Aldeia
Dia difícil mas
extraordinário.
Ontem à noite
comi qualquer coisa que me fez mal. Tenho a impressão que foi quando furei a
regra que tinha imposto a mim próprio de só comer produtos cozinhados ou fruta
descascada por mim ao pedir um sumo natural de “sweet lemon” para acompanhar o
jantar.
Tinha posto o
despertador para as 8 porque previa 400 Km difíceis, incluindo uma passagem de
fronteira, até Katmandu. Custou-me a levantar e só consegui sair às onze e
meia, quando me comecei a sentir melhor.
Ontem tinha sido
complicado ligar a internet. Quando requeri a ajuda de alguém à recepção do
hotel mandaram-me primeiro um miúdo que mudou a configuração do modem no meu
computador sem conseguir resolver o problema e mais tarde um “expert” que,
segundo eles só atendia casos extremos depois do miúdo não se safar, que
resolveu o assunto em dois minutos. Só que fiquei sem acesso aos meus mails e
ao site do meu banco.
Estranhei mais
quando de manhã, ao ligar o computador, me apareceu uma mensagem a dizer que o Id do meu computador estava a ser
partilhado com outro. Para além disso não conseguia aceder à internet. Fiquei
preocupado e chamei rapidamente o miúdo para mudar a Id do meu computador, o
que ele fez rapidamente. Entrei nas minhas contas bancárias e ainda não tinha
sido assaltado.
A “Cross Tourer”
levou uma grande sova e, com as vibrações, começaram mesmo a saltar alguns dos parafusos que seguram os
plásticos laterais.
A fronteira da Índia
com o Nepal parece um filme. Comecei por passar por uma fila interminável de
muitas dezenas de camiões para, cerca de
um quilómetro à frente, um tipo com ar ocidental me chamar quando atravessava a
aldeia para indicar o escritório onde me deveria dirigir e carimbar o
passaporte. Se não fosse a placa à porta não acreditava que se tratava de um
local oficial. Estavam perto de 40º e todos suávamos. O mesmo homem propôs-se
ir comprar-me uma água “dê-me 20 rupias”. Voltou com uma garrafa de água morna
e a seguir sugeriu que deveria trocar dólares numa loja em frente que no Nepal
levariam mais caro. Desconfiei mas aceitei trocar 100 dólares contra vontade do
amigo dele que insistia que eu trocasse 300, que 100 “não me chegariam para
nada”. Fiquei-me pelos cem e obviamente confirmei depois no Nepal ter sido
aldrabado.
Depois de
carimbar o passaporte passei para um escritório do outro lado da rua, 50 metros
à frente, onde guardas adormecidos acabaram por carimbar o Carnet da moto,
depois de sacarem uma caixa com carimbos e um livro de registo de cima de um
monte de sacos que não sei o que conteriam.
Passei então para
a fronteira do Nepal. Os guardas que estavam do lado esquerdo da estrada indicaram-me
uma pequena casa do outro lado da rua. À porta um homem dormia deitado num
banco mas o letreiro fixo na parede indicava que estava no sítio certo. Trataram-me
do visto na hora. Um painel na parede escrito à mão indicava os preços.
Fiquei-me pelos 25 dólares do visto de quinze dias. Preparava-me para seguir
viagem quando uns guardas, sentados numa banca à beira da estrada, me mandaram
parar. Pediram-me o passaporte e o Carnet da moto. Um homem com ar entendido
olhou para o Carnet e mandou-me ir ter com um colega dentro dum escritório
adjunto com grades nas janelas. Este fez um ar de não saber o que aquilo era e
chamou o primeiro que entrou no escritório, recolheu um enorme livro de cima de uma estante, bateu com ele contra
uma mesa para sacudir o pó e abriu-o com cuidado para as páginas soltas não
caírem. Pediu-me que preenchesse a primeira linha livre com nome, numero de
passaporte e matricula da moto, carimbou o Carnet com um carimbo que me pareceu
ser tirado à sorte de um “tupperwear” cheio deles, chamou um tipo dos seus
trinta anos com ar de chefe e camisa às flores para olhar para a moto e, depois
de dez minutos de observação, mandou-me seguir viagem.
O Nepal é muito
diferente da Índia. Tanto a nível de paisagem como de população. Quando tive
que fazer umas fotocópias para o visto o miúdo que me atendeu tinha um ar
oriental e perguntei-lhe de onde era. -“Do Nepal”, respondeu-me. E os teus
pais, de onde são? -“Do Nepal”. Só
quando entrei no país constatei que muitos deles são de raça oriental e a
mistura com a raça indiana originou raparigas lindíssimas. Por estar perto dos
himalaias e já ser um país tropical tem muita vegetação com florestas muito
densas. Mal entrei na parte mais montanhosa a paisagem tornou-se totalmente
verde.
