29 de abril de 2017

Colón


A directora comercial da companhia de navegação, uma preta gorducha com ar despachado, prontificou-se logo a encontrar uma solução para o meu problema de transporte. Era uma vendedora nata e passado um quarto de hora já estava a perguntar-me se não queria comprar uns óculos de moto que um amigo tinha mandado vir num contentor da China a um dólar cada, e mostrou-me logo meia dúzia de exemplares que tinha num saco neste pequeno escritório interior, com luz artificial e ar condicionado no máximo. Depois perguntou se não precisava de uma top case para a moto a 20 dólares e levou-me ao armazém para as mostrar. Entretanto eram cinco da tarde e perguntou-me onde iria ficar essa noite. Quando lhe disse que procuraria um hotel ligou para a irmã que disse me poderia alugar um quarto. E lá decidiu fechar o escritório, que eram horas, mandando os quatro outros elementos para casa e partimos, eu a segui-la na moto, ver o quarto da irmã. Antes de entrar no carro, olhou para a minha cabeça e, com um ar sério disse:
- Eu também tenho um cabeleireiro. Não quer cortar o cabelo?. Só visto.
A irmã não tinha a pedalada dela e o quarto para alugar estava sujo e ela achava que valia o preço de um hotel, de maneira que agradeci e arranquei, ao final da tarde, para Portobelo, uma pequena vila numa velha baía de piratas de onde saem alguns dos iates que vão para a Colômbia. Muitos fazem disso negócio, levando turistas a passear através das ilhas paradisíacas de San Blas e alguns, muito provavelmente, trazendo de volta um ou outro “carregamento” que ajude às despesas.
Quando estava a uns 4 Km da vila, já de noite, parei num primeiro Hostel mas achei caro para o aspecto e segui viagem até que um miúdo numa bicicleta me mandou parar e perguntou se estava à procura de transporte para a Colômbia. Um amigo dele teria uma lancha. Sabia também de um Hostel bom e barato.
Lá fiquei no “El Castillo” e, como era o único cliente, preferi uma das três camas de casal da camarata a 12 euros que o quarto individual por vinte.
O Hostel era gerido por um francês de origem Vietnamita, dos seus sessenta anos, que tinha aqui chegado no seu barco à vela há quatro anos, vindo de Marselha e por cá ficou, encantado com o local. Passeava o seu cão, que tinha perdido uma pata num atropelamento aqui à porta, ao fim a tarde, os dois numa prancha de surf, pela baía. Duas simpáticas irmãs venezuelanas tratavam das limpezas e cozinha, ajudadas por uma local. A casa era construída em cima de estacas sobre o mar e todas as noites adormecia com o som do mar a bater nas rochas debaixo do quarto. Um enorme salão/bar/restaurante era aberto para o Oceano, sem janelas. As dos quartos tinham cortinas ou persianas mas não vidros. Aqui chove mas nunca faz frio. Tudo tinha um ar muito rústico e até de certa forma perigoso, com a instalação eléctrica num estado lastimoso. Mas, tudo isso fazia parte da “patine” do local.
No dia seguinte fui até à vila saber se havia previsão de barcos a saírem para a Colômbia e completei o inquérito com uma ida até Puertolindo, a baía e porto seguintes, uns 20 Km à frente. Aí aluguei mesmo um pequeno barco a motor e fui com o dono e um ajudante dar uma volta pelos iates ancorados na baía, para saber se algum pensava partir brevemente, com espaço para transportar a “Cross Tourer”. Infelizmente, os que estavam para sair não tinham onde a colocar.
Outra solução foi apresentada por uma das venezuelanas que tinha um amigo com uma pequena lancha com dois motores que fazia o trajecto regularmente e até já tinha transportado uma ou outra moto. Contactei-o e disse que poderia fazer o transporte dentro de dois dias mas várias pessoas aconselharam-me a não seguir essa hipótese pois a lancha, com dois motores a dois tempos de 40 cv., era pequena de mais para enfrentar as ondas do mar das Caraibas, que chegam a atingir cinco metros, com uma moto de 300 Kg às costas. Mas esse assunto ficou resolvido quando o rapaz me propôs uma verba de 900 euros para o transporte, muito próxima da que pedem os donos dos barcos à vela. Estava apostado em encontrar uma solução mais económica.  



