2 de maio de 2019

Nigeria 1

Chegámos a bom porto. 
Do lado de terra vários homens discutiam entre si, oferecendo-se para tratarem do desembarque da moto que, sem rampa de acesso, teria que ser descarregada através de tábuas colocadas para o efeito. Um processo que me faz sempre aflição, com medo que chegue o dia em que a moto cai ao mar.
Primeiro disseram aos passageiros que esperassem dentro do barco para depois nos dizerem que nos dirigíssemos aos escritórios do porto. A desorganização é total mas, caricato, a tripulação comunicou-nos que teríamos que colocar um colete de salvação para passar a rampa de saída, com protecções laterais, provavelmente a única peça naquele barco que oferecia total segurança. 
“Ordens da capitania, para vossa segurança”.
Nos quinze dias anteriores ao embarque para a Nigéria o embaixador português no país tinha-me enviado nada menos que seis emails a tentar persuadir-me a não o atravessar.
Não venha. É loucura total. Perigosíssimo. Raptam pessoas todos os dias. Principalmente estrangeiros. Nós só vamos para o aeroporto com escolta policial. O ultimo português raptado foi morto. Os grupos de raptores já distribuem entre eles uma tabela com os valores de resgate a pedir por cada estrangeiro, conforme a nacionalidade.
E mandou-me um mapa com manchas de várias cores que preenchiam todo o país diferenciando as zonas por maiores probabilidades de rapto, criminalidade, terrorismo, venha o diabo e escolha. 
Pensei que um português velho e gasto não devia estar muito bem cotado naquela tabela dos raptores. 
Outra questão que colocava a mim mesmo era que, sem dinheiro pessoal para pagar qualquer tipo de resgate decente, seria que o Costa estaria disposto, nestes tempos em que está difícil cumprir a meta do défice e em que a Segurança Social pode ter os dias contados, a gastar um tostão que fosse para salvar um tipo que está perto da idade da reforma e que, daqui para a frente, só dará despesa ao Estado?

Quando o embaixador concluiu que os seus esforços eram em vão e eu iria mesmo atravessar o país ligou-me, no dia anterior ao da partida.
- Já vi que não o consegui convencer. Pelo menos siga o meu conselho. O seu único trunfo é o factor surpresa. Por isso não pare em lado nenhum, seja porque razão for, nem que tenha que fazer chichi nas calças em andamento.
A entrada no país começou mal. Nos escritórios da alfandega passei por uns dez funcionários entre verificação de passaporte, carimbo, leitura de impressões digitais, verificação do boletim de vacinas, etc. etc. Até uma simpática senhora me apontou um termómetro à testa, para ver se entrava no território com febre. Foi a única que não me pediu uma gorjeta. Recusei a todos, obviamente. 
No meio da confusão o homem que se encarregou do desembarque da moto dizia-me que me levaria a sair por uma porta secundária do porto em que não teria que passar por todo aquele processo.
- Não. Quero fazer tudo segundo a lei, não vá o diabo tecê-las.  
Enquanto uns viam o passaporte outros insistiam em que queriam verificar a bagagem e um homem de óculos, com ar mais calmo, acompanhado de uma mulher, dizia-me que, no final daquele processo, ainda teria que passar pelo escritório deles, por causa da moto.
Ali revistavam-me a bagagem ao pormenor, como nunca ninguém me revistara antes em país nenhum. Pediram-me até para abrir e despejar o saco do “necessaire”
- Não toque, que eu tiro tudo cá para fora. Sim, são preservativos. Quer que os abra?
Por fim, livre daquela gente, segui o homem dos óculos até ao seu escritório. Levou-me ao chefe para lhe mostrar o Carnet. Foi o único homem civilizado que encontrei no país.
Quando a mulher me pediu o Passaporte pela terceira vez virou-se para os dois e disse:
- Porque estão a chatear o homem? Não percebem que é um turista que vem aqui gastar dinheiro e que devemos trata-lo o melhor possível? Carimbem o Carnet rapidamente e deixem-no ir à sua vida. 
Perguntei-lhe se sabia de algum Hotel por perto
- Não tem Hotel marcado? É muito perigoso andar aí pelas ruas à procura de Hotel. Aqui raptam muita gente. Quando estiver pronto diga que eu vou à sua frente até um Hotel decente. Não pode ir para um barato.
A mulher ainda pediu que voltasse a entrar no escritório dela e do homem dos óculos para me pedir dinheiro.
- Não tem nada para nos dar? Não me diga que não nos vai dar nada?
- Não, não tenho.
Segui o carro do chefe até um Hotel perto.
- Só saia do Hotel quando partir, de manhã. Você é um alvo fácil.
Mas tive que sair, para atestar o depósito e levantar dinheiro local numa caixa multibanco. Os locais olham para mim na bomba de gasolina de ar sério e posso ler-lhes os pensamentos: “como é que vou sacar dinheiro a este gajo”?
Ao regressar ao Hotel decidi trocar mensagens com o meu amigo Alexandre Correia, que tem andado muito por Africa.
- Tu estás no que é considerado o lugar mais perigoso do mundo. Foge já para Norte. Há uma estrada, através de um parque natural, em que fazes mais cem quilómetros que o normal a caminho do Ocidente. Tens que ir por aí. Não continues, de forma alguma, junto ao delta do Niger.

3 comentários:

  1. Ui, que agradável! Espero que tenha seguido os conselhos do Alexandre.
    Bjs
    Ana

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  2. Foi bom não teres dado dinheiro aos primeiros, se tivesses dado passavam a palavra e não tinhas descanso.
    Esse país está muito mau, beijinho

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  3. é dos países mais complicados que conheço e perigoso , no entanto com a sua postura e respeito pelos locais que atravessa considero que só isso reduz bem .... 30 % ao risco , os outros 70% divida pelo prazer de conhecer , pela paisagem , e porque gosta de sentir esse "frisson " nas costas , abraço e boa viagem , há já agora , não conte muito com o Costa !!

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