16 de maio de 2017

Mutatá


Acordámos às nove e meia da manhã e, quando saímos à rua, parecia que estávamos noutra cidade. O contraste entre o deserto nocturno, só com pequenos grupos de rapazes com mau aspecto nas ruas, e o intenso movimento de dia, com milhares de pessoas, carros, camiões, autocarros e motos de um lado para o outro, era abismal.
Fomos tomar o pequeno almoço a uma pastelaria onde tinham um pão de queijo excelente, passámos numa máquina multibanco a levantar dinheiro, que não havia em Capurganá e estávamos os dois sem um tostão, e fomos até à alfândega, dentro de uma base militar onde se chegava através de uma estrada de terra, tratar da importação temporária das motos.
Aí despedimo-nos pois o Ryan seguia para Cartagena e eu para Sul, a caminho de Medellin e Bogotá, onde iria deixar a moto antes de partir para Portugal.
Como só me despachei da alfândega às três da tarde fiz apenas cento e cinquenta quilómetros e, antes de anoitecer, instalei-me no único Hotel que havia na pequena vila de Mutatá. Não era mau e a diária foi o equivalente a 9 euros.
Aqui a vida é barata. Contratei uma miúda muito gira que deambulava pelo bar do Hotel pelo equivalente a 15 euros para passar umas horas comigo e, como ainda bebemos um par de cervejas antes e depois, acabei por me deitar só à uma e meia da manhã.
- Porque falas tão bem espanhol?
- Porque em miúdo costumava ir muitas vezes a Espanha, com os meus pais.
- Ai em Espanha falam espanhol?
Quando acordei chovia e comecei o dia numa estrada de montanha muito escorregadia, também devido à mistura da seiva da densa vegetação com a água da chuva e pelo facto dos pneus da Cross Tourer já estarem nas ultimas. Cheguei a Medellin pelas cinco da tarde e fui até ao centro para ter uma ideia da cidade. O transito é muito intenso e, por a cidade estar num vale, rodeada de montanhas, a poluição é muita e torna-se insuportável. Algumas destas montanhas que rodeiam o vale estão cobertas pelo castanho encarniçado da côr de tijolo das favelas cujas casas não são rebocadas nem pintadas. Ao longe até fazem uma imagem bonita e bem enquadrada na paisagem. O grande problema da cidade é a poluição que torna o ar irrespirável. Ainda visitei o famoso bairro de “La Puebla” mas depois procurei um Hotel onde passar a noite e no dia seguinte parti, de manhã, sufocado por aquele ar.
A estrada até Bogotá é linda, a maior parte através de montanhas com muita vegetação, e dá imenso gozo fazer. Embora na sua maioria seja uma estrada de via única em cada sentido, tem portagens, mas as motos na Colômbia, felizmente, estão isentas.
Desde o dia anterior que vinha a sentir a moto a abanar em curva mais que o norma e pensei que seriam os parafusos que seguram a parte de trás do quadro que tinham voltado a ceder mas acabei por verificar, numa bomba de gasolina, que era simplesmente o pneu traseiro que tinha perdido pressão. Vou ter que os substituir no meu regresso à Colômbia.
Cartagena foi a capita da Colômbia até 1819, quando os espanhóis a decidiram mudar para Bogotá que, por estar a perto de três mil metros de altitude não tem  mosquitos e por isso não é afectada pelas doenças que transportam, por os pequenos insectos não sobreviverem a estas alturas. Para além disso, a esta altitude, Bogotá é bastante mais fresca que o território que a rodeia e tem muito menos poluição que Medellin.
Fiquei dois dias bem instalado em casa do simpático embaixador português, que me levou a mim e outro convidado que lá tinha, a visitar a cidade, além de organizar um jantar com portugueses que por lá vivem.
A moto ficou guardada em casa do embaixador, quando parti de avião para Portugal.
No final de Setembro regresso para percorrer a América do Sul.