28 de abril de 2017

Panamá


A cerca de 50 Km de Panamá City deparámos com uma fila de carros paticamente parada, provocada por um desastre, que durou até perto da capital. Seguindo um dos meus companheiros de viagem neste pequeno trajecto, visto que o segundo tinha ficado numa cidade antes, fizemos mais de quarenta quilómetros por entre os carros e a berma, o que obviamente nos fez perder cerca de uma hora.
Chegámos à cidade já de noite e o meu amigo levou-me até à porta do tal Hostel que eu procurava, onde me tinham indicado que teriam o contacto de donos de pequenos iates à vela que poderiam transportar-me, a mim e à moto, até à costa da Colômbia.
O problema é que, segundo dizem por pressão dos americanos, para atrapalharem o comércio de droga vinda da América do Sul e controlarem o fluxo de emigrantes ilegais que aqui chegam, muitos deles vindos de África, não existe estrada entre o Panamá e a Colômbia. Assim terei que encontrar um barco que possa fazer este trajecto, através do mar das Caraíbas.
O Hostel, que tinha um letreiro à porta onde se lia: “boats for Colômbia”  estava cheio e quando saí à rua para me preparar para ir para um outro lado da cidade onde me tinham dito que encontraria onde ficar, um tipo branco, alto e magro, com quarenta e tal anos, a cara a pingar de suor, veio falar comigo num inglês perfeito. Todo “speedado” perguntou se eu estava à procura de hotel, que ele iria a correr a dois ou três que havia ali perto ver se tinham lugar.
Estranhei e perguntei:
- Mas, porque faz isso? Quanto pretende ganhar?
- Nada. Se quiser depois dar-me um dólar ou dois aceito.
- Você é americano?
- Não. Sou de cá.
- Porque fala tão bem inglês?
- Fui para os Estados Unidos em miúdo e só regressei há pouco tempo. E partiu a correr.
- Espere cinco minutos, disse-me já depois de arrancar.
Enquanto esperava, um preto, mais novo, simpático, veio pedir-me para sentar uma criança na moto para uma fotografia. Estava com a mãe da miúda e mais duas amigas e um amigo a fazerem sala à porta de um prédio e, conversa puxa conversa, perguntaram se não queria uma cerveja que traziam numa geleira. E ali fiquei a beber uma cerveja com eles enquanto o outro, que vim a saber ser amigo deles e morar no mesmo prédio, não regressava. Quando o homem chegou da sua correria, sempre a suar, sem ter encontrado um quarto para mim, juntou-se ao grupo.
- Eu já não toco em alcool nem em tabaco há dois anos.
- Boa, disse-lhe eu.
- Não dispenso é a Coca. Isso é que é inevitável.
- Bem me parecia, respondi-lhe. Isso dá-lhe cabo da saúde.
- Não. Morre mais gente por causa do alcool e do tabaco do que pela Coca.
- Isso é porque a Coca é um vício mais caro.
- Não, aqui não é. Mais barato que o alcool. 5 euros dão-me para o dia inteiro.
Passada uma meia hora arranquei à procura de Hotel, quando já eram nove da noite. Acabei por encontrar um não longe de ali.
No dia seguinte deixei a cidade a pelas onze da manhã a caminho de Colón, o porto que fica a 70 Km da cidade, na outra ponta do canal e de onde partem os barcos de carga, outra das hipóteses para o transporte da moto. A cidade portuária é um caos e, no meio, tem uma zona franca de vários quarteirões, com portões e guardas armados. Quando procurava onde me dirigir para encontrar transporte, perdido na confusão, um rapaz à porta de um dos prédios onde fui parar, que aí tratava de papelada de navegação,  disse-me que sabia de uma senhora que trabalhava numa companhia de navegação que me poderia ajudar. Estava numa pequena moto e segui-o até aos escritórios da companhia que se situava dentro da zona franca. No primeiro portão não me deixaram entrar e tivemos que dar a vota à mini cidade formada por lojas e companhias diversas, para chegar ao portão principal onde, a pedido do rapaz, um chefe gordo com ar de poder lá me deu autorização para entrar com a moto, não sem antes dizer a um subalterno que me inspecionasse a bagagem, o que se resumiu à abertura de duas das malas sem sequer as retirar do sítio. Um proforma.

