandega oficial de entrada na Guiné Conakry, mesmo se já tinha percorrido uns 150 Km no país.
Na esquadra da polícia, onde carimbavam os passaportes, estava a decorrer uma espécie de julgamento. Percebi que nestas aldeias e pequenas vilas da selva não há tribunais. Assim, quando há desentendimentos, reúnem-se os desentendidos com o chefe da polícia, que aqui funciona como juiz, e discutem a situação, dizendo o chefe de sua justiça.
Pediram que esperasse cá fora enquanto decorria a discussão e, por fim, lá apareceu um homem que me carimbou o Passaporte e Carnet, operação que normalmente é feita por entidades distintas, já que o Carnet é alfandega e o passaporte emigração.
Só voltei a encontrar alcatrão a meia dúzia de quilómetros da cidade de Kankan. Foi um alívio.
Comecei por ir trocar dólares com uma mulher, comerciante, que me apresentaram como sendo a única que movimentava suficiente dinheiro para se interessar pelo câmbio, atestei o depósito e, à falta de um restaurante decente, encontrei um Hotel onde almoçar.
Ali a electricidade só é ligada à noite e em dias alternados com a província vizinha. Por isso os melhores Hotéis têm geradores mas que só ligam nas noites em que não têm electricidade.
Disse no Hotel que ficaria lá hospedado essa noite se ligassem o gerador logo às três da tarde, para ter acesso à internet. De início aceitaram a minha proposta mas, passada meia hora, quando estava a meio de carregar uns filmes, vieram dizer-me que só poderiam manter o gerador a funcionar se eu pagasse o combustível, para além do quarto, pois estavam a gastar muito.
Disse-lhes que não e desligaram o gerador. Como ainda eram quatro da tarde decidi então arrancar para a próxima cidade.
Nos últimos vinte quilômetros que havia percorrido na estrada de terra tinha sentido a moto a fugir muito de traseira e parara até, para dar uns pontapés no pneu a ver se tinha perdido ar. Parecera-me bom mas, quando saía do Hotel verifiquei que estava vazio quase por completo. Fui devagar até uma reparadora de pneus perto onde o encheram e verificámos que tinha um prego espetado mas, sendo “tubeless” não tinham como repará-lo. Já com ar no pneu fui então a outra onde colocaram um taco no pneu por pouco mais do equivalente a dois euros.
Parti para a pequena cidade de Kouroussa onde perguntei pelo melhor Hotel. Indicaram-me dois, qual deles o pior. Era sujo, só tinha electricidade à noite e internet nem sabiam o que era na cidade.
Pedi um prato e talheres e comi a manga que ainda me sobrava da aldeia na selva como jantar.
- Coma aqui no pátio, por favor, senão as cascas atraem ratos para o quarto.

Na manhã seguinte parei numa oficina de carros à saída da cidade, destas que há na rua, com o chão em terra batida endurecido por camadas de óleo queimado, para perguntar se tinham fusíveis, pois desde que a moto atravessara as profundas poças de água no Congo o fusível da ventoinha de refrigeração queimava constantemente, certamente por água ter causado um curto circuito no motor elétrico da ventoinha. O homem mandou primeiro um miúdo às lojas e depois foi lá ele de moto, regressando com um jogo de fusíveis que me resolveu a situação temporariamente.