Ao procurar onde
ficar, de um lado e outro da aldeia, atirado pelos moradores como bola de ping
pong indicando onde pensavam que alguém alugava um quarto, acabei por ficar
numa casa onde o rapaz me sugeriu que visse o quarto antes de tomar uma decisão.
Entretanto, no vai e vem de um lado para o outro da rua, tinha deixado cair a
moto ao dar a volta numa estrada de terra solta com um degrau. Um rapaz veio
logo ajudar-me e em menos de um minuto a “Cross Tourer” estava novamente a
mover-se pelos seus meios.
O quarto tinha
três camas montadas em U com umas colchas por cima e almofadas sebentas que de
tão duras pareciam feitas de madeira. No meio do U não haviam mais de dois
metros quadrados livres. Uma grande janela com um rendilhado em madeira, virada
para a estrada, não fechava. “Não têm luz?” “Não. Só a partir das nove da
noite”. No Nepal não produzem eletricidade suficiente para alimentar todo o
país de maneira que é racionada, ao longo do dia, entre as cidades e vilas. Quando
perguntei se havia maneira de tomar um duche indicaram-me um cubículo em
cimento que, de tão sujo, não se distinguiam as paredes do chão, da torneira e
do duche. Disse que achava tudo óptimo e o rapaz pediu-me o equivalente e
quatro euros pela estadia.
Quando tomava
duche, montado nos meus imprescindíveis chinelos, deixou de correr e acabei por
tirar o sabão que ainda tinha no corpo com a ajuda de uma torneira que estava à
altura dos joelhos.
Na esplanada
deste Hotel, onde eu era o único hospede, alguns amigos do dono conversavam de
volta da única mesa, em plástico encarnado queimado pelo sol. Enquanto bebia
uma cerveja naquele local de reunião
perguntei ao jovem proprietário do Hotel onde poderia guardar a moto durante a
noite e ao sugerir-me que entrasse com ela por um corredor estreito um dos
amigos, chefe da polícia local, ofereceu-se que a deixasse frente à esquadra.
Aceitei a proposta e fui com a moto, por uma estrada de terra, até um
descampado protegido por uma cancela fabricada com um rolo de arame farpado. Do
outro lado uma guarita em tijolo solto, sacos de areia e telhado de zinco,
parecia ter sido feita à pressa para defesa de um ataque surpresa. Uma cabana
com telhado em colmo, à porta da qual estacionei a moto, era a dita esquadra. O
chefe ordenou a um homem de fato camuflado e metralhadora em punho que ficasse
junto a moto. E ali ficou ele ... a noite toda.
Votei para o
Hotel onde o dono me preparou um jantar. Uma sopa a que chamam Dal e não sei do
que é feita, espinafres cozidos, um bloco de arroz seco em forma de pudim, pão
do tipo “zapati” três mini bananas e uns quartos de maçã. A mulher, uma miúda
linda de 25 anos que parecia ter 18 e a quem antes perguntara se era irmã do
filho, limitava-se a tratar de si, talvez por amanhã ser, aqui no Nepal, o
festival da mulher em que todas elas se arranjam com vestidos lindos. Depois do
jantar os amigos do dono propuseram-me ir dançar a uma das festas de rua da
aldeia que já festejava o dia da mulher. Lá parti com eles através de uma rua
de terra escura até um largo com uns bancos corridos e uma aparelhagem de som
alimentada não sei como. Dançámos alegremente, só os homens, sob o aplauso das
raparigas e pelas onze da noite voltei para o Hotel. A temperatura não baixava
dos 30º. Estendi-me numa das camas vestido, com a almofada forrada por uma das
minhas “T shirt”. Cinco minutos depois estava a dormir.
Mas que dia difícil... espero que encontre a GO.
ResponderEliminarAna
Complicada essa vida aí pelos Himalaias; não há dúvida que eles têm os olhos rasgados....câmbios malucos, livros de vistos, que não servem para nada, senão para chatear o paciente, etc etc etc.
ResponderEliminar" A mulher, uma miúda linda de 25 anos que parecia ter 18 e a quem antes perguntara se era irmã do filho, limitava-se a tratar de si " - malandro, a fazeres-te ao bife; 25, parecia que tinha 18, a perguntar se era irmã......pois pois
abraço grande e boa continuação
bernardo pinheiro de melo
Está muito giro este blog! O Nepal é mesmo assim!
ResponderEliminarIsabel Morais