26 de abril de 2017

Costa Rica


No dia seguinte voltei a tomar um banho de mar pelas oito da manhã e cerca das nove e meia saí com a ideia de enfrentar a tal estrada esburacada a caminho do ferry. Só que, quando estava lá perto, percebi que havia um outro ferry, mais perto e que não obrigava a enfrentar aquele trajecto. Foi um alívio e embora este segundo ferry partisse hora e meia antes do outro, como tinha saído com tempo, consegui apanhá-lo, por dez minutos, pois só há dois por dia.
A travessia deixou-me em Punta Arena, uma língua de terra que sai da parte continental. De aí arranquei até um parque que me tinham recomendado com um nome muito português, não percebi por que razão: Parque Nacional Manuel António. É um parque relativamente pequeno, com muita vegetação e vida selvagem e que, estando junto à Costa, tem boas praias. Ao chegar, ainda a cerca de 4 Km da praia, vi um Hostel sensacional, construído em madeira, no meio da floresta, com uma decoração fantástica e ventoinhas e rodarem nos terraços da sala ao ar livre. Fui até à praia explorar o local mas voltei para procurar estadia ali e instalei-me numa destas camaratas mistas de miúdos que a maior parte das vezes olham para mim com um ar de: “o que é que este velho anda aqui a fazer”?
Só nos Estados Unidos encontrei muita rapaziada da minha idade nestes Hostel, que são uma forma de se dormir barato em sítios, algumas vezes, muito giros.
Depois de deixar as bagagens no Hostel voltei á praia, já de fato de banho, regressando pelas cinco da tarde.
Jantei pelo Hostel, deitei-me cedo e, como a enorme janela mesmo em frente da minha cama não tinha cortinas, acordei pouco depois das seis. Aproveitei para sair cedo pois pretendia chegar nesse dia à cidade do Panamá, setecentos quilómetros à frente, com uma fronteira para atravessar.
Depois de um duche e de reparar o suporte de uma das malas, que me tinha saltado fora numa lomba da estrada à entrada de uma ponte em que a moto descolou as duas rodas, tomei um pequeno almoço de ovos e fruta e, às oito e meia da manhã, estava na estrada.
Duas horas depois chegava à fronteira com o Panamá. Cobram mais 8 euros para os turistas saírem da Costa Rica, como em outros países nesta região, mas a burocracia aqui foi bastante rápida e perdi pouco mais de meia hora até estar de volta ao alcatrão. A estrada que atravessa o Panamá é quase a única do país e, talvez por isso, está em excelente estado. Estão mesmo a transformá-la numa óptima auto estrada mas de momento, na maior parte do percurso, só se está a utilizar um dos lados da via, com o transito a circular com via única em cada sentido. Na meia dúzia de quilómetros em que isso não acontecia e a estrada tinha um separador central em cimento, com estreitas aberturas onde não cabia um carro, vi uma BMW do outro lado da auto estrada no que me pareceu ser um viajante em apuros. Voltei para trás através de um dos espaços no separador central e fui ter com o homem. Era um polícia que fez um ar do tipo “o que é que o senhor quer”? Pedi desculpa, expliquei a razão de ter voltado atrás e, como ele não se queixou, votei a atravessar o separador central nas barbas do homem.
Nessa manhã também tinha parado, ainda na Costa Rica, quando vi um casal em outra BMW na borda da estrada. Esses agradeceram muito e explicaram que estavam a esperar um amigo que passaria numa competição ciclística.
Ainda não tinha apanhado chuva desde que saí dos Estados Unidos mas, mal entrei no Panamá, uma carga de água tropical abateu-se sobre mim. Parei para me abrigar numa paragem de autocarro e, quando abrandou, votei a arrancar para, dez minutos depois, voltar a cair outra carga de água. Assim passei a tarde, entre períodos de chuva intensa que duravam uns dez minutos para depois chegar a uma zona onde a estrada estava seca  rodando uns vinte minutos sem chuva, com 33º de temperatura que eram suficientes para o fato secar e logo levar com outra dose.
Pelas quatro da tarde vi duas BMW numa bomba de gasolina e parei. Eram locais que tinham ido em grupo visitar o único vulcão existente no Panamá e voltavam à capital.
Perguntei-lhes se sabiam onde era um Hostel que me tinham indicado e, como um deles o conhecesse, combinei acompanhá-los nos cerca de cem quilómetros que faltavam.




