23 de setembro de 2013

Dhupguri



Hoje de manhã saí daquele Hotel de aldeia já a suar, mesmo depois do habitual duche frio matinal. Fora da zona montanhosa as temperaturas, nesta altura do ano, sobem até muito perto dos 40º. Continuei na mesma estrada que, ao aproximar-se da fronteira com a Índia, começava a ter muito movimento e, consequentemente, estava mais degradada mas nada com o que se possa comparar ao que encontrei mais tarde.
Passei a fronteira sem grandes problemas deixando para trás o Nepal que me seduziu, não pela confusão de Katmandu mas pelas gentes das aldeias de província, pela paisagem fabulosa e pela reserva animal que visitei com o divertido safari de elefante.
As pessoas são mais civilizadas que no norte da Índia, de um modo geral mais cultas e menos deslumbradas com a moto, por exemplo. Claro que paravam para ver mas perguntavam-me a cilindrada e não o preço, quanto atingia de velocidade e não quanto gastava.
Por outro lado não ligavam tanto Portugal aos jogadores de futebol, como em outros países (não na Índia que aí só têm olhos para o cricket) mas muitos sabiam onde ficava e vários me falaram em Lisboa, mesmo nunca tendo saído do seu país. Interessante também foi observar  bastante gente da classe media deles, como empregados de hotel, a jogarem xadrez.
Mas estava eu a passar a fronteira de regresso à Índia. Não há confusão possível, entro na bagunça mais à séria, principalmente porque a população por quilómetro quadrado é muito superior à do Nepal e logo, o lixo, o transito, os buracos na estrada e tudo o mais é a multiplicar. Até conseguir chegar a uma estrada em que se pudesse circular a mais de 20, 30 Km/h entre “rickshaws”, carroças, bicicletas, motos, vacas, etc. demorei mais de meia hora. Depois, quando pensava que iria percorrer os 200 Km que me separavam da fronteira com o Butão tranquilamente, apanhei 120 Km da pior estrada que alguma vez vi na vida. Foram 120 Km de buracos contínuos numa estrada que já foi de alcatrão mas agora é só terra e, mesmo numa prova de todo-o-terreno, seria considerada de muito mau piso. Indiscritível. Para agravar a situação, centenas de camiões a circularem nos dois sentidos e a ultrapassarem-se a 30 Km/h faziam daquela via um verdadeiro inferno, que se arrastou a tarde toda. Por duas vezes fui quase ao chão, apanhado de surpresa por enormes buracos quando seguia atrás de camiões e não os via. E não era possível afastar-me mais porque logo outro me ultrapassava. Outra vez, quando ia a passar um o condutor decidiu ultrapassar um outro e, como não têm retrovisores e ainda não me habituei à ideia de ir sempre a tocar a buzina, atirou-me para fora da estrada. Na berma, em terra inclinada, tive que travar forte para não passar por cima de um pastor deitado tranquilamente no meio daquela poeirada indiscritível.  
Quando começou a ficar noite parei no que me pareceu poder ser um Hotel mas era a quinta duma simpática família que me disseram logo para descansar um pouco e a irmã que se vê na fotografia foi buscar-me um chá e uma tosta que me souberam divinalmente. Convidaram-me para ficar a jantar mas não pude aceitar pois queria encontrar um hotel antes de anoitecer.
Parei na cidade seguinte. Foi o segundo inferno do dia. O melhor hotel desta cidade de província era tão ou pior que os piores que tenho encontrado. Só que aqui estava na Índia, numa cidade de província com uma população muito assinalável. Resultado: tive a sensação que toda a população tinha parado para vir ver a moto. Às tantas o gerente veio sugerir-me que a enfiasse num corredor que dava acesso ao Hotel e que, embora fosse aberto para a rua sempre era mais escondido. Não solucionou o problema. Começou a entrar gente e mais gente pelo corredor a querer ver a moto e subiam para o hotel para me verem a mim. O gerente mandou pôr uma capa por cima da moto mas tudo parecia que ainda os entusiasmava mais. Fechei-me no quarto e às tantas o homem veio chamar-me para a deslocar mais para a frente que estava a causar um pandemónio na entrada do Hotel. Quando lá cheguei abaixo assustei-me com a multidão.
Fui jantar ao restaurante do Hotel e os poucos clientes que tinham acesso ao local ficaram embasbacados a ver-me jantar. Dois deles, com as mesas quase todas livres, sentaram-se na mesa mesmo à minha frente os dois virados para mim. Passado um bocado o gerente do Hotel veio chamar-me porque tinha o chefe da polícia ao telefone. Perguntou-me quem eu era, o que se passava, de onde vinha e quando partia e qual a razão daquela confusão na cidade. Finalmente perguntou se precisava que mandasse alguém ou se queria guardar a moto na esquadra mas recusei ambas as soluções por me parecer que iriam agravar a situação.
Já tinha fugido para o quarto outra vez quando me bateram à porta. Quando abri entraram-me três pessoas pelo quarto dentro e outras 20 também queriam entrar. Um homem que me mostrou um cartão de jornalista disse que trabalhava para um jornal e televisão locais e queria entrevistar-me. Parecia que estava naquele filme do Woody Allen em que fabricam uma estrela sem qualquer razão e não a largam. Pedi para saírem e que já iria ter com ele ao restaurante mas com o máximo de mais três pessoas. Lá fui conceder a entrevista e depois pedir à multidão que se afastasse para tirarmos uma fotografias junto à moto. O homem agradeceu muito eu ter-lhe dado 15 minutos do meu tempo e que estava emocionado por ter estado a falar comigo. Tal qual o filme do Woody Allen. Ainda pensei que aparecesse alguém a dizer: “isto foi para os apanhados” antes de voltar a fugir para o quarto. O gerente garantiu-me que às onze horas fechavam as entradas para o corredor. Espero que a moto ainda tenha as peças todas amanhã.   


3 comentários:

  1. É por estas e por outras que a India não me atrai. Claro que eu, ao contrário do que se passa consigo, passaria completamente despercebida no meio da multidão e não seria esta estrela de Bollywood em que o Francisco se está a tornar.
    Espero que a moto esteja direitiinha de manhã que mandar peças para aí não deve ser nada fácil.
    Boa viagem.
    Ana

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  2. A fama do Francisco já chegou bem longe... a continuar assim ainda tem que arranjar uns batedores, para abrirem caminho e fazer-lhe segurança...Boa viagem.

    Helder Galante

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