30 de abril de 2019

Golfo da Guiné

Um dos tripulantes informou-me que o cais de onde saímos ainda tinha sido construído pelos alemães, há mais de cem anos atrás e, desde então, não tinha sofrido qualquer melhoramento ou reparação. A base da estrutura ainda estava lá para durar mas viam-se carris de vagões inutilizados à décadas e várias carcaças de barcos encalhados que ninguém pensou em remover.
O delta do Wouri é lindo, com vegetação cerrada até à água.
Mal saímos do porto alguns dos tripulantes começaram a deitar lixo, garrafas de plástico vazias e trapos com óleo, provenientes da viagem de ida, pela margem fora, deixando um rasto de sujidade atrás do barco. Fui tentado a dizer alguma coisa mas seria certamente infrutífero o meu comentário.
Olhei para a dúzia de passageiros que estavam na sala  de 200 lugares sentados onde iriamos passar as próximas horas, a única divisão com ar condicionado. Tinham-me dito que o que os piratas procuravam eram passageiros que lhes pudessem render bom dinheiro de resgate e pensei que, se fosse pirata e tivesse que escolher entre aquele grupo de Camaronenses e Nigerianos de fracos recursos financeiros e um europeu, branco como a cal, não só pela origem da sua pele como pela situação em que se encontrava, não hesitaria. 
Fui até ao convés, apreciar a magnifica vista enquanto não anoitecia e fiquei como que a meditar, sentado num dos bancos, em calma profunda.
Quando voltei para dentro, ao anoitecer, a menina do bar perguntou se não queria jantar. O prato único era galinha frita com um legume que eles cortam em lascas e fritam como batatas. Tinha um aspecto terrível.
- Mais tarde, respondi.
Quando me decidi pelo jantar pedi que me aquecesse a refeição num microondas que a tinha visto utilizar.
- Não funciona. E para o provar fez uma tentativa.
- Tem cerveja?
- Não. Só garrafa de sumo. 
Comi a galinha fria e dois ou três pedaços daquele legume frito, acompanhados da espécie de sumo e distrai-me a escrever. 
Pelas nove e meia da noite, já com todos os passageiros a dormir, tirei o fio da televisão que emitia mais ruído que vozes da ficha, descalcei as botas e adormeci numa fila de bancos, com a mala onde transporto o computador e documentos a fazer de almofada e uma das luzes do tecto a piscar com um mau contacto a dar à sala quase escura um certo ar de bar de alterne de província.
O barco era um velho ferry norueguês, dos seus 40 metros, provavelmente adquirido a caminho da sucata, em que a rampa de acesso e muitas outras coisas já não funcionavam nem nunca voltariam a funcionar. Mas, espreitando para a cabine de comando quando estava no convés, vi que tinham GPS e ouvi um rádio, o que me deixou mais descansado.
Acordei às três da manhã com o barulho do ferro a descer.
Faltavam quatro horas para o amanhecer. Quem chegaria primeiro ali, a marinha ou os piratas.
Mesmo com esse pensamento em mente consegui voltar a adormecer.
Com o raiar do dia saí ao convés. Havíamos ancorado junto a uma plataforma de petróleo na esperança que, tendo eles segurança própria, nos pudessem socorrer no caso dos piratas chegarem antes da polícia. 
A nossa tripulação revezava-se, com um par de velhos binóculos, na observação de cada canoa de pesca a motor que se aproximava mais, todas elas potenciais barcos piratas.
- Já sabem a que horas vem a marinha?
- Disseram-nos que às oito e meia. Devem estar a acompanhar outro barco para o porto. Normalmente não se atrasam muito.  
Passava pouco das oito e meia quando o capitão recebeu uma comunicação via rádio. Vinha um petroleiro a chegar que passaria junto a nós. Deveríamos segui-lo, o mais próximo possível, até à entrada do porto, que um dos semi-rígidos da marinha nos acompanharia aos dois.
Lá seguimos atrás do petroleiro, a todo o gás para o conseguirmos acompanhar. Ainda tínhamos cerca de quatro horas de viagem pela frente.
Só que, pouco mais de meia hora depois o petroleiro começou a abrandar e…. parou.
- O que se passa? Perguntei a um dos marinheiros
- Parece que está com um problema de motor.
- E agora ?
Todos faziam a mesma pergunta. O semi-rígido da marinha seguia conosco ou ficava a acompanhar o petroleiro até ser socorrido?
A resposta veio via rádio.
Seguíamos viagem. O Semi-rigido acompanhava-nos duas ou três milhas e voltava para junto do petroleiro. Um outro iria ao nosso encontro um pouco à frente.

Stress.


4 comentários:

  1. Mas até parecem organizados.
    Boa viagem, Ana

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  2. Até não correu mal! Não acordaste com tiros de espingarda. Beijinho

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  3. Mas que grande aventura......
    Vai correr tudo bem!

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  4. O barulho do "ferro a descer". Quase, Chico, quase! O barulho do " ferro a arriar", ou o barulho "do largar do ferro". Mas, pronto, estou orgulhoso de ti!

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