15 de abril de 2017

Nicarágua


Nas Honduras cobram 40 dólares só para entrar no país e não é certamente para arranjarem as estradas, que estão uma miséria. Temos s sensação que não têm dinheiro sequer para o alcatrão dos remendos pois fazem-nos apenas com terra. Ainda pensei em ir até ao Norte do país mas cada quilómetro é um suplício de armadilhas com buracos de vários tamanhos que por vezes não se conseguem evitar. Para além disso tinham-me dito que nas estradas para o interior há muitos assaltos.
- Mas eu não viajo de noite
- Pois. Se viajar de noite tem 80 % de hipóteses de ser assaltado. Se for de dia só tem 50%.
Assim, uns cem quilómetros depois de entrar no país, instalei-me num Hotel na primeira cidade que encontrei e no dia seguinte parti em direcção à fronteira com a Nicarágua num percurso de outra centena de quilómetros.
A Nicarágua já é mais organizada e voltaram a obrigar-me a fazer seguro para a moto, por três meses.
- Mas eu só cá fico três dias. 
- Pois.
Aqui as estradas, embora continuem a só ter uma faixa para cada lado, estão bem tratadas. Tem estado calor, com as temperaturas a rondarem os 35º dia e noite. Assim, ao chegar, parti direito a uma praia de que me tinham falado. Em Montelimar há um Hotel fantástico com enormes jardins bem tratados e até uma pista de aviação privada. Fui até lá espreitar mas pediram-me quase 200 dólares por um quarto e voltei à aldeia procurar onde ficar por menos dinheiro. É uma zona pobre mas com alguns bons hotéis. Acabei por encontrar um razoável junto à praia e não só essa tarde como às oito da manhã do dia seguinte tomei excelentes banhos de mar, com a temperatura do ar a mais de 30º e a da água a uns 25.
Parti depois a caminho da Costa Rica em cuja fronteira voltaram a embirrar com a autorização que levo da Honda para usar a moto.
- Não serve. Tem que ser traduzida em Espanhol e autenticada por um advogado.
- Mas onde vou arranjar um advogado aqui?
- Aí em frente, do outro lado da rua. Está aqui o nome dele. Vá lá tratar do assunto.
E lá me sacaram mais 50 dólares.
Acabei por perder três horas para passar a fronteira, saindo de lá já perto das cinco da tarde. Assim tratei de procurar um hotel onde ficar na primeira pequena cidade que encontrei.
A Costa Rica é ainda mais verde que os países vizinhos e mal se passa a fronteira entramos numa zona de floresta cerrada que faz parte de um dos muitos Parques Naturais.
No dia seguinte voltei a procurar um sítio com praia e desta vez fui parar à ponta de uma península, a uma pequena aldeia chamada Montezuma, influenciado por uma recomendação do “Lonely Planet” que dizia: “se não tem muito tempo para explorar a Costa Rica vá só a Montezuma e esqueça tudo o resto. É difícil lá chegar mas depois não vai querer de lá sair”.
Não liguei muito ao “difícil lá chegar” e pus-me à estrada. Tinha visto que para sair dali não teria que regressar os cento e tal quilómetros para dar a volta à península pois havia um ferry que me podia levar a uma vila na parte mais continental. Só que, a cerca de 100 Km de Montezuma e depois de passar junto ao tal ferry que haveria de apanhar para regressar, a estrada passava a ser de terra e, como era através de uma serra tinha subidas e descidas íngremes e muito esburacadas que se tornaram um inferno. Foram só 30 Km até voltar o alcatrão mas duraram uma eternidade e estava com pena da moto, a levar mais uma “tareia”. Chegado a Montezuma instalei-me num pequeno Hostel e fui dar um mergulho à praia mesmo em frente. Montezuma  não é tão extraordinário como o fazem crer. A vila tem um ambiente hippy giro com turistas com ar de terem abancado ali a venderem brincos e pulseiras para lhes pagar o hache e a alimentação. Parece estarmos noutra época. O principal defeito é que os pequenos hotéis, já em quantidade, descarregam os esgotos no mar de maneira que temos que procurar as zonas limpas das praias para tomar banho. Definitivamente não é local para se classificar como “já não vai querer de lá sair”. 