13 de maio de 2017

Capurganá - Colômbia


Entretanto, quem chega de barco do Panamá tem que  carimbar aqui o passaporte com a entrada na Colômbia. O homem encarregue da emigração, depois de ter visto a minha moto no porto, decidiu que eu teria que lhe pagar uma comissão pela passagem da moto. Eu sabia que era ilegal e disse-lhe que não pagava. O tipo, com ar de mafioso, cabelo rapado e fato de treino azul berrante, ficou histérico e quando, à porta do escritório, me gritava que não me daria o carimbo de entrada na Colômbia e eu teria que voltar para o Panamá, o contrabandista de tabaco vinha a passar na rua e ficou chocado com a conversa. Chamou-o e perguntou-lhe qual era o problema. O homem baixou a grimpa e mandou o seu empregado carimbar-me o passaporte.
Ontem, um brasileiro que por aqui vagueia há dois meses, sem falar uma palavra de espanhol, e dá a sensação de estar a ficar gravemente transtornado, veio mais uma vez meter conversa comigo, como a única pessoa presente na “ilha” que percebe o que ele diz. Contou-me que no dia anterior tinham morto um homem na aldeia vizinha de Sapzuro. Quando perguntei ao dono do Hostel se sabia de alguma coisa ele confirmou o crime, sem qualquer expressão de emoção, justificando-o com o facto do homem ter sido apanhado a roubar.
- Mas isso aqui é normal?
- Sim. É limpeza de gente indesejável. Tem que ser
- E a policia não faz nada?
- Não. Já sabem que tem que ser.
Penso que nestas aldeias, longe da civilização, nem há tribunais e para a polícia é um problema levar prisioneiros para serem julgados nas cidades maiores, já ligadas por estrada ao resto do país.
Dois dias depois foi um grupo de emigrantes ilegais que matou o “passador” numa casa da montanha, por ele lhes ter roubado dinheiro.
Um homem que conheci no porto quando cheguei, um simpático sexagenário com mau aspecto, só com meia dúzia de dentes na frente, que andava sempre de calções e tronco nu e me contou ter saído da prisão dois anos antes, onde tinha passado vinte por narcotráfico, confirmou-me esta lei local popular quando lhe perguntei se não havia problema em deixar as minhas coisas no porto para sair comprar uma cerveja.
- Claro. Aqui ninguém rouba nada, principalmente a turistas, porque sabem que são mortos e o corpo atirado aos peixes. Os turistas são o ganha pão da cidade.
- Quando lhe disse que achava muito tempo vinte anos por traficar droga  respondeu com um ar orgulhoso:
- É que eu pertencia ao Cartel de Cali.
Foi ele quem me apresentou o comandante do barco que nos havia de levar, a nós e às motos, até à cidade de Turbo. Pelas três da tarde foi chamar-me ao Hostel para trazermos as motos para o Porto mas, quando lá chegámos o barco ainda estava a descarregar e acabámos por passar a tarde no porto e só embarcar as motos pelas oito da noite.
Navegámos noite dentro, estendendo os colchões de campismo e sacos cama no estrado de carga, junto às motos, onde adormecemos. Fomos acordados pela tripulação às duas da manhã. Tinham encostado o barco a um cais e disseram-nos que teríamos que desembarcar ali porque o barco, sem cais livre onde poder atracar durante a noite, ia ficar ancorado ao largo.
- E não podemos dormir no barco e descarregar as motos de manhã?, perguntei.
- Não, respondeu o capitão. Têm que sair aqui, agora. E arranquem já para uma bomba de gasolina que há aí quinhentos metros à frente porque esta zona do porto à noite é muito perigosa.
Ensonados lá arrancamos até à bomba e conseguimos que nos abrissem a porta de um pequeno Hotel que havia do outro lado da rua, onde ficámos.


11 de maio de 2017

Puerto Obaldia






Pelas quatro da tarde chegámos a Puerto Obaldia, uma pequena aldeia na costa que, não sendo a ultima em território Panamiano, é a que tem um pequeno posto fronteiriço e portanto paragem obrigatória para quem precisa de carimbar o passaporte com a saída do Panamá.
