21 de abril de 2019

Dolisie - Ndende 3

Haveria um Hotel naquela pequena Vila?
Disseram-me que o único possível era fora da vila, junto ao rio. O encarregado estava por ali.
- Sim, os quartos têm casa de banho com duche e ar condicionado.
- Não, a cozinha não está a funcionar.
- Está lá alguém para me mostrar o quarto?
- Não. Sou só eu. Já vou para lá.
- Poderei levar alguma coisa para cozinhar lá? É que na vila não há um único restaurante.
- Sim, sem problema.
Dei 50 Dólares aos dois irmãos do taxi pela ajuda, na condição de me pagarem o equivalente a seis, em Francos, que custava o Hotel, comprei meia dúzia de ovos e uma cerveja na Mercearia local com os trocos que me restavam e fui para o Hotel.
Parecia o de um filme de terror.
A situação era fantástica, em cima de um rio, mas o aspecto era de ter sido abandonado há anos, antes mesmo de a obra estar concluída. 
A entrada, com meia dúzia de degraus e colunas forradas a estuque, afastada uns vinte metros do rio, dava para uma enorme sala de chão em mosaicos brancos. Os únicos móveis eram uma mesa de plástico junto à entrada e quatro cadeira empilhadas, onde jantei e tomei o pequeno almoço. À direita uma sala mais pequena com dois sofás velhos onde o responsável e empregado único do Hotel dormia. Dessa sala seguia um corredor vazio que dava para um hall com uma telefonia velha com ar de não funcionar há décadas em cima de outra mesa plástica carregada de pó e sujidade. Entrámos no quarto e o homem colocou uma lâmpada no fim de um fio pendurado para o iluminar. Noutra ponta do fio ligou a ficha do barulhento e totalmente ineficiente aparelho de ar condicionado. As paredes estavam sebentas e no parapeito cheio de pó de uma janela de grades mas sem vidros que dava para a casa de banho, estava pousada uma escova de dentes usada. Parecia-me um regresso à India mas em pior.
Por cima do lençol sujo bem esticado, como se estivesse lavado, estava um cobertor dobrado de uma maneira a fazer um efeito, ao estilo dos hotéis pretensiosos.
- Não tem almofadas?
- Não, isso não temos.
- E lençol de banho?
- Também não. Estão na arrecadação e não tenho a chave.
Dentro da casa de banho sebenta um grande balde e o que parecia um bidon de gasolina de vinte litros em plástico amarelo.
O homem tinha uma mão partida, inchadíssima, resultado de ter levado com um ferro numa cena de pancada na semana anterior, com isso justificando a sujidade geral que parecia acumular anos de desprezo.
- E não vai ao Hospital?
- Aqui não há Hospital.
- Mas vá a Dolisie ou a Ponta Negra.
- Não tenho dinheiro para o transporte. Tenho dores 24 horas por dia. Não consigo dormir nem trabalhar. Quer que faça os seus ovos? 
- Não, Vou tomar um duche e já os faço.
Despi-me, entrei na casa de banho e abir a água do duche. Não corria.
Enrolei-me no toalha que trago na mala e fui procurar o homem que jazia no seu sofá.
- A água não corre nas torneiras.
- Pois não. Por isso está lá o gerrican com água e o balde onde a colocar. Quer uma caneca para entornar água por cima?
- Assim seja.
E lá tomei banho a entornar canecas de água tiradas de um balde por cima do corpo. No estado em que estava soube-me a duche em Hotel de cinco estrelas.
Fresco e lavado fui então fazer três ovos mexidos para o jantar. Os outros três ficariam para o pequeno almoço.
Com uma lanterna, o homem guiou-me até à cozinha através de duas salas onde chão e paredes ainda estavam em cimento rebocado, sem portas nem móveis.
A cozinha conseguia ser a divisão mais suja da casa e o fogão, onde só funcionava um dos quatro bicos, tinha perto de um centímetro de felugem e restos de comida a cobri-lo.
Abri o primeiro ovo para dentro de um prato supostamente lavado. Estava podre. Felizmente tinha sido o primeiro. O homem espantou-se por os dois seguintes estarem bons.
- Tem manteiga?
- Não, mas tenho óleo

Coloquei um fio de óleo no fundo da velha frigideira de alumínio sem pega e fiz dois ovos mexidos, guardando os outros três para o pequeno almoço.


2 comentários:

  1. Chico, admiro a tua incrível decissão de aceitares todas e quaisquer situações adversas que te aparecessem no caminho....quer fossem comportamentos humanos malévolos ou logística, como por exemplo esta que acabaste de descreve,sem que estas ter fizessem desviar do teu objectivo. Essa superação de obstáculos fazem com certeza de ti, no mínimo, um homem com uma visão alargada do mundo, da condição humana e da nossa imensa capacidade, afinal, de sermos maiores do que o nosso sonho. Obrigado amigo e continuação de boa viagem!

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