11 de abril de 2017

El Salvador


Quando finalmente passei a fronteira eram cinco e meia da tarde e não pretendia rodar de noite, principalmente neste país que não conhecia e que é considerado extremamente perigoso. O homem que me tinha ajudado na fronteira disse-me que havia um Hotel decente a meia dúzia de quilómetros e que as primeiras caixas multibanco, que precisava para levantar dólares americanos, a moeda corrente em El Salvador, estavam numa vila cinco quilómetros á frente. Comecei por ir às caixas multibanco mas só à quarta consegui levantar dinheiro e apenas com o cartão VISA pois este parece ser o primeiro país que encontro, para além do Irão, onde os cartões multibanco portugueses não funcionam.
Voltei para trás à procura do Hotel. Era um dos tais moteis alugados à hora, com um mural manhoso em que se podia ver um casal em pose romântica. A imagem contrastava com o recepcionista, que saiu da pequena cabine à entrada, de metralhadora a tiracolo. Pediu-me 30 dólares pela estadia mas quando me queixei do preço ligou para o patrão que apareceu a dizer que eram 20. Por ali fiquei, já a noite caída e sem alternativa. Pedi que mandassem vir qualquer coisa para jantar da vila. Escolhi frango da lista que estava exposta numa das paredes do quarto, a fazer de quadro. Passadas duas horas em que me entretive a colocar a escrita em dia, pois nem Internet tinham, o patrão bateu-me à janela a anunciar que não tinham frango e pedi então uma espécie de panquecas com queijo no meio  que chegaram dez minutos depois.
Arranquei pelas oito e meia da manhã e às dez cheguei à praia do Tonco de que me tinham falado. É dos poucos sítios em El Salvador onde há algum turismo, atraído pelas boas ondas para surf. Aqui estavam alguns americanos de pés descalços e pranchas debaixo do braço. Mas o local era pouco atractivo, com ruas estreitas e pequenos hotéis e restaurantes com um ar bera. Bebi um sumo de frutas num bar e parti. Meia dúzia de quilómetros à frente, uma entrada para uma praia chamou-me a atenção. Entrei por uma estrada de terra que só tinha uma fila de casas a separá-la do mar e, ao fundo, dei com um pequeno Hotel com uma prancha de surf à porta a fazer de letreiro. Era explorado por uma mãe e a filha, muito simpáticas. A água mal corria nas torneiras mas a situação era fantástica, com um agradável terraço e uma piscina sobre uma praia quase deserta. Era o único cliente mas gostei tanto do ambiente que por ali fiquei dois dias, a ler e a escrever no terraço entre fabulosos banhos de mar. À hora do almoço pegava na moto e ia até um dos restaurantes do Tongo.
Quando parti fiz 200 Km até à fronteira. El Salvador é um país pobre, com menos de 300 Km de comprimentos, mas uma população que ultrapassa os seis milhões,  sujeito a várias catástrofes naturais por estar numa zona sísmica, com vinte vulcões, dois deles com alguma actividade, como pude observar ao longe. Para além disso têm tido ora períodos de grave seca ora de enormes cheias.
Alguns locais dizem que o país foi vendido aos Estados Unidos, que o têm ajudado nas crises e certamente influenciaram a mudança da moeda, em 2001, para o dólar americano. Têm muita criminalidade, alimentada por ser um dos corredores da droga que vem da América do Sul. A senhora do Hotel recomendava-me à saída: “Tome cuidado, aqui há muita delinquência” e, inocentemente, contava-me a história de um cliente Russo, que tinha tido duas semanas antes, e que era muito estranho pois passava a maior parte dos dias fechado no quarto e, as duas vezes por dia que de lá saía, avisava para não entrarem porque tinha lá colocado um alarme.
Percorri o resto o país pela estrada que segue perto da costa. Já perto da fronteira parei para assistir um pouco a uma cerimónia religiosa que se realizava num descampado junto à estrada e que tinha a curiosidade de ser acompanhada não só por um conjunto de viola e bateria como por três ou quatro cozinheiras que preparavam umas panquecas para distribuir pelos crentes. Ofereceram-me até um sumo.
Quando cheguei à fronteira já me esperava um tal Sr. Lino, há dois dias, pois tinha sido enviado pelo homem que me tinha ajudado a tratar dos papéis na entrada.
- Sr. Francisco, o Português?
- Sim.
- Eu sou o Lino. O José disse que o senhor se ia lembrar do meu nome porque tem um amigo com o mesmo nome.
Este era menos eficiente que o colega, para além de aldrabão, de maneira que ficou triste quando só lhe paguei dez dólares.
Foi bom nesse dia ter vestido as calças do fato e as botas porque muitas vezes, quando está calor, viajo de jeans e sapatos de ténis. Quando arranquei junto à fronteira, um Pit  Bull trincou-me uma perna e veio a arrastar, puxado pela moto,  sem largar. Furou-me as calças do fato com os dentes mas não ultrapassou as botas. Se venho de jeans estava tramado.


