1 de dezembro de 2012

01 Dezembro - Tehran 7

Ontem fui visitar o principal Mercado de Teerão, a que eles chamam Bazar. O Bazar tem várias entradas que dão para uma avenida cortada à maioria do trânsito e é um emaranhado de pequenas ruelas cobertas que não têm mais de três metros de largura onde se vende de tudo. Embora quando entramos pareça uma confusão, está bem organizado pois tem uma parte de joalharias, onde mulheres vestidas de mantos pretos se perdem durante horas hipnotizadas pelo ouro e pedras preciosas e falsas, outra parte só de roupas, uma de frutas e especiarias, outra de electrodomésticos e por aí fora. Cada secção tem largas dezenas de pequenas lojas, algumas pouco mais que bancas com dois ou três metros quadrados. Está sempre cheio de gente pois é aqui que os locais da classe média e baixa fazem as suas compras e deve ser o único sítio onde o trânsito é proibido às motos, que se habituaram a circular nos passeios, nas faixas contrárias, a passar sinais encarnados, enfim temos a sensação que quem tem moto pode fazer o que quer. São milhares destas 125 a 4 tempos, todas muito parecidas, mas de dezenas de marcas diferentes, que parece terem conquistado a cidade. Temos a sensação de que mesmo que os decidissem pôr na ordem já era impossível porque não haveria polícias em todo o país para lhes acertar o passo.