12 de maio de 2019

Guiné Conakri 3

Pelas cinco e meia da tarde atravessava uma pequena aldeia no meio da selva quando percebi que ainda me faltavam percorrer perto de cem quilómetros nas estreitas estradas florestais e não teria qualquer hipótese de o fazer com luz do dia.
Parei e um rapaz que pelas calças sujas de óleo e um filtro de ar de uma moto na mão, presumi ser mecânico destas pequenas motos que são o único transporte decente destas populações, veio ter comigo.
Perguntei-lhe se podia ficar a dormir na aldeia e ele, sem perceber bem francês compreendeu o que eu  queria e mandou que o seguisse na moto.
O povoado não tinha mais de uma dúzia de cubatas, de telhado em colmo e uma casa mais bem construída mas igualmente sem portas ou janelas.
Ali não há electricidade ou água corrente.
Disse-me que parasse a moto junto da cubata da sua família e falou com um velho que foi dentro da casa melhor buscar uma esteira e a estendeu no terraço.
- Pode dormir aqui.
Para os miúdos da aldeia foi uma festa. Os mais novos nunca tinham visto um branco e tinham medo quando me aproximava deles. Os de sete e oito anos viam-nos nos pequenos extractos de jogos de futebol que o meu amigo mecânico por vezes lhes mostrava no telemóvel. Sentaram-se à minha volta e riam-se com cada gesto que eu fazia ou conversa que tentava estabelecer.
Do saco onde trago a tenda tirei um colchão que enchi com uma bomba manual e ficaram maravilhados. Um velho veio perguntar se lho oferecia.
As mulheres, que cozinhavam em fogueiras cá fora ou tratavam das crianças mais novas também estavam radiantes com a situação.
Pelas sete da tarde ouvi um chamamento para rezas e só então constatei que eram muçulmanos e as mulheres tinham todas a cabeça tapada embora com a cara e muitas vezes os seios à mostra, não só quando tinham que dar de mamar às crianças.
Levantei-me do banco de madeira que tinham colocado junto ao terraço onde iria dormir e fui espreitar de onde vinha o som. Era mesmo uma mesquita, com dois minaretes e uma construção melhor que qualquer uma das casas.
Quando me voltei a sentar, rodeado de miúdos encantados, o meu amigo perguntou:
- Não vem à Mesquita rezar? 
A minha primeira reacção foi responder que sim, não fossem pensar que era Cristão. Mas achei que a minha ignorância quanto a rezas muçulmanas me denunciaria rapidamente.
- Não, hoje não. Estou muito cansado.
Dito isto pensei se estar cansado seria razão aceite naquela religião para não ir rezar mas fiquei aliviado quando o meu amigo decidiu também não ir, daquela vez.
As mulheres entretanto ofereciam-me a papa que estavam a fazer e que as vi servir a um dos velhos numa tijela como uma rotina. O velho sentou-se no chão de terra e foi comendo a papa com as mãos, como todos os outros.
Tentei explicar-lhes que não estava habituado a comer aquelas coisas e apontei para uma manga que um rapaz roía. O meu amigo pediu que o seguisse até uma mangueira perto e perguntou se era aquilo que queria.
- Sim, isso mesmo.
Pediu então aos miúdos que as apanhassem e em dois minutos trouxeram-me meia dúzia. Comi duas, das melhores que experimentara na vida. Depois fui à moto buscar uma das minha barras de cereais energéticas. Eles estranharam aquilo mas tanto o meu amigo como as crianças e algumas das mulheres quiseram experimentar.
Pelas oito e meia da noite, só com a luz da fogueira e uma ou outra lanterna, que às vezes acendiam, com pilhas muito fracas, os miúdos continuavam reunidos à minha volta a debitarem nomes de jogadores de futebol de que nunca tinha ouvido falar quando as mulheres, numa galhofa, pediram que eu me fosse sentar ao pé delas. Achei mais sensato não ir, até porque a mais atrevida já tinha dito por três vezes, para todos ouvirem, que queria dormir comigo, o que gerava as gargalhadas de miúdos e graúdos. Fiz bem porque os únicos homens que estavam ali naquela reunião de aldeia  eram eu e o meu amigo. Os mais velhos só se viam a sair das cubatas para irem a caminho da mesquita e os mais novos, que às vezes apareciam por breves momentos, olhavam-me com ar desconfiado. Pouco depois ouvi alguns deles chamarem as mulheres de dentro das cubatas para que fossem para casa, com vontade de porem fim à festa.
Ás nove voltou a soar a reza e desta vez o meu amigo não pôde deixar de ir, certamente com medo da reprovação dos velhos lideres. As mulheres não vão à mesquita, ficando a tratar de cozinhados e crianças.
Quando ele regressou auto denunciei-me, inadvertidamente, ao responder automaticamente quando me perguntaram o nome.
- Francisco ???, responderam várias vozes em uníssono.
Fez-se silencio. Engoli em seco. Deveria ter respondido Muhamed ou Abdulah.
Foram as crianças que quebraram o gelo. 
- Ha, ha, ha, Francisco. E a coisa passou.
Pelas nove e meia da noite anunciei que me ía deitar. Tirei uma Tshirt do saco de roupa suja que coloquei à volta do saco a fazer de almofada, descalcei as botas e deitei-me no colchão por cima da esteira com as calças do fato vestidas. 
Depois de observarem atentamente como se deitava um ocidental foram partindo para as suas cubatas.
Dormi mal. Mosquitos morderam-me mãos e braços a noite toda e vacas e cabras, que passeavam livremente por entre as cubatas durante a noite, por vezes subiam os dois degraus do meu terraço, assustando-me. Quando as enxutava queixavam-se sonoramente, calculando que acordassem vizinhos. Mas passava pouco das seis e meia da manhã quando acordei de um sono profundo, já ao raiar do dia. Quatro dos miúdos já estavam sentados no banco de madeira a olharem fixamente para mim enquanto duas mulheres cozinhavam nas fogueiras que se haviam mantido com brasas a noite toda.
O meu amigo apareceu, comi mais uma Manga e uma barra de cereais para pequeno almoço, enfiei botas e blusão, despedi-me de todos e arranquei de volta à estrada da selva, pouco passava das sete. Umas centenas de metros à frente três dos miúdos que íam a caminho da escola a pé gritaram:

- Au revoir Francisco. 