9 de abril de 2017

Guatemala City 2


Quando regressei do lago Atitlán à cidade de Guatemala fui direito ao concessionário Honda onde tinha marcado uma reparação da suspensão para o dia seguinte. Fiquei impressionado com a dimensão e o movimento. O departamento automóvel estava repleto de carros novos à espera de serem entregues e, na parte das motos, só do modelo Africa Twin tinham doze em stock. O director da concessão contou-me no dia seguinte que na semana em que começaram a comercializar o modelo venderam 20. Tenho impressão que em Portugal não há tanto movimento no país inteiro. E isto é supostamente um país pobre, com poucos mais habitantes que nós, quinze milhões.
Combinei estar lá no dia seguinte às oito da manhã e indicaram-me um Hotel relativamente barato por perto.
Ajudei o excelente mecânico a fazer a reparação e aproveitei para mudar pastilhas de travão e o óleo do diferencial que pensava nunca ter sido mudado mas que, pelo seu estado, constatei que o teriam feito quando passei na fábrica, no Japão.
Deixei as instalações já perto das seis da tarde e decidi sair da cidade para no dia seguinte de manhã não ter que fazer a muito movimentada estrada que sai para Sudeste a caminho de El Salvador. O mecânico que trabalhou na minha moto tinha-me dito que havia uma cidade a pouco mais de meia hora de caminho onde encontraria hotéis. Só que, quando achei que já tinha passado a referida cidade, perguntei por hotéis e começaram a indicar-me estradas secundarias. Ficou noite e acabei por me perder. Estes arredores de Guatemala são sinistros e os únicos hotéis que encontrava eram Moteis de estrada destes com quartos alugados à hora, que não queriam perder tempo e dinheiro com um cliente que vinha para passar a noite toda. Para manter a discrição dos clientes existe um telefone na parede da entrada que toca quando nos aproximamos e, ao atendermos, falamos com a recepcionista. Num disseram-me para voltar às dez da noite que me alugariam o quarto até às oito da manhã enquanto uma simpática mulher me informou pelo telefone que não estava autorizada a alugar quartos a pessoas só.
- Não quer então passar lá a noite comigo? Ainda nos rimos ao telefone.
Fui andando às voltas nesta zona horrível onde cada bomba de gasolina tinha um guarda de metralhadora, com um aspecto pior que qualquer possível assaltante. Passaram duas horas totalmente perdido, com cada pessoa a indicar-me um caminho diferente. Pelo meio apanhei engarrafamentos com as camionetas de transporte de passageiros Guatemaltenhas, que são dos anos sessenta e provocam uma poluição impressionante. Ás tantas entrei numa vila de ruas empedradas em tão mau estado quanto as casas. Tudo podre e com um aspecto assustador. Pelas nove da noite fiquei com fome e decidi parar num restaurante de frangos para jantar. Não tinha mau aspecto e as empregadas eram simpáticas mas, pela primeira vez nesta minha viagem, apanhei uma intoxicação com esse jantar.
Depois do jantar consegui encontrar o caminho de volta a Guatemala. Não estava longe. Andei uma hora à procura de um Hotel com um preço decente e todos eles me diziam: “se quer barato tem que ir para a Zona 1 mas recomendamos vivamente que não vá para lá de noite”. Acabei por me instalar no mesmo da noite anterior, junto ao concessionário Honda, de onde tinha saído cinco horas antes.
Dormi mal com a intoxicação e no dia seguinte acabei por sair a caminho da fronteira com San Salvador, a uns 180 Km de ali, só pelo meio dia, já em muito melhor estado. Parei já perto da fronteira para beber uma Coca Cola. A fila de camiões para passar a fronteira tinha nada menos que sete quilómetros. Quando estava a percorre-la um homem numa destas monocilindricas de 100 c.c. fez-me sinal para parar. Tinha um boné enfiado na cabeça virado para trás e, por cima, um capacete de plástico a que lhe tinha cortado a parte traseira para não interferir com a pala do boné. Ofereceu-se para me tratar da papelada para passar ambas as fronteiras, de saída de Guatemala e entrada em El Salvador, por 20  dólares. Aceitei a proposta e lá o segui a meia dúzia de quilómetros através dos camions estacionados, que por vezes ali passam três dias.


7 de abril de 2017

Guatemala City


Cheguei à cidade de Guatemala pelas cinco da tarde e, sem saber onde ficar, decidi ir até ao centro. Eles têm a cidade dividida em Zonas e esta é a Zona1.
Achei estranho ao chegar por ser uma zona de ruas estreitas com péssimo aspecto mas pensei que seria toda a cidade assim e tratei de procurar um Hotel. Numa bomba de gasolina indicaram-me um com tão mau aspecto como a Zona mas que tinha a vantagem de uma garagem onde guardar a moto. No dia seguinte soube que me tinha instalado na Zona mais perigosa da cidade, onde muita gente nem se desloca, principalmente à noite.
Estranhei ao perguntar à menina da recepção onde havia um restaurante onde pudesse jantar e ela responder:
- Se esta zona é perigosa? Sim, é. Há que tomar cuidado.
- Mas não foi isso que eu perguntei.
- Sim, sim. Estou só a chamar a atenção. O único restaurante que está aberto a esta hora fica nesta rua a dois quarteirões, numa esquina do outro lado da rua.
- Obrigado. E lá segui a caminho do restaurante.
Pela primeira vez nesta viagem de volta ao mundo senti verdadeira insegurança. As ruas eram escuras, numa zona muito degradada e sem iluminação alguma. Viam-se vultos a sair de algumas portas, alguns em grupos de dois ou três  e a caminharem pelos estreitos passeios. Eu fui até ao restaurante de passeio em passeio, a atravessar a rua cada vez que vislumbrava um destes pequenos grupos que se cruzaria comigo. Á porta do pequeno restaurante de frango assado estava um guarda de espingarda mas recolhido dentro do restaurante, não fosse ser atingido por uma bala perdida. Os clientes, estranhamente, eram absolutamente normais e pareciam não fazer parte do cenário. Depois do meu frango lá voltei para o Hotel, onde a porta de grades era aberta e fechada de cada vez que um cliente saía ou entrava, saltitando novamente de passeio em passeio por entre a escuridão. A rapariga pareceu feliz por me ver de volta.
Na manhã seguinte encontrei-me com um adjunto do Cônsul Português para o pequeno almoço. Ele tinha-me recomendado um Hotel numa zona sossegada mas como era bastante mais caro nem sequer o procurei. Sendo um Guatemaltenho, queria, essencialmente, saber a opinião dele sobre o trajecto que tinha planeado fazer nas travessia dos outros países da América Central.
Segui visitar a cidade de Antigua, velha capital, a cerca de 30 Km da actual para depois seguir até ao lago Atitlán que me tinham recomendado visitar, por ser rodeado de vulcões.
Antigua, fundada pelos espanhóis em 1543, é uma cidade linda, com as ruas todas em calçada e boas casas e monumentos erguidos pelo invasor. Fica num vale para onde se desce por uma inclinada via rápida.
Parti depois para o Atitlán, um enorme lago que, por o tempo estar enublado não me permitiu que distinguisse bem os vulcões junto à margem oposta. Já perto passei pelo que inicialmente pensei ser uma manifestação de Índios mas que ao ultrapassar verifiquei tratar-se de um enterro, certamente de alguém importante no Clã, pelo volume da assistência.
Almocei junto ao lago com um simpático casal de americanos que me chamou para a sua mesa quando me viram de capacete na mão. Eles tinham vindo até ali numa BMW e pensavam regressar brevemente aos Estados Unidos.
A caminho de Antigua tinha parado num concessionário Honda da cidade de Guatemala para saber se teriam a ferramenta que preciso para reparar as suspensões da moto, sem grande esperança de as encontrar. Eles não as tinham mas confirmaram-me que havia outro na cidade que tinha certamente, prontificando-se a ligar para lá a confirmar. Havendo a possibilidade de fazer a reparação dois dias depois, ficou marcada a operação tendo eu regressado à capital no dia seguinte a ficar junto ao lago.



