18 de abril de 2019

Dolisie - Ndende 2

Lá me fui safando, de lamaçal em lamaçal, na esperança de não voltar a cair. O problema maior seria se caísse dentro de um em que a moto ficasse submersa porque aí acabava-se a viagem. Para evitar essa situação, antes de avançar para cada um dos lamaçais maiores, saía da moto e ía a pé verificar a altura da água. Se passasse muito os joelhos tentava procurar uma parte que fosse mais baixa, mesmo que por vezes tivesse que mudar de trajecto a meio dos enormes aguaceiros.
Fui ficando cada vez mais cansado à medida que a água das poças se confundia com o suor que me escorria pelo corpo sem parar. Comecei a parar para descansar debaixo dos telheiros das pequenas povoações. Pedia para me sentar num banco ou no chão, se os não havia, e ali ficava à conversa com estas populações locais.
Por vezes eram apenas conversas de ocasião, sobre o estado da estrada de ali para a frente, a previsão de chuva ou a tal bebida estranha que alguns bebiam, a que eles chamam vinho mas é feito com a fermentação da folha de Palma. Outras vezes era mais séria.
O chefe de uma das aldeias dizia-me em certa ocasião:
Nós vivemos aqui tranquilos e em paz. Vocês Ocidentais é que criaram os problemas em Africa, com a ganancia do dinheiro, ao virem para cá explorar os nossos recursos naturais. Olhe para estes camiões que aqui passam, carregados de madeira, que andam a devastar a nossa floresta. Vai toda para os vossos países e nem o dinheiro que vale cá fica.
Não pude deixar de lhe dar razão.
Às tantas cheguei a um lamaçal maior, que nem carros nem camiões conseguiam transpor. Atravessei-o a custo e do outro lado estavam dois ou três carros e outros tantos camiões. Haviam recrutado vários voluntários entre condutores e passageiros para abrirem uma via alternativa através do mato e uma dezena e meia de pessoas preparavam-se para passarem ali a noite. Um homem pediu-me que lhes deixasse água mas não o pude socorrer pois andava a poupar, estava desidratado e já só tinha menos de meio litro.
Pelas cinco da tarde estava tão cansado que pensei em ficar a dormir numa das aldeias mas os aldeões avisaram-me que viria aí chuva forte e que se eu não atravessasse os dois enormes lamaçais à saída da aldeia naquele dia provavelmente teria que ficar ali uns quinze dias ou mais à espera que a água voltasse a baixar. Recomendaram-me, por isso, seguir e sugeriram que os miúdos da aldeia viessem a pé ajudar-me, para o caso de eu ficar preso na lama. De passagem também estava um dos três ou quatro taxis que fazem regularmente aquele trajecto, quando a chuva o permite. Com o condutor estava o irmão, um rapaz dos seus trinta anos, mecânico, e dois clientes. 
Segui direito ao primeiro lamaçal com meia dúzia de miúdos a correrem atrás e, por fim, o taxi.
O mar de lama era intransponível em andamento e fiquei rapidamente enterrado até meio das rodas. Os miúdos, descalços e banhados em lama, pareciam saber o que fazer e foram tirando a lama de frente das duas rodas da moto enquanto outros a empurravam ao mesmo tempo que eu, em primeira, ía avançando pouco a pouco, com a roda de trás a levantar um leque de lama que encharcava os miúdos da cabeça aos pés. Passado o primeiro lamaçal o irmão do taxista, vendo o meu ar derreado, perguntou se não queria que ele passasse o lamaçal seguinte com a moto, que sabia o que estava a fazer. Disse-lhe que sim e ele tirou as havaianas que tinha nos pés e, descalço, pôs-se em cima da moto. Com a ajuda dos miúdos lá foi passando o lamaçal. Vi que estava habituado à situação e, quando me pediu para levar a moto até à vila, poucos quilómetros à frente, aceitei.
Distribui notas de dólar pelos miúdos que ficaram radiantes e arrancámos atrás da moto com aquele condutor descalço, no velho taxi Toyota que, inacreditavelmente, ía como que flutuando por cima dos lamaçais.
Dois ou três quilómetros depois a lama tornava-se mais argilosa e começou a agarrar-se aos pneus de tal forma que o espaço entre a roda da frente e o guarda da lama da moto ficou cheio de lama, a roda bloqueou e o homem foi ao chão. Embora descalço não se magoou mas tivemos que desmontar o guarda lama para que conseguisse seguir viagem.
Chegámos à vila onde o taxi iria ficar já de noite. Ainda faltavam 40 Km com vários lamaçais até à fronteira e outros tantos já no Gabão até à vila de Ndende, onde regressaria a estrada alcatroada.

Decidi que teria que ficar por ali aquela noite. Tinha passado quase onze horas em cima da moto em condução muito cansativa e com temperaturas próximas dos 40º e humidade de quase 100%.

3 comentários:

  1. Pedro, PP Formozinho Sanchez18 abril, 2019 20:22

    Os lamaçais provocam a tal acumulação de lama entre o guarda lamas e o pneu e acabam por funcionar como travões de disco travando a roda. É típico essa situação. Boa continuação.

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  2. Fantástica a tua coragem e a bondade dessa gente que tanto te ajudou.E nós a roubar-lhes as belas árvores da sua terra. Bem-hajam. Amigos dos meus amigos meus amigos são! Vai Chico.Obrigado pelo teu exemplo de perseverança e aceitação de situações difíceis. "Ajuda-te que Deus te ajudará"! Imagina, até te "enviou" um Chofer no momento certo. Extraordinário. Forte Abraço para ti e para toda essa boa gente, e um muito bom descanso!

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  3. Tão difícil.
    Bjs Ana

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