Talvez para evitar que o barco fosse revistado pelos guardas fronteiriços, decidiram ancorar ao largo em vez de atracarmos no pequeno porto e deslocámo-nos, o dono do barco, o comandante e os três que iríamos sair do país, no pequeno bote a motor até à doca. Fomos recebidos por guardas fronteiriços fortemente armados e de mau humor que nos anunciaram que o posto de emigração já deveria estar fechado. Pela parte que lhes competia já tinham fechado os portões que separam a doca da aldeia. Atravessámos assim uma praia de pedras e um pequeno rio, com uma árvore caída a fazer de ponte, para chegarmos ao posto quando o homem se preparava para fechar. Sem contacto por internet tirou, com um telemóvel, fotografias aos nossos passaportes e subiu a um terraço onde apanhava sinal de rede para enviar por mensagem as fotografias para a sede, na capital, onde confirmariam a autorização para deixarmos o país. O Ryan chamou-me a atenção para o ar assustado do contrabandista de tabaco ao longo de toda a operação que parecia auto denunciar-se só olhando para a cara dele.
Partimos depois para a praia de La Miel, junto à fronteira com a Colômbia, destino final do barco.
Em La Miel o contrabandista tinha organizada a descarga das muitas caixas de cigarros para um grande armazém junto ao cais, pertencente ao fornecedor dos restaurantes da praia. No dia seguinte viriam três lanchas rápidas do porto de Turbo, na Colômbia, para recolherem o tabaco. Desembarcámos as motos e tratámos de negociar o seu transporte, em duas pequenas lanchas, para a vila de Capurganá, três ou quatro milhas à frente e já na Colômbia, onde desembarcam turistas vindos de mais a Sul, para visitarem a praia de La Miel e uma ou outra ilha por perto.
Instalámo-nos num pequeno Hostel e começamos a procurar alternativas de transporte por barco até Turbo, onde já há estrada e somos obrigados a parar para registar a entrada das motos na Colômbia. Não está fácil porque as lanchas privadas nos pedem uma fortuna para fazerem a viagem com as duas motos e acabaram por passar três dias até encontrarmos um barco de carga que as pudessem transportar por um valor razoável. O que vale é que o Hostel era simpático, em cima do mar, e a diária por pessoa o equivalente a pouco mais de cinco dólares.
Esta manhã fui ao cais, ainda não eram sete, esperar o barco de carga que chegaria de Sapzuro e poderia transportar as motos até Turbo. Chegou pelas oito e levei o capitão até ao Hostel para ver o tamanho das motos e acertarmos o preço do transporte. Partimos da parte da tarde.
Enquanto esperava no porto contaram-me as fofocas do dia. Nessa noite tinham sido presos vários emigrantes ilegais, provavelmente os africanos que tinham passado aqui pelo Hostel no dia anterior com os seus haveres embrulhados em sacos de plástico pretos, a forma que utilizam para atravessar os vários rios do percurso. Tinham sido capturados numa casa do alto da montanha, onde também descobriram droga e três colombianos envolvidos no seu transporte para o Panamá, para onde se preparavam para partir, através das montanhas da Darien Gap. A mulher do estalajadeiro contou-me ontem que o ano passado passavam aqui centenas de refugiados, na maioria africanos a caminho do Panamá. Chegavam em lanchas clandestinas, cobertos por grandes plásticos para os esconderem da guarda costeira e desembarcavam na praia, fazendo depois o trajecto a pé através das montanas, num percurso de seis dias que incluía a travessia de vários rios. A mulher contou-me que via mulheres com bebés ao colo e outras grávidas, percebendo que dificilmente conseguiriam aguentar as agruras da travessia praticamente sem comerem.  Muitos ficaram pelo caminho.