5 de abril de 2017

Guatemala


Só passei uma noite no Belize pois a principal atracção do país são as ilhas e não quis viajar sozinho para uma delas. Assim, deixei Belize City pelo meio dia e, uma hora e meia depois, estava na fronteira com a Guatemala. Na fronteira do Belize tive que pagar mais 20 dólares para sair do país mas foi um processo relativamente simples. Só se complicou na entrada da Guatemala. Primeiro pediram-me para pagar dois dólares para darem um spray de desinfecção na moto.
- Mas vão lavar-me a moto?
- Não. Só passar o spray de desinfecção.
- Isso não faz muito sentido. E é mesmo necessário?
- Sim. Imprescindível. Não queremos que tragam veículos infectados para o país.
Passei então à parte burocrática já na companhia de um miúdo destes que se oferecem para nos guiar nos trâmites.
- São necessárias fotocópias do Passaporte, carta de condução e livrete da moto.
- E onde posso tirar isso?
- Na vila.
- Já dentro o país, portanto.
E lá fui eu com o miúdo a pé, passando no caminho por uma caixa multibanco para levantar dinheiro local.
Quando regressei com as cópias, incluindo a da carta de autorização do ACP, o homem disse que não poderia aceitar esta última porque não sabia quem a tinha assinado.
- Oiça, eu dei a volta ao mundo sempre com estas cartas e agora na Guatemala é o único país onde não são aceites?
- Exacto. Terá que voltar para trás com a moto.
O problema acabou por se resolver, como de costume, quando pedi para falar com o chefe, que são sempre mais sensatos e por isso passam a chefes, mas perdi uma hora e meia com o processo. Por fim, quando estava pronto para sair, lembrei-lhes.
- Mas não chegaram a fazer a desinfecção da moto.
- Ah. Não é preciso. Siga lá viagem. Percebi que as cobram mas nunca as fazem.
Convidei o miúdo que me tinha ajudado para almoçar uns tacos e segui a caminho de Tikal, mais um local com ruinas Mayas descobertas nos séculos XIX e XX mas que têm mais de dois mil anos. Acabei por ficar a 30 Km, num simpático Hotel junto ao Lago Petén Itza.
No dia seguinte visitei as ruinas e depois rodei uns 80 Km à volta do lago para ir almoçar à pequena ilha de Flores, que é ligada ao continente por uma ponte.
Parti a seguir ao almoço em direcção à capital. A estrada, uma das principais do país, tem troços com bom piso e outros esburacados. À medida que nos vamos aproximando de Guatemala o transito de camiões aumenta bastante mas sabia que não chegaria lá nesse dia. Pelas cinco da tarde, ao passar por uma pequena cidade, procurei onde ficar. Acabei por me instalar no único Hotel que havia por ali. O quarto tinha um ar desolador, com a tinta a cair das paredes e algumas pretas de sujas mas os lençóis pareciam lavados. Não havia água quente e mesmo a fria, para ser ligada, obrigava a que se tocasse uma estridente campainha junto à recepção, quando aparecia uma menina a correr e ligava a bomba que fornecia água aos quartos. Queixei-me do preço de 150 Keksales que era superior em 50% ao do simpático Hotel do lago onde tinha ficado na noite anterior. Ela disse que não havia nada a fazer, que era mesmo assim, mas passados cinco minutos veio entregar-me metade da verba dizendo que eu só pagaria 75, o equivalente a 11 euros, por estar sozinho.
Como tinha almoçado bem e tarde na ilha fui a um mercado local e comprei uma cerveja para aquele fim de tarde e uns pacotes de bolachas e dois iogurtes que foram o meu jantar e pequeno almoço do dia seguinte.


