27 de abril de 2019

Camarões 1

O Norte dos Camarões é maioritariamente muçulmano. Transmitem uma tensão, uma espécie de revolta interior difícil de explicar. Na vila da fronteira as mulheres na rua andam todas de cabeça tapada e muitos homens, principalmente mais velhos, usam túnica.
Uma mulher na fronteira recomendou-me o único Hotel possível da vila e foi lá que fiquei.
Estava cansado e, como o Hotel era decente e barato, decidi por ali ficar mais um dia. Na tarde do dia seguinte procurei uma oficina destas pequenas motos, para tentar soldar os apoios do GPS em alumínio, que se haviam partido. Encontrei uma perto do Hotel. Rapidamente se juntaram vários populares à volta da moto enquanto desmontávamos as peças para o homem as levar a soldar. Estes tipos parecem estar sempre a discutir, revoltados com tudo e todos. Não sei do que estariam a falar mas era uma bagunça à minha volta. No video que fiz até comentei se estariam a discutir sobre a forma de me cozinharem, com cebola ou em tomate.
Enquanto esperava que o homem chegasse com as peças que levara para soldar fui até ao outro lado da vila para trocar dinheiro. Depois de o fazer liguei a GoPro no capacete para filmar a confusão daquela localidade, com muitas centenas de pequenas motos a circularem de um lado para o outro na que era a rua principal. Quando me preparava para arrancar um homem, que estava com duas mulheres muçulmanas e as mandou seguir, parou junto a mim, disse que era polícia e perguntou se eu tinha autorização para filmar. Pedi-lhe que se identificasse por estar à paisana mas em vez de o fazer disse que o seguisse até à esquadra local. Mandou parar uma das muitas motos que passavam, montou-se atrás, ordenou ao rapaz que o levasse à esquadra e fez sinal para que os acompanhasse. Na delegação, uma barraca de madeira que só pude identificar pelo carro de polícia estacionado à porta, contou aos dois guardas, fardados, que me tinha apanhado a filmar, como se de um crime se tratasse.
- Não sabe que está na fronteira e não pode filmar?
- Eu sou turista e como tal estou a filmar a vida local. Isto não é a fronteira.
- Ai não é a fronteira? Não é a fronteira? Não sabe que isto é a fronteira? É mesmo a junção de três países, Gabão, Guiné (Equatorial) e Camarões. Temos tido problemas com mercenários estrangeiros que passam para a Guiné.
- Acha-me com cara de mercenário? Eu sou um simples turista.
- Nunca se sabe. Apague o filme por favor e deixe-me ver o seu passaporte para ficarmos com a sua identificação.
Fingi que apaguei o filme enquanto anotavam os meus dados.
- Porque visitou tantos países nos últimos tempos?
- Sou turista. Ando a gastar dinheiro no vosso país. Deviam receber-me bem.
Estava a ficar chateado mas esforcei-me por manter um sorriso.
E lá me deixaram seguir. 
O mecânico tinha regressado com as peças soldadas e montamo-las, já no lusco fusco, antes de regressar ao Hotel.
Na manhã seguinte parti em direcção a Yaoundé para depois desviar para Douala.
Atravessava uma aldeia a meio do dia quando vi um banco em madeira junto à estrada. Parei para descansar. Do outro lado da rua, um velho à porta de uma barraca chamou-me:
- Não se quer deitar aqui em casa a descansar?
-  Não, obrigado, estou aqui bem.
Atravessou a rua e veio oferecer-me dois Abacates. Sentou-se ao meu lado a conversar
- Você é um homem da minha idade. De onde vem?
Contei-lhe um pouco da minha viagem.
- Extraordinário. Vou a casa buscar um papel e uma caneta para lhe deixar a minha morada.
Com uma mão que se esforçava por controlar, a lembrar-me a da minha mãe quando, já com noventa anos, lhe custava escrever, assentou morada e telefone no papel.
- A morada já não serve de muito, dizia-me desconsolado. Deixaram de distribuir correio por aqui. É triste quando isso acontece. Era tão bom receber uma carta escrita à mão.  
Juntara-se uma dezena de jovens, rapazes e raparigas, à nossa volta a ouvirem atentamente a conversa dos dois velhos.
- Não se preocupe. Tem filhos?
- Tenho, 12. Oito rapazes e quatro raparigas. Um está no Canadá e três em França.
- Está aqui algum?
- Sim, está.
O velho olhou à volta a tentar reconhecer alguma das caras dos miúdos.
Um deles identificou-se.
- Vou deixar o meu email a este seu filho e vamos comunicar por email. Concordo que não é a mesma coisa mas é o que temos agora.

Despediu-se de mim com três beijos na cara. Simpatizei com aquele velho.



6 comentários:

  1. Sempre a arriscar...
    Que animal traz o miúdo na mão?
    Bjs, Ana

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    1. Não sei. Parecem uma espécie de Castores que pare eles devem ser um petisco. Reparou que na fotografia de cima o miúdo tem uma camisola da selecção nacional? Beijinhos

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    2. Pois, não tinha visto!Espectáculo!
      Portugueses ainda a conquistar pelo mundo fora.
      Bjs, Ana

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  2. Tinha seguido o seu blogue até Brasília , os meses passaram e ontem vejo que já vai a meio de Africa, pus a leitura em dia e agora acompanho essa viagem espetacular só possível de ser feita por um Português teimoso para vencer tanta lama e burocracia. Continuação de boa viagem , abraço.

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