9 de maio de 2017

San Blas


Partimos depois para uma outra ilha, onde chegámos ao final da tarde. O sítio é tão recôndito que embora tenha um população de umas largas centenas de pessoas, não aparece no Google Maps, sinalizando como se estivéssemos em pleno oceano. Aqui atracámos ao lado de outro barco só para passar a noite pois nesta zona já é impossível navegar de noite. As ilhas estão perto da costa e há bancos de areia, que se conseguem distinguir à vista pelas movimentações do mar mas que mudam constantemente de posição e por isso nem o Índio que vai ao leme do barco, que conhece bem a zona, os distingue.
Largámos amarras às seis da manhã com um mar calmo e um nascer do sol maravilhoso sobre as pequenas ilhas de palmeiras que parecem montadas para bilhetes postais enquanto à direita temos a famosa faixa de Darien, uma das ultimas zonas inóspitas do globo, com montanhas cobertas de floresta virgem que são impossíveis de atravessar, não só pelas características do terreno como pelas tribos de Índios que as habitam há séculos e não gostam de visitas. Por isso e por medo que as guerrilhas colombianas passem para o Panamá, a estrada entre os dois países nunca foi construída.
Por vezes grupos de golfinhos acompanham o barco por uns minutos, ziguezagueando à frente da proa.
Às oito e meia da manhã chegámos a uma ilha maior e com mais habitantes onde descarregaríamos a maioria da mercadoria que o barco trazia, excepto as caixas de cigarros. Desde arroz e açúcar até milhares de garrafas de água e latas de refrigerantes.
Eu e o Ryan deixámos o barco, que ali passaria o dia a descarregar e partimos à procura de uma praia. Chegámos a uma pequena pista de aviação onde um grupo de locais discutia quem deveria embarcar no pequeno bimotor que partiria para a capital. O caminho para a principal praia era através da pista mas, com o avião prestes a partir, não nos deixaram utilizá-la e acabámos a tomar excelentes banhos numas rochas perto, em frente a um mar transparente de água quente. Fantástico.
As pessoas na ilha são muito simpáticas e as crianças ficam fascinadas connosco. Uma miúda de uns cinco ou seis anos agarrou-se a mim com um ar mesmo carinhoso.
Entretanto, nessa manhã, o preto mais novo, o tal que tinha estado sete anos preso por homicídio e que tinha um dos dentes da frente em ouro, veio dizer-me que estava apaixonado pelo Ryan. Nem contei ao miúdo porque acho que ele já não conseguiria dormir, mas desmanchei-me a rir perante o ar sério o preto, espantado pela maneira como eu encarava os seus sentimentos
Desde há dois dias que só tinha conseguido tomar banhos de mar, mas hoje, junto ao cais, encontramos finalmente um pequeno compartimento onde se tomava banho a entornar tijelas de água doce por cima.
Quando voltámos para o barco as botas de estimação do Ryan tinham desaparecido. O homem ficou possesso, gritando FUCK vezes sem conta, enquanto vasculhava tudo. Poderia ter sido um dos miúdos índios que ajudaram a descarregar o barco mas o mais natural era que tivesse sido algum membro da tripulação. O Canadiano anunciou que iria passar o resto da viagem a procurar as botas mas o processo foi encurtado quando o velho primo do criminoso me veio dizer que procurássemos no fosso da popa. O Ryan desceu ao fosso e, depois de tudo vasculhar, por entre a mercadoria que ainda por lá estava, encontrou as botas, embrulhadas em dois sacos de plástico. Só podia ter sido o primo, ex-condenado e apaixonado por ele, a roubá-las. Talvez para ficar com uma recordação.
Às seis da manhã o capitão colocou o motor a trabalhar para partirmos com o nascer o Sol, no ultimo dia de viagem, mas um minuto depois voltou a desliga-lo. Pelas sete da manhã levantei-me do “camarote”, por cima das caixas de cigarros, e desci ao cais ver o que se passava. Ainda havia mercadorias por descarregar pois os destinatários só naquela manhã tinham vindo, de outras pequenas ilhas, recolhe-las nas suas canoas. Lá descarregaram mais pacotes de açúcar e arroz assim como garrafas de água que pareciam não ter fim.
Partimos só pelas nove e meia da manhã, agora com mais umas pessoas a bordo. O miúdo mais novo, que tinha vindo connosco desde Colón tinha tido um qualquer conflito a bordo ou problema familiar em casa e já não embarcou, não fazendo ideia como terá voltado a Colón. Só dei pela sua falta duas horas depois e ninguém me soube explicar a razão com clareza. Em sua substituição vinham dois jovens Índios recolhidos naquela ilha, para além de um senhor que teria perto de setenta anos e me disseram ser um professor. O homem tinha metido conversa comigo na ilha por mais de uma vez e fiquei com a sensação que nunca teria saído do arquipélago, estando ao mesmo tempo fascinado e surpreendido com a dimensão do globo, sem ter a noção sequer das distancias. O Índio comerciante colocou uma cadeira de plástico a bordo onde o professor se pudesse sentar pois o barco nem no convés tinha bancos e nós sentávamo-nos muitas vezes por cima das amarras.
Seguimos viagem sempre perto da costa, com a exuberante floresta da Darien Gap à direita, e o barco ora a serpentear por entre ilhas de palmeiras, a maioria delas inabitada, e pequenas rochas traiçoeiras, por estarem meio encobertas, ora a navegar em mar mais aberto. A meio da tarde parámos noutra ilha apenas para desembarcar o professor na aldeia. O velho professor índio saltou energicamente do barco e despediu-se com um aceno.