1 de abril de 2017

Belize


Quando cheguei à fronteira com o Belize pensava que o país também tinha sido uma colónia espanhola como todos os outros por aqui, e portanto, quando o primeiro homem que encontrei na fronteira me perguntou se falava inglês disse-lhe que sim mas preferia falar em espanhol. Só quando fui ter com os segundos guardas percebi que pertenciam a uma ex-colónia inglesa. Até 1973 o país chamava-se British Honduras e só declarou independência em 1981. Pertencente à Commonwealth, a rainha de Inglaterra é a chefe de estado. As notas de banco são impressas com a sua cara.
Ao entrar no México por aquela terra sinistra no Norte do país, dominada pelos gangs das drogas, o guarda da fronteira, não sei se pensando que eu era Mexicano ou pertencente a algum dos grupos que lhe pagava o ordenado, mandou-me seguir sem sequer olhar para o meu Passaporte, quanto mais carimbá-lo. Em conversas que tive no país várias pessoas acharam a situação muito estranha pois eles normalmente não só carimbam o Passaporte, com um visto de estadia no país, como exigem que se deixe um depósito na fronteira de 450 Dólares pela entrada da moto, que só é devolvido à saída. Assim, calculava que iria ter problemas ao sair, quando vissem que não tinha carimbo de entrada. E assim foi. O primeiro guarda disse-me que não me podia deixar passar e que a única solução que conhecia na lei mexicana para o meu caso era a prisão. Pedi então para falar com o chefe. O guarda que me levou ao chefe preparou-me pelo caminho: “Se eu lhe conseguir resolver a situação vai ter que me dar um abono”.
O chefe tinha um ar bonacheirão, bem disposto e despachado e, pela cara com que me disse que só havia duas soluções que seriam a prisão ou uma multa de largos milhares de dólares, percebi que já estava a pensar numa terceira.
- “É que sem o carimbo de saída de aqui não o deixam entrar no Belize”, dizia-me.
Acabou por dizer ao guarda que me acompanhou para me colocarem um carimbo em como se eu fosse um Mexicano a emigrar, que me custaria 25 Dólares. Fiz cara de achar caríssimo e quando o guarda me levou de volta e pediu a comissão dele respondi-lhe:
- “Nem pensar. Então já viu que vou ter que pagar 25 dólares por uma situação pela qual não fui culpado”.
Na fronteira do Belize o problema foi o oposto. Quando mostrei à menina um papel impresso com o selo branco do ACP, dirigido às autoridades alfandegárias do Belize com a autorização da Honda Portugal para eu utilizar a moto, estranhou e não me queria passar o papel de entrada.
- Mas qual é o problema?
- O problema é que eu acho estranho o senhor ter isto tão organizado, com um papel dirigido a cada país por onde passa.
Mas com mais dois dedos de conversa lá passou o papel de importação temporária da moto e carimbou o Passaporte.
Aqui sente-se a influência inglesa pois foi dos poucos países que me exigiram que fizesse um seguro local para a moto.
- “E como é a estrada que vai para Belize City”?, perguntei ao homem dos seguros.
- “É alcatroada"
- “Ah, sim senhor”
É a principal estrada do país e só tem uma faixa para cada lado, sem bermas pavimentadas, mas pelo menos estava remendada nos pontos mais fracos. Cerca de cento e cinquenta quilómetros depois estava em Belize City. A cidade é relativamente pequena, assim como o país que não tem mais de 300 Km de comprimento por 110 de largura e pouco mais de 350.000 habitantes. Tem das maiores taxas de criminalidade do mundo mas mesmo assim inferior à dos vizinhos Guatemala, El Salvador e Honduras.
Belize City não é a capital mas a maior economicamente e tem quatro vezes mais habitantes que Belmopan. Tem poucos prédios, com os únicos que existem a não terem mais de dois ou três andares. A maioria das ruas, que não têm os nomes gravados, é ladeada de velhas casas em madeira, quase todas herdadas dos ingleses. Fiquei em casa do Cônsul Português, um homem de negócios local, com uma boa casa com piscina e ancoradouro para o barco, fora do centro.