Estou aqui há
três dias mas ontem à tarde, finalmente, recebi um mail de um ministério na
Birmânia a dizer que o meu guia, que eles me obrigaram a ter para atravessar o
país, chegará aqui à fronteira amanhã de manhã.
Está um tempo
fantástico, com sol e perto de 30º durante o dia e cerca de 15º à noite. Depois
de tomar um pequeno almoço de uma espécie de pão frito e chá com leite numa
tasca ao lado, passo os dias a ler numa cadeira à porta do Hotel.
Duas vezes por
dia, quando a eletricidade chega à cidade e coincide com o funcionamento da
rede de internet, o homem do Internet café do outro lado da rua chama-me e lá
vou eu navegar durante cerca de uma hora.
Ouvem-se
geradores a funcionar e militares, com capacetes, fatos camuflados, coletes à
prova de bala e armados até aos dentes, patrulham constantemente a cidade.
Temos a sensação
de estar num local de guerra. Há quinze dias fizeram rebentar várias bombas no
centro da vila, felizmente sem vítimas, mas as forças de segurança andam
visivelmente nervosas. Dentro de dois dias é o dia da República Indiano e
esperam-se perturbações. A senhora do Restaurante conta-me que o seu tio vive
“underground” e disse-lhe que, se eu voltasse para trás só podia deixar a vila
dentro de três dias. Antes disso seria muito perigoso. Senti-me um pouco
encurralado mas a pensar que fugiria para Myanmar mesmo a tempo.
Polícia e
militares estranham este forasteiro por ali. Primeiro veio o chefe de polícia
ter comigo, à paisana, a pedir-me o passaporte. Quando hesitei mostrou-me o seu
cartão da polícia. Foi tirar fotocópias ao passaporte e convidou-me a tomar chá
na tasca ao lado. Explicou-me que há muitos problemas na zona com os grupos
independentistas e pediu-me compreensão pelo controlo.
Tinha-me tornado
mais suspeito quando um conhecido membro da oposição local veio ter comigo para
me convidar a assistir a um comício que haveria no dia seguinte. Prometeu-me a
zona VIP e que teria direito a almoço. Gostava muito que eu fosse. Disse-lhe
que não me queria envolver em política mas foi à loja de computadores fazer
fotocópias do seu programa político e veio entregar-mas.
Ontem fui com uma
das miúdas do restaurante em frente à pendura na moto a uma parte mais
recôndita da vila, com ruas estreitas de lama, à procura de uma loja onde pudesse
encontrar um carregador para o computador que perdi.
Os militares
estranharam ver-me naquela parte da cidade e hoje, quando estava a jantar no
restaurante da miúda, onde através das frechas abertas no piso de madeira vemos
ratos a passearem alegremente, entraram pela barraca dentro, de metralhadoras
em riste. Dois deles ficaram junto à minha mesa e outros dois, sem dizerem uma
palavra, passaram para a cozinha e foram espiar as traseiras. Só quando
regressaram me perguntaram o que fazia em Moreh e me pediram o Passaporte.
Quando o fui buscar ao Hotel, do outro lado da rua, seguiram-me e, à porta do
quarto, perguntaram-me se transportava armas ou substância ilícitas.
A mulher do homem
dos computadores diz-me que já têm vindo aqui estrangeiros, de moto ou de
carro, tentarem passar para Myanmar mas acabam sempre por não conseguir a
famigerada autorização e voltam para trás. Uma mulher de um dos ministérios com
quem falei ao telefone também me pediu que compreendesse a burocracia porque
era a primeira vez que deixavam um veículo estrangeiro atravessar o país.
Hoje fui
questionado por um polícia de outra corporação. Com óculos escuros, bigode e ar
de “playboy”, uma imagem certamente influenciada por séries policiais
americanas, disse-me pertencer a uma “espécie de NYSF”.
-NYSF ? perguntei
eu. O que é isso?
New York Special
Forces, respondeu ele.
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