Na tarde do meu primeiro dia em Lima vinha a sair do Hotel quando dei de
caras com um velho, de ar simpático, que olhou para mim e instantaneamente
meteu conversa
- De onde é? Como veio aqui parar?
- Ando a viajar de moto pelo mundo
- Que Maravilha. Que bom tê-lo encontrado. Sinto uma vibração
extraordinária vinda de si. Eu sou Boliviano, músico. Estou a tocar num bar
aqui ao lado. Não quer vir até lá beber um copo?
- Sim, vamos embora
- Ai, que maravilha, que maravilha. Estou tão contente por o ter
encontrado. E ao subir as escadas do bar perguntava:
- Que signo é?
O homem estava eufórico e só mais tarde percebi porquê
Eram cinco da tarde e o bar estava vazio.
-Sentamo-nos aqui, disse o homem, afastando uma cadeira numa mesa central.
- Eu sinto-o como um vento que vem contra a minha cara em várias direcções.
Que bom. Que boa vibração que você tem. Como se chama?
- Francisco
- Eu sou Pedro. O que vamos beber? Propunha que bebêssemos a bebida típica
Peruana, Pisco Sour. É como beber uma caipirinha no Brasil. Faz parte.
- Venha daí esse Pisco Sour, respondi. E o Pedro chamou uma das duas
empregadas que, sem clientes, estavam sentadas numa mesa do canto, daquelas
tipicamente reservadas para os empregados.
- Em taças?, perguntou a empregada em resposta ao pedido da bebida.
- Sim, das grandes, respondeu o Pedro.
Passado um pouco a rapariga voltou com duas bebidas esverdeadas, com muita
espuma, em canecas de litro.
- Bolas. Vou ficar bêbedo, disse-lhe.
- Não. Isto é relativamente leve.
Ficámos a contar como cada um de nós tinha ido ali parar.
Ele chegara há dias da Bolívia, com quatro filhos, uma neta e uma namorada
de 18 anos, todos parte do seu grupo musical, para assinar uma contrato na
embaixada francesa para estarem presentes num festival de música em Toulouse
dentro de um mês, talvez por não haver embaixada francesa em Santa Fé. E já que
aqui estava, em vez de voltar à Bolivia, decidiu que passariam esse mês por cá,
a tocarem na rua para ganharem uns cobres. Só que os espaços em que se pode
tocar música na rua estão, felizmente, muito limitados aqui em Lima, sendo, por
exemplo, proibido tocar na Plaza Mayor. Eles sem saberem disso lançaram-se a
tocar na rua. Rapidamente veio a policia e quis não só multá-los como apreender
os instrumentos. Foram salvos por um “Paisano”, como eles chamam às pessoas da
mesma terra. No meio da confusão apareceu ali um Boliviano que, por
coincidência, explorava este bar e tinha ouvido a sua música. Não só resolveu o
caso com a polícia como contratou o Pedro e família para tocarem todas as
noites no seu bar, até partirem para França.
No meio desta conversa o Pedro, sempre eufórico, ia fazendo saúdes e batia
com a mão dele contra a minha e pedia que eu batesse contra a dele. E dizia:
- Que feliz que estou por o ter encontrado. Mas que felicidade, Dios mio.
Entretanto já se tinha levantado duas vezes para ir à casa de banho,
voltando sempre mais feliz e eufórico, até que, perdeu a cerimónia e perguntou:
- Você não snifa coca? E ao mesmo tempo que dizia isto retirou do bolso um
pequeno embrulho de prata e abriu.
- Já experimentei mas não tenho esse hábito.
Mas tem que experimentar esta e sem que eu tivesse tempo de responder
colocou o dedo por cima do pó e pôs-me numa narina, que eu snifei e logo de
seguida voltou a mergulhar o dedo na coca e colocou-me na outra.
- Buuum.
Já tinha snifado coca umas quatro ou cinco vezes no meu tempo de juventude
e lembrava-me do efeito. Nunca tinha sido nada como aquilo, tão forte e tão
repentino.
- Eh pá. Nunca tinha snifado uma coca assim.
- Porque o que vocês snifam na Europa tem mais farinha ou aspirina ou lá o
que eles misturam naquilo que coca. Esta é pura, vinda directamente do campo.
E o homem, enquanto snifava na frente de um ou outro cliente que entretanto
chegaram e as empregadas, já sem qualquer pudor, entornava outro tanto em cima
da mesa. E durante a conversa ia de vez em quando passando o dedo pela mesa e
ora snifava ora me dava a snifar ora, como bom “profissional”, colocava um
pouco na boca.
Eu aguentei-me sempre à bronca porque snifei muito pouco e bebi o litro de “Pisco
Sour” devagar mas o Pedro às tantas já estava num estado em que torcia a cara e
a boca quando falava e dizia.: shlump, shlop shlup, e eu não conseguia perceber
nada do que dizia. Quando lhe fazia uma pergunta ele preparava-se para me
responder e no mesmo segundo dizia:
- O que é que me perguntou?
Entretanto já passava das seis da tarde e comecei a ficar preocupado com o estado
em que ele estaria para tocar dentro de duas horas.
Os filhos, a neta e a namorada tinham ido passear pela cidade e eu comecei
então a fazer de pai do Pedro dizendo-lhe:
- Pedro, não podes snifar mais. Dentro de duas horas tens que tocar e não
vais conseguir.
- Não há problema, porque shlump, shlop, shlup.
A empregada apareceu com a conta das duas bebidas: 170 Soles
Tirei o dinheiro do bolso sem pensar e paguei mas passados cinco minutos
fez-se-me luz.
- Pedro, acabei de pagar 170 Soles pelas bebidas. Não é possível. Isso são
quase sessenta dólares por duas bebidas.
- shlump, shlop shlup.
Chamei a empregada para confirmar.
- Eu paguei 170 Soles pelas duas bebidas. É impossível.
- Não. É o preço delas. E trouxe-me a lista para que confirmasse.
170 Dólares , inclui a namorada do velho , ou foi á parte ?
ResponderEliminarAo menos que o “Pisco Sour” tenha valido a pena!
ResponderEliminarSim sr, mais una aventura à maneira! :)
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