Hoje fui tratar de renovar o meu Visto, que se veio a revelar tarefa complicada.
Andar com visto caducado no Irão representa prisão. Ouvi dizer que as prisões aqui não são nada acolhedoras de maneira que fui ao local que me indicaram em Teerão para tentar renová-lo, pois caducava dentro de dois dias.
Não pude sair antes do país porque só amanhã deve chegar o Carnet de Portugal que me permitirá ir levantar a moto à fronteira para seguir viagem.
Quando cheguei à esquadra da polícia onde tratam deste assunto começaram por me perguntar porque queria ficar mais tempo no país e se não tinha um avião para apanhar. Quando lhes digo que venho de moto olham sempre para mim com um ar de como quem diz: “mas o homem até que não tem cara de maluco” e começam a observar melhor a minha expressão como que à procura de algum traço que comprove a teoria deles, de que o rapaz não joga com o baralho todo. Esperam um pouco nesta observação e só depois voltam a falar. “Haaaa, veio de moto. Está bem. Já vamos tratar do seu caso. Espere sentado nessa cadeira”. Passado um quarto de hora mandaram-me comprar uma pasta em cartolina, como me lembro de ter na primária, dois impressos, fotocópia de passaporte e cópia de depósito de 300.000 reais (qualquer coisa como 11 euros) numa conta bancária do estado. Estava aberto o processo.
Voltei passada meia hora com depósito feito e tudo o resto preenchido. Entreguei o processo a uma menina que me mandou voltar a sentar na cadeira. Um quarto de hora depois fez-me sinal e indicou-me um colega fardado com quem deveria falar. O homem gentilmente disse-me para voltar amanhã de manhã. Pedi-lhe por favor que resolvesse o problema hoje porque tive medo que ao deixar passar um dia o processo pudesse emperrar definitivamente e o meu visto acabar entretanto.
Disse-me que ia ver o que podia fazer e entregou a papelada, acompanhada de uma ordem, a um rapaz mais novo que seguiu com ele para dentro do escritório.
Passado outro quarto de hora o rapaz saiu lá de dentro com o processo que entretanto já trazia apensa uma folha A4 totalmente escrita à mão, que me deixou apreensivo. Que raio de testamento teriam eles a dizer sobre mim?
Pediu que o seguisse até ao gabinete do chefe. Fiquei assustado. Tinham-me dito que isto era um processo relativamente simples e agora precisava de visitar o chefe?
Subimos num estreito elevador quatro andares até ao último piso. O rapaz mandou-me esperar numa sala onde em vez de velhas “tv guia” e “caras” tinha uma única revista com o Iman Khamenei na capa.
Passados dois minutos saiu do gabinete do chefe, a quem tinha entregue o meu processo, e uma secretaria também vestida com estes mantos pretos, em que parece que recortaram uma cara de uma revista e a colaram sobre o preto, sem que se veja um único cabelo ou pescoço, mandou-me entrar à frente dela para o gabinete do chefe.
Enquanto a rapariga fazia de tradutora o homem perguntou-me porque queria visitar por mais tempo o Irão, em que cidades tinha estado nos últimos quinze dias, que outras iria visitar nos 15 dias em que pretendia estender a minha estadia, em que países tinha passado antes de chegar ao Irão e por aí fora. Por fim, ficou muito intrigado por eu ter um carimbo de Marrocos no Passaporte.
Quando eu, já baralhado, não percebia se aquilo estava a correr bem ou mal o homem sai-se com esta:
-         “Fale-me sobre Fátima”
-         “Fátima?! Mas, Fátima, Fátima?
-         “Sim, fale-me sobre Fátima”.
Fiquei embasbacado. Fátima? Quando aqui digo que sou português normalmente debitam-me uma quantidade enorme de nomes de jogadores e treinadores de futebol, a maioria dos quais mal ouvi falar, agora de Fátima nunca ninguém me tinha falado. Ainda puxei pela memória para ver se haveria algum jogador que se chamasse José de Fátima ou qualquer coisa parecida mas não. O Homem queria mesmo que eu lhe falasse de Fátima.
Bem, tentei recordar o que me tinham ensinado na catequese quando tinha seis anos, fiz uma cara de anjo e contei a história dos três pastorinhos como se de um filme cheio de luz e estrelas se tratasse. Descrevi os três pastorinhos tranquilos a levarem o seu rebanho, nossa senhora a aparecer no céu cheia de luz e brilho, uma mulher linda que falava com uma voz meiga e doce para aquelas três crianças. Enquanto contava isto fazia gestos, abria os braços para mostrar a grandiosidade do acontecimento.
O homem olhava para mim espantado, quase emocionado, como se estivesse a viver as sensações de Jacinto.
Por fim contei-lhe que de início ninguém acreditou nos três pastorinhos e eles sofreram muito até serem considerados santos.
O homem desceu à terra, recompôs-se na cadeira e disse: “sabe que na Síria se celebra o 23 de Março como dia de Nossa Senhora de Fátima?”
Não fazia a mínima ideia. Depois acrescentou qualquer coisa ao que a tradutora me comunicou, como quem transmite a um aluno que teve 20 valores na prova oral:
-“O meu chefe vai-lhe dar o visto para os quinze dias que pretende”
Agradeci ao chefe e saí satisfeito com a minha performance. Como era possível eu, um ateu, ser salvo por Nossa Senhora de Fátima? Achei que Ela deveria estar a pensar: “vamos lá ajudar este rapaz que está ali perdido no meio dos filisteus, tão perto da minha terra e sem fé nenhuma”.
Quando descíamos no elevador com o processo já assinado pelo chefe perguntei à rapariga porque se teria ele lembrado de Fátima ao que ela respondeu: “É que o meu chefe estudou muito Teologia”.

4 comentários:

  1. Nossa Senhora de Fátima está contigo. Abraço. Luís

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  2. Ana Serra e Moura05 dezembro, 2012 22:36

    Mai uma linda e fantástica historia. Continua Francisco

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  3. A nossa senhora da Fátima já te safou muitas vezes, principalmente no fim da recta da meta....

    Miguel Vilar

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  4. gostei mesmo de o ler!! pode crer que Nossa senhora de Fátima esteve ali!!! :) ;) e foi muito bom o chefe ter estudado Teologia!! LOL!! gostei do pormenor do dia de Nossa Senhora de Fátima ser Feriado na Síria!!...aqui retiram o feriado de Nossa Senhora, a 8 de Dezembro...... Dá que pensar!!!

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