7 de maio de 2017

Colón 5


O mecânico lá veio por volta das quatro da tarde e, antes de anoitecer, tinha o barco a funcionar. O Arturo anunciou que tinha aproveitado o atraso para aceitar mais uma carga para as ilhas, esta de açúcar, de maneira que sairíamos só na manhã seguinte, por volta das onze, meio dia. Perguntei se eles não saberiam de um Hotel por perto onde pudéssemos ficar, em vez de passarmos mais uma noite no barco, sem acesso a duches, ou sequer casa de banho.
Indicaram-nos um, de meia estrela, perto e o Arturo deixou-nos lá, antes de partir, com a recomendação para que não saíssemos do Hotel à noite, que estava colocado no coração da bandidagem. Aliás a porta do Hotel era em grade de ferro, só aberta depois do recepcionista se certificar que eram clientes quem pretendia entrar. Uma raparia que apareceu às dez da noite para comprar uma coca cola ficou do lado de fora da porta enquanto o recepcionista a foi buscar.
Na manhã seguinte estávamos no porto pelas oito da manhã, prontos para carregar as motos, como nos tinham pedido mas, pouco depois anunciaram-nos que afinal só partiríamos às onze da noite, para chegarmos de dia à primeira ilha  onde iriamos.
Entretanto o “velho” capitão tanto aparecia a dizer que vinha comandar o barco como anunciava que já não vinha. O problema parecia estar no facto de querermos sair a um Sábado quando, sendo o seu dia religioso, dizia não poder trabalhar, como adventista que era. Pôs-se então a hipótese de o barco só zarpar à meia noite, resolvendo o problema mas, se o homem já tinha dito não se recordar do caminho mesmo de dia, o que seria à noite? Por fim, o Arturo acabou por arranjar um substituto num Índio das ilhas e acabámos por só partir às duas da manhã.
A tripulação acabou assim por ficar composta por:
- O Arturo, Salvadorenho, dono do barco, que contou já ter estado envolvido no negócio de transporte em camiões mas agora estava dedicado aquele barco.
- O comandante, um Índio, nascido numa das ilhas de Carti, onde haveríamos de atracar.
- Um preto, dos seus trinta anos, originário de Isla Grande, uma pequena ilha perto de Puerto Lindo que me contou ter saído há poucos meses da prisão, onde tinha passado sete anos por homicídio à facada e que para além de marinheiro fazia de cozinheiro.
- Um primo dele, com cinquenta e muitos anos, simpático e brincalhão
- Um miúdo, neto do comandante que acabou por não embarcar, de Colón, que teria uns 15 anos
- Um mecânico, sexagenário, discreto e simpático, que já tinha trabalhado na Alemanha, Holanda  e Nova Zelândia e falava inglês.
- O traficante de tabaco, Colombiano, de Cartagena.
- O Ryan, um Canadiano que conheci em Portobelo também à procura de transporte para a sua moto, e eu.
Ainda bem que o velho comandante não embarcou porque o mar estava feio. Talvez devido à ventania que soprara nesse dia, mal deixámos o Canal enfrentámos um mar muito revolto, com ondas de três ou quatro metros. O Nautilus abanava e só se conseguia andar de um lado para o outro do barco com muita dificuldade. Sem camas onde dormirmos, pois só havia duas para a tripulação se revezar, eu e o Ryan, assim como o traficante de tabaco, deitámo-nos com os colchões de campismo, por cima das caixas do tabaco, com uma altura para o tecto da zona de carga a uns 50 cm. Eu fiquei com os pés à altura de uma janela que, no Nautilus, não têm vidros nem portadas. O meu medo era se enquanto dormisse, uma onda maior me fizesse escorregar janela fora. Fiz a primeira parte da viagem na cabine do comandante, sem conseguir dormir, devido ao abanar do barco e ao barulho ensurdecedor do velho motor diesel mas, passadas umas horas, o cansaço levou-me até ao meu “camarote” e acabei por adormecer. A hora de chegada à primeira ilha de San Blas estava prevista para as dez da manhã mas, com aquele mar a dificultar o avanço, acabámos por só chegar às três da tarde. As ilhas San Blas são fabulosas porque são ilhas Caribenhas que não estão exploradas turisticamente penso que por pressão os Índios que querem que se mantenham nesta forma selvagem. Os únicos que lá chegam são pequenos iates à vela. Como o arquipélago é composto por 370 ilhas, muitas delas são desertas. Parámos primeiro numa onde somos obrigados a registar a nossa chegada ao arquipélago e depois avançámos mais umas duas horas para atracarmos numa de três ilhas que fazem parte da pequena cidade de Carti ,no continente. Estas são povoadas por indígenas com as mulheres a manterem os seus trajes tradicionais seculares.
No cais, a família do capitão Índio, mulher e duas filhas de uns quatro e cinco anos, esperavam-no numa pequena canoa cavada de um tronco de árvore, onde partiu a remar, passar a noite a casa, numa ilha vizinha.
Entretanto o Arturo, talvez para os negócios dos transportes duvidosos lhe correrem bem, de cada vez que estamos a chegar a uma ilha, vai para a proa do barco, benze-se e reza um minuto ou dois.
Passámos ali a noite, a bordo. No dia seguinte acordámos debaixo de um sol radioso e mar calmo, fazendo uma viagem linda através das ilhas.
Na primeira ilha onde parámos nesse dia descarregámos apenas uns painéis de contraplacado de uns três metros por dois, um frigorifico, uma arca congeladora e um pequeno forno eléctrico. Uma mulher esperava no porto pela mercadoria, com dois carregadores. Fiquei com a ideia que aquilo que trazíamos era tudo o que tinha para montar um restaurante. Olhou para os painéis com um ar triste. Parecia não serem nada do que estava à espera, duvidando que aquele material fizesse boas paredes para o seu novo estabelecimento.