11 de maio de 2019

Guiné Conakri 2



Arranquei então para um dos dias mais difíceis desta viagem. A estreita estrada através da selva que de início pensei serem 60 Km eram 200, em partes uma verdadeira trialeira, com valas cavadas por chuvas torrenciais, já secas mas que tinha que percorrer muito devagar. Um martírio que se foi arrastando ao longo do dia.
A entrada no país havia sido controlada por três militares, debaixo de um telheiro de colmo, estendidos em camas improvisadas. Confirmam que tenho visto para entrar no país e dizem que posso seguir.
- A estrada está em bom estado?
- Ha, ha, ha. Estrada? Chamar-lhe-ía mais uma escada. 
Tinha razão.
Passados uns 30 Km, que demorei uma hora a percorrer, caí num buraco, de onde ainda consegui passar em aceleração a roda da frente, mas fiquei preso, com a de trás a patinar, sem conseguir sair. Tentei tirar a terra de trás da roda para empurrar a moto para trás mas sem sucesso.
A vida é que a comecei a ver a andar para trás. Estava muito isolado, no meio da selva guineense, a pensar que poderia ficar ali horas ou dias sem que alguém aparecesse.
Felizmente, passado um quarto de hora, comecei a ouvir o barulho de uma pequena moto na mesma direcção em que eu circulava. Eram dois militares que me ajudaram a levantar a moto e a quem pedi que me seguissem para o caso de voltar a cair. Fomos rodando, devagar, até uma zona onde eu seguiria para a direita atravessando um rio e eles seguiam por um desvio para a esquerda. Felizmente esperaram que atravessasse o rio porque, ao sair da primeira parte, quando subia uma rocha em aceleração, a roda de trás molhada escorregou sobre a rocha, a moto atravessou-se e caí, partindo a maneta da embraiagem. Ajudaram-me a levantar a moto e consegui depois atravessar a outra parte do rio e passar a subida íngreme que se seguia, só com um taco como maneta de embraiagem, mas fiquei esgotado. 
Os dois militares, quando me deixaram, disseram-me que estava a um quilómetro de uma aldeia mas, antes de arrancar, sentei-me encostado a uma árvore a descansar. 
Dez minutos depois arranquei até à aldeia. Havia um posto militar à entrada, novamente debaixo de um telheiro em colmo. Pediram-me o passaporte e fiquei um pouco à conversa a descansar.
Substitui ali a maneta, pois trazia suplente e segui viagem. Não sem antes o chefe do posto me perguntar se não tinha nada para ele.
- Não, não tenho. 
As horas passavam mais depressa que os quilómetros.
Rodei durante horas. Curiosamente, os poucos homens que passavam por mim, de moto ou a pé, vinham quase sempre com uma arma a tiracolo. 
Pelas quatro da tarde cheguei a uma aldeia que tinha outro posto militar. Os pachorrentos homens deram uma vista de olhos pelo meu passaporte e mandaram-me seguir viagem. Já junto à moto, preparado para arrancar, um deles chamou-me.
- O Nosso chefe chegou e quer ver o seu passaporte.
O chefe, um homem da minha geração de ar sério, só olhou para mim para me perguntar o que fazia ali.
- Sou turista.
Virou-se então para o seu subordinado e disse.
- Isto não é assim. Vocês têm que escrever tudo sobre esta pessoa que anda por aqui. Assente o nome, profissão, turista, dados do passaporte e perguntem-lhe o que anda aqui a fazer. Depois verifiquem se não traz armas na bagagem.
Dadas as ordens sentou-se na parte de trás de uma pequena moto, conduzida por um motorista, como se entrasse dentro de um jipe e, com a boina como capacete, mandou o homem arrancar.
O guarda de serviço lá escreveu todos os meus dados e ordenou a outro que revistasse as minhas malas.
- O que faz aqui? Ninguém atravessa esta fronteira em turismo.
- Pensei que era a entrada melhor.
Então, colocando uns óculos escuros disse:
- Vai ter que pagar 100.000 Francos (o equivalente a 12 Euros)
- Não pago. Já paguei o meu Visto.
- Sem pagar não vai poder seguir viagem.
Percebi que o dinheiro era para ele.
-  Ligue então para o seu chefe, que acabou de sair daqui, que falo com ele.
E pegando no telefone
- É isso que estou a fazer.

Fui à moto para beber água e ele mandou o subalterno vir dizer-me que podia partir.

