Hoje saí antes
das onze do hotel em Hetauda mas tive que parar no único banco que encontrei na
pequena cidade para trocar 30 dólares que as últimas rupias tinham ido para
pagar a estadia.
As empregadas
bancárias penso que nunca tinham visto uma nota estrangeira. Perguntaram à
gerente o que fazer e estiveram três delas, durante dez minutos, a tratar do
assunto. Uma via o cambio na internet, a outra contava e recontava três notas,
a tal ponto que às tantas já não sabia onde as tinha metido, enquanto a
terceira verificava se o visto no meu passaporte estava válido, confundindo-o
com o do Irão e sendo mesmo necessária a ajuda de um colega. Quando parecia
estar tudo tratado duas delas dirigiram-se ao gabinete da gerente, que eu podia
ver. Esta puxou de uma calculadora, confirmou as contas, assinou o papel e
deu-lhes ordem de pagamento. Quando já tinha o dinheiro na mão a gerente, no
seu Sari impecável, veio ao computador de uma delas verificar o cambio e
ordenou: “Alto. Desculpe. Elas enganaram-se no cambio”. Devolvi o dinheiro
entristecido, não pelo engano no cambio mas pela demora que isso representava.
Passados mais dez minutos e muitas contas entregaram-me o equivalente a menos
12 cêntimos. Não tive duvidas que estava na província mais profunda do Nepal.
Depois de
atravessar uma parte dos Himalayas tinha descido a um vale onde se situava esta
cidade e partia agora rumo a uma estrada que atravessa o país de Ocidente a
Oriente, pela planície do sul. É a principal estrada do país e tem o alcatrão
mais bem tratado que as restantes mesmo se só tem uma via em cada sentido e
grandes buracos em certas zonas que podem fazer muitos danos. Rodei durante o
dia em grandes rectas, já a 120, 130 Km/h mas com imenso cuidado não só para
não cair num destes buracos como para evitar as inúmeras armadilhas, não só de
cabras e vacas que se passeiam alegremente pela via, um bezerro até mamava
tranquilamente, literalmente no meio da estrada, como por camiões que avariam
e, não havendo reboques no país, são reparados no local, ou casos mais
específicos como uma ponte que abateu e me obrigou a atravessar o leito do rio
com a moto, felizmente seco nesta altura do ano.
O triângulo de
sinalização dos camiões é idêntico aos que já tinha visto em África, uns ramos
de árvore ou pedras colocados antes e por vezes ao redor do veículo
imobilizado.
Parei pelas três
da tarde, junto a um mercado de fruta onde comprei três maçãs que fiquei a
trincar debaixo da lona que fazia sombra a um colega da vendedora de fruta. O
homem vendia tubérculos que pesava através de uma balança composta por um pau
com dois pratos metálicos pendurados em cada ponta, um para os pesos e outro
para os tubérculos. O seu dedo era a charneira que, obviamente, tinha tendência
para se deslocar mais para o lado dos pesos. Quando as clientes se queixavam
ele movia então o dedo um pouco para o outro lado, com muito cuidado para não
passar o meio do pau.
Passados uns
quilómetros passei por um trator carregado de gente toda pintada em tons de
encarnado e amarelo. Parei para tirar umas fotografias e, em menos de um tempo,
estava um operador de câmara de uma tv local a pedir-me para comentar o evento.
Arranquei dez
minutos depois para tentar ir ficar a uma pequena reserva animal que havia por
perto. Comecei por passar pelo desvio sem o ver porque a placa indicativa
estava escrita na língua deles. Quando voltei para trás verifiquei que o lado
contrário da placa, virada para quem vem da fronteira com a Índia, já estava em
Inglês. Meti pela estreita estrada de terra e, uns quatro quilómetros depois,
lá encontrei o escritório decrépito da reserva onde dentro tinham alguns
animais mal embalsamados e um elefante bébé dentro de um aquário grande com um
líquido qualquer de conservação. Disseram que não tinham a certeza se o Lodge,
onde poderia ficar a dormir, estava aberto e que ficava do outro lado da reserva
que tinha uma entrada por uma estrada não assinalada. Lá me explicaram onde era
e voltei à estrada principal para a tentar encontrar mas depois de duas
tentativas falhadas e com a noite a aproximar-se, decidi regressar à via
alcatroada e retomar caminho. Foi escurecendo rapidamente e, com as vacas sem
luzes, decidi que era melhor encontrar qualquer sítio onde ficar. Na primeira
aldeia em que passei vi um letreiro que anunciava quartos com casa de banho. Na
sala de entrada com chão em cimento fui atendido pelo que vim a saber ser um
cliente. Pedi para ver um dos quartos e acabei por ficar no segundo que me
mostraram. Uma cama grande mas dura como pedra, lençóis e almofadas com ar de
não verem lavagem há cinco clientes e casa de banho mínima com buraco no chão e
duche com saboneteira já atestada com vários restos de sabonetes velhos e uma
escova de dentes usada. A janela, como nos restantes quartos, dava para o
corredor. O preço não exigia mais: quatro euros por noite. Não tive outro
remédio senão por ali ficar. Prepararam-me um jantar Nepalês, com Dal, uma
espécie de sopa que creio ter grão e é comum aqui, arroz seco, uns pedaços de
galinha num molho picante e alguns vegetais com outro tipo de molho.
Depois do jantar
instalei-me numa cadeira de plástico com uma pequena mesa que me puseram em
frente, no pátio do Hotel, ao ar livre mas, pelas dez da noite, o proprietário
anunciou-me que tinha que ir dormir.
-
“Está
bem, eu fico aqui”
-
“Não.
É que eu tenho de me ir deitar”
Só então percebi
que a entrada/sala/recepção/restaurante/bar que, a meu pedido, também tinha
servido de garagem para a moto era, além disso, o quarto de dormir do dono e
família, mulher e dois filhos de cinco anos e cinco meses.
Fui para o quarto
onde acabei de escrever a ouvir a atividade sexual do jovem empregado do Hotel,
com a sua mulher de 17 anos mas com aparência de 14, mesmo com a televisão do
quarto deles ligada, provavelmente para abafarem o som.
Quando acordei já
estavam os donos na sala única a ver televisão, sentados no sofá. Enquanto a
mulher puxava e largava uma corda atada ao berço do bébé, suspenso com duas
cordas no teto, o filho de cinco anos comia arroz à mão de uma tijela.
Perguntei se tinham pequeno almoço mas não havia pão de maneira que me
arranjaram dois ovos estrelados e um sumo de lata que eles bebem mas não é bem
fruta. Pelo sabor parece ter caju e leite, misturados com qualquer outra coisa.
Estar finalmente de regresso à estrada é muito bom.
ResponderEliminarPara quando o seu regresso?
Bjs
Ana
Eu nao parei, Ana. So que tenho estado em sitios que nao tem internet.Irei ai dia 7 de Outubro so por tres dias porque tenho um evento na Belgica com o camiao. Depois volto para aqui. Beijinhos
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