4 de maio de 2017

Colón 4


Fomos ver como estava a avançar a reparação mecânica do barco. A caixa de velocidades estava fora do sítio, desarmada e o homem estava em vias de também retirar o enorme volante do motor V12 Diesel, pois tinha chegado à conclusão  que o problema eram umas passagens de óleo entupidas no volante. Parecia estar ali um trabalho ainda para várias horas. Às tantas ele largou o volante do motor e voltou a montar a caixa para, já noite dentro, chegar à conclusão que teria que substituir o volante do motor. Saiu pelas nove da noite e não regressou, para desespero do Arturo.
Entretanto, um homem que por ali estava apresentou-se como o dono da carga de tabaco e que ele próprio também iria viajar connosco.
- É Colômbiano?
- Sim.
- E o tabaco vai para lá?
- Não. Vou carregá-lo em lanchas na fronteira para depois o levar para a costa da Colômbia onde me esperam camiões para transportarem a carga para o Equador.
“Isso não faz sentido nenhum”, disse-me o Canadiano quando lhe contei a história. “Se ele vai para o Equador sairia certamente muito mais barato colocar a carga num contentor e enviá-la por cargueiro através do canal para a costa do Pacífico”.
Enquanto estávamos por ali, durante a tarde e início da noite, íamos de vez em quando a um bar da esquina, que tinha a música a uma altura ensurdecedora, comprar cervejas.
Numa das vezes que lá fui pus-me a dançar com a animada dona, uma mulher de uns 130 Kg , cabelo pintado de loiro, que achou muito divertido. Noutra dessas idas ao bar, o homem do tabaco ofereceu-me uma cerveja. Ele próprio já tinha bebido umas poucas e contou-me a verdadeira história do transporte. Era contrabandista e por isso levava o tabaco para a Colômbia naquele barco.
- Depois tenho três lanchas rápidas que o levam através da fronteira. Se quiser posso levar as motos.
- E os guardas não o chateiam?
- Não. Eu pago-lhes. Hoje em dia já não me deixam é trazer Coca, que era muito mais rentável.
- Mesmo assim acho que é preferível levarmos as motos numa outra lancha.
Com as motos no interior do porto, o portão fechado a cadeado pelo homem da alfandega e sem Hoteis por perto (não vi um único em Colón), tivemos que dormir no barco, em cima de uns colchões sebentos colocados sobre uns beliches. Dormi vestido, com o blusão a fazer de almofada. Surpreendentemente até dormi bastante bem e, na manhã seguinte, só acordei às oito da manhã. Perguntei pelo mecânico mas informaram-me que teria outros trabalhos e só regressava da parte da tarde. Era sexta feira santa e tudo parecia estar fechado excepto uma ou outra lojas chinesas de maneira que tomámos um pequeno almoço de bolachas e iogurte que tínhamos comprado no dia anterior. Apanhámos um táxi até um Sopping Center fora da cidade mas só o supermercado estava aberto de maneira que acabámos a ver a internet à porta da Pizza Hut onde tinha estado uns dias antes. Voltámos pelas onze da manhã ao nosso porto e por ali ficámos, a ler e escrever.
Pelas duas e meia da tarde saímos a pé à procura de um sítio para comer alguma coisa. Dois polícias, que tentavam resolver um desentendimento local, quando nos viram disseram-nos que era muito perigoso andarmos ali sozinhos e chamaram dois colegas em bicicleta que nos acompanharam até um Kentucky Fried Chicken que havia por perto e estava aberto.
Antes de lá sair coloquei a maior parte do dinheiro nas cuecas e voltámos a pé para o porto, sem problemas.
O mecânico que seguiu connosco no barco contou-me mais tarde que, naquele dia, tinham morto dois miúdos naquela rua, por desentendimentos sobre controlo de zonas da cidade, principalmente no comércio de droga.
- Já não nos impressiona. É um problema quase diário, disse.



3 de maio de 2017

Colón 3


Ontem voltei à “selva” de Colón ver se percebia como estava a situação do barco. O guarda já me deixa passar o portão e ir até ao barco, que continua atracado no mesmo sítio, começando a parecer fazer parte do porto. O velho comandante convidou-me a subir a bordo para me dar mais explicações sobre a demora em partirmos. O seu posto de pilotagem/camarote não terá mais de dois metros quadrados com uma cama sebenta na parte de trás e um leme em ferro com o aspecto de já ter atravessado muitos oceanos enquanto a porta em madeira está a desfazer-se de podre. Estavam a carregar enormes caixas com Tabaco e disse-me que ainda esperavam outra carga para aquele dia ou a manhã seguinte, antes de podermos partir.
- Então partimos depois de amanhã?
- Sim. Em princípio.
Pediu-me se pagava já a viagem mas disse-lhe que só quando visse a moto ser carregada.
Quando chegava de volta ao Hostel parou ao meu lado um miúdo Canadiano que viajava numa velha Suzuki 350. Procurava também transporte para a Colômbia e sugeri que se juntasse a nós no barco, que um dia partiria. Ele achou boa ideia porque a alternativa que tinha era um veleiro que sairia dentro de dez dias e bastante mais caro.
Os dias vão passando sem que a situação se resolva. Quando acordo costumo dar um mergulho aqui ao lado do Hostel, nas águas mornas deste lado do Atlântico, antes de tomar um duche frio. As manas Venezuelanas só chegam às dez e meia para me tratarem do pequeno almoço de ovos estrelados ou panqueca com banana. Depois, dou um passeio de moto pelas redondezas. Um dia aluguei um pequeno barco a motor para me levar a umas praias desertas do outro lado da baía.
Vou falando ao telefone com o dono do barco. O problema agora, quando tudo parecia pronto para partirmos, foi a transmissão, que cedeu. O Arturo explicou-me que tinha mandado colocar uma caixa de velocidades reconstruída mas, quando a foram experimentar, o barco só andava para trás. O mecânico talvez resolvesse o problema durante esse dia.
Sem conseguir voltar a falar com ele no dia seguinte colocámos as bagagens nas motos, eu e o pacato Canadiano, e decidimos voltar a Colón para tentar apanhar aquele barco ou outro que pudesse estar no Porto.
Chegámos pelas onze e meia da manhã. O velho capitão tinha saído mas disseram-nos que voltaria dentro em pouco. Chegou pouco depois com o Arturo, dono do barco. Disseram-nos que o mecânico estava a trabalhar no barco e que tudo deveria estar pronto para sairmos essa noite, ou na madrugada do dia seguinte.
Entretanto, na alfandega do porto tinha mudado o responsável e este disse-nos que não nos poderia carimbar o passaporte e tratar dos papéis das motos ali. Teríamos que ir até aos escritórios centrais da alfandega na cidade, mas que, por ser quinta feira da semana santa, fechavam ao meio dia e só reabririam na segunda feira seguinte. O Arturo propôs levar-nos lá de carro. Pelo caminho ligou a este tipo da alfandega do porto a pedir-lhe que esperasse pelo nosso regresso pois ele também queria fechar a alfandega e o portão de entrada no porto, para sair de fim de semana, com as motos ainda do lado de fora.
Já apanhámos a responsável da alfandega central a almoçar numa roulotte, fora do local de trabalho, e disse ser impossível lá voltar para tratar dos nossos papéis. Só segunda feira, informou.
Decidimos então que partiríamos sem tratarmos dos papéis, com a ideia de carimbarmos os passaportes no porto junto à fronteira com a Colômbia, onde o barco atracaria. O homem da alfandega do porto cobrou-nos 30 dólares por o termos feito esperar mas deixou-nos passar as motos para dentro do porto antes de o fechar a cadeado e partir até segunda feira. Já não tínhamos alternativa senão esperar por ali que conseguissem reparar o barco.


