19 de agosto de 2016

Shikoku Island






Já estava perto da costa oriental da ilha e tinha decidido atravessar para Shikoku, com um certo medo porque achei que não podia gostar tanto do resto do Japão como daquela ilha de Kyushu.
Arranquei a caminho do ferry passava pouco das dez e ao meio dia e meia estava no porto de Usuki. Sabia que só havia dois ou três ferries por dia mas sem ver as horas pensei em ir até ao porto e esperar pelo próximo, mesmo que isso significasse ter que lá ficar para o dia seguinte.
Estava um barco atracado e a carregar. Comprei o bilhete e fiquei no hall de entrada à procura de qualquer coisa para comer na viagem de três horas e meia.
Estava por ali distraído quando um homem de capacete plástico na cabeça vem ter comigo a mostrar uma mensagem escrita no telemóvel pelo tradutor automático.
“they’re waiting for you to go on board”.
O barco estava à minha espera para partir. Assim, dez minutos depois de ter chegado ao porto estávamos a “largar ferro”.
O mar ali é muito calmo e a viagem é linda, através de várias das muitas pequena ilhas que compõem o Japão. Viajei quase sempre cá fora e só lá fui dentro para almoçar uma sopa de massa com supostamente marisco que comprei numa máquina automática. Horrível.
A sala dormitório era composta por quatro grandes espaços alcatifados onde os viajantes se deitavam. Lembrei-me logo dos quartos de pensão ao estilo japonês, que consiste em dormir no chão.
Cheguei a Shikoku sem conseguir arranjar um mapa da ilha e por isso quando saí do barco decidi manter-me mais ou menos junto à costa, com uma ou outra saída para o interior e estradas fantásticas de montanha, nesta ilha mais estreitas e sinuosas e portanto menos divertidas mas muitas delas praticamente desertas.
Numa dessas, depois de circular uns 30 Km sem ver um carro, cheguei ao alto de uma montanha e parei fascinado com a vista cá para baixo. Via-se densa vegetação por ali abaixo até uma aldeia, junto ao mar e, mais ao longe, pequenas ilhas cujo contorno tinha uma ligeira neblina que fazia com que parecessem estar a flutuar. Uma imagem extraordinária que não vou esquecer e que para mim, que sou ateu, me levou a desconfiar que Deus talvez exista.
Desci cá a baixo.
Parei numa loja da aldeia para comprar uma banana e água e, sendo quatro e meia da tarde pensei em procurar um Hotel. Quando saía da loja vi um homem ocidental, alto e forte, de barba por fazer e cabelo loiro apanhado num pequeno rabo de cavalo, dos seus quarenta e poucos anos.
-Do you speak english?
-Of course I speak english.
-O que é que faz num sítio destes?
-Isso pergunto eu? respondeu ele.
Era um Servio que ali tinha vindo parar com uma japonesa que conhecera no Sri Lanka. Vieram para aquela aldeia na ilha de Shikoku porque o governo japonês está a dar incentivos para que as pessoas regressem a estas aldeias perdidas na província. Era uma aldeia de pescadores que envelheceram e a nova geração partiu para as grandes cidades. O mesmo problema que temos em Portugal com o interior. A estes meus amigos o governo ofereceu um ordenado à japonesa para trabalhar na junta de freguesia local, além de apartamento por três anos e... um carro. Estão ali há dois anos e meio e o Servio, enquanto não arrancam com o negocio de Catering que estão a montar, chateia-se que nem um peru e afoga as mágoas numa espécie de aguardente que transporta num frasco e vai bebendo ao longo do dia. Disse-me que eu fui o único estrangeiro que por ali apareceu nos últimos dois anos.
Quando lhe perguntei por um Hotel convidou-me logo para ficar em casa deles e lá o acompanhei. Recomendou-me que levasse uma cerveja da loja que não tinha em casa e, sendo um artista, pintor, interessante e culto, passamos o resto da tarde à conversa, eu a beber a minha cerveja, que mais tarde voltei à loja reforçar a dose, e ele na sua aguardente. A mulher só voltou do trabalho às dez da noite quando o homem já estava “para lá de Bagdad”, como diz o meu filho. Muito simpática foi logo aspirar o meu quarto e fazer-me a cama de lavado e ficamos à conversa quando o Alex caiu a dormir.
No dia seguinte fez-nos um bom pequeno almoço, com ovos e torradas, e partimos os três visitar o local onde, dois anos antes, se tinham casado, no alto da montanha com vista deslumbrante sobre o mar, semelhante aquele onde tinha estado no dia anterior. Passámos depois a visitar um amigo deles que tem uma exploração de laranjas na serra. Ali plantam as laranjeiras em declives muito acentuados e para recolherem as laranjas têm, cada um dos agricultores, uma linha férrea em miniatura com uma pequena locomotiva, de cerca de um metro de comprimento e duas carruagens que descem e sobem o íngreme terreno.
Fomos depois almoçar os quatro ao que me pareceu o único restaurante da aldeia, junto à praia, para depois me despedir deste simpático casal e do agricultor japonês, que já falava um pouco de inglês, ensinado pelo artista sérvio.

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