28 de abril de 2019

Camarões 2



Os Camarões estão praticamente em guerra civil em alguns pontos do país. No Norte são os terroristas do Boco Haram e nos estados do “South West” e “North West” grupos da população anglófanos pretendem tornar-se independentes por não se sentirem integrados na sociedade francófona.

Em meados do século XIX os principais países europeus queriam ter pelo menos uma colónia em Africa, terras que prometiam enormes potencialidades de culturas que não se davam na Europa, como a da árvore da borracha, enquanto rumores já circulavam acerca das grandes reservas minerais do continente. Em tratados muitas vezes secretos repartiam entre si o continente com acordos onde os locais não tinham uma palavra a dizer, mesmo se por vezes a forma mais fácil de os ocuparem passasse por entendimentos com os lideres locais, que não encontravam alternativa para se protegerem de outros europeus. Num destes tratados secretos Ingleses e Alemães, por incrível que pareça face à suposta antiga aliança entre Portugal e Inglaterra, chegaram mesmo a acordar dividirem entre si os territórios de Angola e Moçambique, expulsando os portugueses.
A maioria da costa Atlântica africana havia sido conquistada pelos portugueses, mesmo se, por falta de meios, nos mantivéssemos junto à costa. Perto do final do século fomos expulsos de grande parte dessa costa por potencias mais fortes militarmente como os holandeses e franceses. 
O próprio nome de Camarões havia sido atribuído ao local, no Sec. XV, pelo explorador português Fernando Pó, que encontrou grandes quantidades de Camarões na foz dos rios Ndian e Wouri. 
Em 1885 foi a Alemanha que ficou com o que são hoje os Camarões mas, no final da primeira grande guerra, ingleses e franceses, como vencedores, repartiram entre si o território. Quando, em 1960, os franceses decidiram conceder a independência às suas colónias africanas, o país foi reunificado mas as populações anglófonas, em menor numero, sempre se consideraram excluídas. Em 2017 revoltaram-se pretendendo separar-se do resto do país para criarem um estado independente. Formaram milícias que têm causado muitos conflitos, com largas baixas. O governo, por seu lado, tem reagido violentamente, com militares a matarem vários civis de forma bárbara na semana em que lá passei.
A região pior é onde se encontra a fronteira com a Nigeria mais a Sul que, o ano passado, chegou mesmo a ser fechada. A entrada do Norte, pelo seu lado, é ocupada pelo Boco Haram, um grupo terrorista extremamente violento.

Assim, sem ter passagem terrestre para a Nigeria, resolvi ir ao porto de Limbe para tentar encontrar um barco que me levasse até ao outro lado da fronteira, Calabar, na Nigeria.
Acontece que Limbe é outra das zonas anglófonas, onde também tem havido conflitos, pois está no “South West State”. E, por azar, as autoridades captaram comunicações a organizarem uma revolta para o dia em que cheguei a Limbe, sem o saber. Tinha ficado em Douala na noite anterior, a 60 Km de distancia mas já nesse estado.
Estranhei tanta tropa na estrada entre Douala e Limbe. A cada 5 Km havia uma patrulha militar, armada até aos dentes, a mandar parar os carros que lhes parecessem mais suspeitos. A mim recomendavam repetidamente que, se não podia evitar andar por ali, nunca saísse da estrada principal.
Fui até ao porto de Limbe mas estava fechado. Disse o que pretendia ao guarda de serviço e ele recomendou-me que procurasse no pequeno porto de Tiko, 20 quilómetros para trás. 
Perto do porto parei na beira da estrada junto a uma mulher que preparava maçarocas num fogareiro e foi esse o meu almoço. Perguntei-lhe o caminho para o porto e também insistiu para que não saísse da estrada principal. Só que os últimos três quilómetros até chegar ao porto eram uma estreita estrada de terra. Num primeiro posto policial perguntaram-me onde ía mas depois de um pequeno interrogatório, deixaram-me seguir. Mais à frente, já junto ao porto, um segundo posto com as mesmas perguntas.
Estava um pequeno cargueiro a descarregar e fui falar com o capitão. Sim, seguiria no dia seguinte para Calabar e poderia transportar-me a mim e à moto. Negociei um pouco o preço, sem grande convicção, pois tanto eu como ele sabíamos que não tinha alternativa e acordámos perto de 200 Dólares.
Pediu-me para lá estar no dia seguinte às três da tarde.
- Partiremos às seis. A meio da noite vamos largar amarras ao largo pois teremos que esperar que um barco da marinha venha ter conosco, ao nascer do dia, para nos acompanhar até ao porto, pois há muitos piratas na zona.
Não me parecia um programa atractivo mas não tinha alternativa. 
- Conhece algum Hotel aqui na zona ou será melhor ir ficar a Limbe esta noite?
- Não conheço mas penso que há alguns. Não volte hoje para Limbe que a situação está muito tensa e são esperados conflitos.
Mas fui, por ser o local mais perto onde encontrar um Hotel decente.
O Hotel era em cima do mar e tinha excelente vista para umas ilhas no horizonte e, mais perto da costa, uma plataforma de petróleo.
Na manhã seguinte pedi para deixar o quarto só à uma da tarde e almocei antes de sair. Passei numa loja de câmbios a trocar Dólares e parti para o Porto. 
Os dois postos policiais à entrada do porto, com pouco que fazer, voltaram fazer-me um interrogatório completo.
- O que traz nas malas?
- Roupa
- Não traz armas?
- Não
- De certeza que não traz armas?
O segundo posto foi mesmo ao ponto de me revistar todas as malas.
Carimbei o passaporte num pequeno posto fronteiriço do porto montado num contentor e esperei pelo embarque enquanto os carregadores acabavam de descarregar. O ambiente dos estivadores é péssimo com quase todos, um a um, a virem-me cravar dinheiro sem qualquer justificação.
Um dos homens da alfandega, que me acompanhou até junto do barco para confirmar com o capitão que eu e a moto iriamos mesmo embarcar antes de me colocar o carimbo no passaporte, dizia-me às tantas:
- É português? Sabia que foram os primeiros a cá chegarem? Porque se foram embora? Já viu o estado em que este país está. Diga lá para voltarem, a ver se colocam isto em ordem.

O navio, que tinha vindo carregado de mercadoria da Nigeria, largou o porto com não mais que uma dúzia de passageiros e a minha moto, às seis em ponto. Estávamos na zona anglófona do país. Ali parecem cumprir horários.

5 comentários:

  1. Zona perigosa, mas tinha de ser!
    Tudo a correr bem,bj

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  2. Ambiente muito tenso e perigoso. Interessante o homem dizer te que queria os portugueses de volta!!
    Continuação de boa viagem Chico.Abraço.

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    1. Coitado do homem, nem sabe no que se meteria! ;)
      Boa viagem, Ana

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  3. Se nao fossem os navios e as embarcacoes, estarias no mato sem corda (literalmente). Abraco. PEC

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  4. João Golegã Prazeres30 abril, 2019 02:12

    Maravilha de Viagem , isso é q é viajar !
    Sem Rumo é q é

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