2 de maio de 2017

Portobelo


O comandante acabou por chegar mais cedo do que estava previsto. Não era o homem com quem tinha estado no dia anterior. Este tinha os seus oitenta anos, ar de velho lobo do mar e insistiu em falar inglês comigo, embora o seu inglês fosse terrível. Era simpático e acabei por ter que voltar a negociar o preço do transporte que ficou, desta vez, em 240 dólares com a alimentação. Num intervalo da nossa conversa falou com o capitão de outro barco e ouvi-o dizer que já não se lembrava do percurso para a Colômbia, como se estivessem a falar de um percurso por estrada. Adicionado ao facto de o homem ter vindo de rezar durante três horas achei que me estava a colocar numa situação verdadeiramente desconfortável. Será que estes homens, em pleno século XXI, ainda navegam à vista nestas carcaças flutuantes?
Finalmente disse-me que ainda teríamos que falar com o dono do barco quando eu não fazia ideia que existia um “dono do barco”. Lá fomos ter com ele, que falava em voz baixa, com um outro elemento da tripulação. Era um rapaz novo, dos seus trinta e poucos anos, todo vestido de branco, incluindo o boné. Tinha uma barba com o corte ajustado a três ou quatro dias e um ar de “dealer” indisfarçável. O que vale é que o transporte que eu precisava era no sentido contrario ao movimento da droga.
O rapaz achou divertida a ideia de transportar a moto e nem quis saber o preço negociado entre mim e o capitão, como sendo um pormenor sem importância, uma atitude que não parecia coincidir com a qualidade do barco, a cair de podre.
Despedi-me do velho comandante com Alzheimer, que insistia em falar inglês comigo, não sei se para impressionar o pessoal, e parti de regresso ao meu Hostel de Portobelo onde as irmãs Venezuelanas me receberam de volta de braços abertos. Uma delas ficara muito impressionada por me ouvir falar francês com o patrão Vietnamita e inglês com outros clientes de maneira que agora me pede que a acompanhe junto dos clientes estrangeiros que vêm almoçar, para que traduza o menu. Já faço parte da mobília.
Dois dias antes tinha lá aterrado um casal de miúdos americanos, nos seus trintas, muito simpáticos, que vinham cada um na sua moto e tinham saído dos Estados Unidos há seis meses numa viagem que incluiu um estoiro do rapaz no México, quando bateu de frente contra um carro à saída de uma curva, deslocando um ombro, o que os obrigou a pararem um mês. Tinha estado um par de horas à conversa com eles e acabámos por jantar juntos. Tinham marcado um barco à vela com antecedência para transportarem as suas motos para a Colômbia, mas, mesmo sendo pequenas,  custou-lhes mais de mil dólares a cada um. Gostei imenso dos miúdos.
A pequena vila e baía de Portobelo foi muito importante no tempo dos colonizadores espanhóis, que aqui guardavam o ouro que recolhiam nas minas da América do Sul antes de o enviarem para Espanha. Por isso tinha um forte de cada lado da vila, de que hoje restam ruinas. Eram constantemente atacados, não só por piratas como pelos ingleses. O famoso Francis Drake, navegador, pirata e amante da rainha, acabou por morrer nesta baía e o seu corpo atirado ao mar, anos mais tarde dando nome à pequena ilha em frente do Hostel.
Há uns dias conheci aqui um português muito interessante. O Rui veio para Portobelo há uns anos montar uma pequena ONG que é, principalmente, uma escola de música gratuita para miúdos locais a que ele chamou “La Escuelita del Ritmo”. Tem tido imenso sucesso. Começou por ser contratado por uma família rica espanhola, que aqui tem casa, para montar este projecto e mais tarde conseguiu apoios governamentais americanos. Uma das suas alunas já ganhou uma bolsa nos Estados Unidos e outros estão a caminho. Junto à escola o Rui montou uma galeria de arte local de excepcional qualidade e está a construir um mini Hotel nesta zona que pela sua beleza natural vai certamente tornar-se um importante centro turístico na região. Um destes dias apareceu por aqui para beber uma cerveja comigo e convidou-me depois para um churrasco em casa de um amigo americano que tem uma casa no meio da selva.  O rapaz dos seus trinta anos, muito magro, ruivo, de enormes barbas, organiza passeios através da floresta para turistas em que vai falando não só sobre as muitas plantas que conhece como sobre os animais que encontram. Por vezes fazem passeios nocturnos, que incluem acampamentos onde dormem em redes estendidas entre duas árvores e protegidas por uma rede mosquiteira. Mostrou-me fotografias fabulosas de plantas e animais que incluíam muitos tipos de cobras, macacos, pássaros, etc. Contou-me que provavelmente mais de metade dos animais da selva se encontram nas árvores.