10 de maio de 2019

Guiné Conakri 1

Quando deixei o Hotel em Seguela tive uma sensação estranha de que algo não estava bem, que qualquer coisa estava para correr mal.
Constatei o que foi quando, passadas quase duas horas a circular numa estrada alcatroada mas muito esburacada, ao parar numa bomba de gasolina para comprar água, verifiquei que tinha andado em sentido inverso ao que devia, numa via paralela à que percorrera no dia anterior.
Tracei um novo trajecto e fui parar à cidade de Man, mais a Ocidente do que tinha previsto antes.
No caminho estava um homem deitado na berma da estrada. Parei para ver o que se passava. Respirava mas parecia estar em coma alcoólico, pois tinha uma pequena garrafa ao lado. Carros e camiões passavam sem ligar nenhuma. Tentei acordá-lo sem sucesso. Parei então no posto de polícia seguinte, a dois ou três quilómetros, a pedir que lá fossem. Ficaram muito espantados com a minha atitude, agradeceram e disseram que já lá iriam.
A vantagem de ir parar a Man foi ter encontrado uma boa oficina, onde me fizeram novos apoios pra o GPS, que se haviam partido outra vez. 
Numa ladeira da serra junto ao Hotel em que fiquei homens e mulheres faziam tecelagem de uma forma estranha. Os novelos de fio estavam estendidos montanha abaixo, com uns pesos na ponta, para que, ao entrarem no tear, estivessem em tensão.
De Man pensei que poderia entrar na Guiné e procurar Hotel na primeira cidade mas, quando cheguei a Odienné, a 80 Km da fronteira, eram três da tarde e, felizmente decidi ficar por ali.
O dia seguinte iria revelar-se dos mais difíceis desta viagem.
Não tinha reparado que as duas únicas hipóteses de entrar na Guiné Conakri através da Costa do Marfim eram por estradas de terra. Por isso, e por ter pouco mais de 300 Km para fazer até à cidade de Kankan, na Guiné, saí do Hotel só por volta das 10,30h da manhã.
À saída da cidade fui mandado parar por uma das brigadas de policia que costuma haver nas entradas e saídas das povoações maiores, em pequenos telheiros de colmo e com uma lagarta de pregos esticada na estrada, pronta a furar os pneus de quem não pare. Normalmente mandam-me seguir mas este oficial era dos que gosta de mostrar serviço e pediu-me para verificar seguro da moto, Carnet, etc. informando-me que, se não saísse do país com a moto nos próximos três meses ela seria apreendida.
- Acha que vou a caminho de onde?
Mal passei o controlo a estrada passava a terra. Voltei atrás e perguntei se aquela era a estrada para a fronteira e se era toda assim. Confirmaram-me que sim mas que estava em bom estado e seriam só 80 Km de terra.
Um dos mapas digitais dava-me uma alternativa mais a Ocidente de maneira que perguntei aos guardas se aquela segunda hipótese não tinha melhor estrada.
O chefe disse-me que sim, que era uma estrada boa e seria melhor segui-la.
Passei então para uma fantástica estrada, alcatroada de novo, ainda sem marcações. Pensei que tinha sido optima a opção por aquela alternativa. Só que o doce acabou rapidamente. Passados uns 70 Km a estrada estava cortada, por estar em construção, tendo os últimos 40 Km até à fronteira que ser feitos numa via em terra paralela. Já não estava a ser tão bom mas iria piorar muito.
No lado da fronteira da Costa do Marfim um único guarda, à paisana, mandou-me parar. 
- É aqui que carimbo o Passaporte?
- Não. Aqui é a alfandega. O Passaporte é um quilómetro à frente, depois da ponte.
- Então aqui é o Carnet? 
- Sim, vou chamar o meu chefe.
Lá apareceu o homem.
- Vamos lá tratar disso. Teve sorte porque eu era para ter ido para Abidjan e só voltava pra semana.
- E não há ninguém que o substitua?
- Sim, tenho cá um ajudante mas ele não fica com os carimbos. Os carimbos só eu é que os coloco.
Carimbou-me o Carnet e segui até ao posto do Passaporte.
- Não temos cá carimbo para lhe dar a saída do país no Passaporte mas não se preocupe que eu escrevo aqui os seus elementos e informo as autoridades que saiu neste dia.
Provavelmente naquele momento deveria ter dado a volta para trás, pois fiquei com a ideia que ninguém atravessava aquela fronteira. Mas voltar atrás era um caminho grande, com 40 Km de estrada de terra pelo meio, e ainda não sabia exactamente o que me esperava.
- A fronteira da Guiné é aqui à frente?
- Sim, mas aí tem só um posto que vê o seu Passaporte. Só lhe carimbam Passaporte e Carnet numa vila a 110 Km daqui.