1 de maio de 2017

Colón 2


No dia seguinte voltei a Colón para tentar encontrar outra solução de transporte que não a da mulher da agencia de navegação, que consistia em mandar a moto num contentor e eu partir de avião até Cartagena, na Colômbia.
A cidade de Colón parece que acabou de estar envolvida numa guerra. As casas estão todas com aspecto que vão cair no dia seguinte, milhares de fios eléctricos  pendurados entre as fachadas e alguns postes e lixo nas ruas por todos os lados. A população passeia de um lado para o outro no meio deste estado de sítio. Dizem ser a cidade mais perigosa do Panamá e não me admira. O ambiente é quase assustador.
Desta vez fui até uma pequena doca no centro da cidade onde atracam pequenos barcos dos seus vinte a trinta metros que parecem, todos eles, deverem muitos anos ao ferro velho. Ali só têm espaço para quatro ou cinco destes barcos de cada vez. Já lá tinha passado antes mas o guarda, que arrasta o enorme portão de cada vez que chega um camião ou carrinha para descarregar ou carregar um barco, tinha-me despachado, dizendo que não haveria barcos a saírem para a Colômbia nos próximos dias. Desta vez, vendo a minha insistência, lá me deixou falar com um ou outro dos comandantes. É uma gente estranha porque nunca percebemos se estamos a falar com a pessoa certa.
- Então é você o comandante daquele barco?
- Sim, sou eu.
- Leva-me esta moto até à Colômbia.
- Sim, sem problema.
Combinamos o preço e, depois, percebo que não é ele o comandante e vai mais tarde negociar o preço com a pessoa certa par tentar retirar uma comissão.
Um homem com umas calças beijes engomadas e melhor aspecto que os outros acordou um preço comigo, intitulando-se dono do barco que partiria dentro de dois dias.
- Tudo bem. Por 250 dólares, incluindo a alimentação, levamo-lo a si e à moto até Puerto Baldia, na fronteira com a Colômbia e onde já facilmente encontra uma lancha para o transportar até ao outro lado. Vamos lá falar com o Comandante. Espere aqui.
- Mas eu pensei que você era o comandante.
- Não, mas não há problema.
- E lá foi falar com o possível comandante dizendo-lhe que eu pagaria 200 dólares pelo transporte.
- Ficou acordado trazer a moto dois dias depois, numa sexta feira, para a carregarmos e partirmos na madrugada do dia seguinte.
Quando lá cheguei, na manhã de sexta feira, o primeiro homem disse-me que estavam atrasados 24 horas, para voltar no dia seguinte. E quando eu me ía embora, assim do nada, virou-se para mim e disse, nas barbas do director da alfandega:
- Dê-me aí dez dólares.
- Não. Só pago seja o que for quando carregarmos a moto.
- Decidi então voltar à cidade do Panamá, onde só tinha estado pouco tempo. Cheguei de dia, ainda a tempo de tirar umas fotografias, depois de me instalar no Hotel onde tinha estado uns dias antes e fui jantar cedo, a um restaurante da moda local, com uma decoração moderna mas refeições pouco mais que razoáveis e caras.
Na manhã seguinte voltei a percorrer os cerca de 70 Km que separam a capital de Colón e regressei ao pequeno porto para me encontrar com o suposto capitão do barco em que deveria embarcar, antes do meio dia, como me tinham pedido.
Quando lá cheguei o guarda que passa o dia a correr o portão por onde deve passar metade da droga que entra na América Central a caminho dos Estados Unidos disse-me para esperar numa cadeira podre e suja que tinha à porta, a condizer com tudo o resto, que o capitão tinha saído e já voltava. Passada uma hora, quando dois miúdos iam a sair informou-me: este é neto do capitão. E perguntou ao miúdo onde andava o avô.
- O meu avô foi para a igreja rezar e só regressa dentro de três horas.
A ideia de um capitão que vai para uma igreja rezar três horas, antes de partir para uma viagem no seu barco a cair de podre, assustou-me.
Voltei a sentar-me e fiquei por ali à conversa com um rapaz e o homem do portão, que de vez em quando revistava de forma superficial mochilas com roupa velha antes de saírem o portão mas mandava passar sem pestanejar camiões e carrinhas de carga. Nada parecia fazer sentido.