20 de novembro de 2017

Lima 2


Na tarde do meu primeiro dia em Lima vinha a sair do Hotel quando dei de caras com um velho, de ar simpático, que olhou para mim e instantaneamente meteu conversa
- De onde é? Como veio aqui parar?
- Ando a viajar de moto pelo mundo
- Que Maravilha. Que bom tê-lo encontrado. Sinto uma vibração extraordinária vinda de si. Eu sou Boliviano, músico. Estou a tocar num bar aqui ao lado. Não quer vir até lá beber um copo?
- Sim, vamos embora
- Ai, que maravilha, que maravilha. Estou tão contente por o ter encontrado. E ao subir as escadas do bar perguntava:
- Que signo é?
O homem estava eufórico e só mais tarde percebi porquê
Eram cinco da tarde e o bar estava vazio.
-Sentamo-nos aqui, disse o homem, afastando uma cadeira numa mesa central.
- Eu sinto-o como um vento que vem contra a minha cara em várias direcções. Que bom. Que boa vibração que você tem. Como se chama?
- Francisco
- Eu sou Pedro. O que vamos beber? Propunha que bebêssemos a bebida típica Peruana, Pisco Sour. É como beber uma caipirinha no Brasil. Faz parte.
- Venha daí esse Pisco Sour, respondi. E o Pedro chamou uma das duas empregadas que, sem clientes, estavam sentadas numa mesa do canto, daquelas tipicamente reservadas para os empregados.
- Em taças?, perguntou a empregada em resposta ao pedido da bebida.
- Sim, das grandes, respondeu o Pedro.
Passado um pouco a rapariga voltou com duas bebidas esverdeadas, com muita espuma, em canecas de litro.
- Bolas. Vou ficar bêbedo, disse-lhe.
- Não. Isto é relativamente leve.
Ficámos a contar como cada um de nós tinha ido ali parar.
Ele chegara há dias da Bolívia, com quatro filhos, uma neta e uma namorada de 18 anos, todos parte do seu grupo musical, para assinar uma contrato na embaixada francesa para estarem presentes num festival de música em Toulouse dentro de um mês, talvez por não haver embaixada francesa em Santa Fé. E já que aqui estava, em vez de voltar à Bolivia, decidiu que passariam esse mês por cá, a tocarem na rua para ganharem uns cobres. Só que os espaços em que se pode tocar música na rua estão, felizmente, muito limitados aqui em Lima, sendo, por exemplo, proibido tocar na Plaza Mayor. Eles sem saberem disso lançaram-se a tocar na rua. Rapidamente veio a policia e quis não só multá-los como apreender os instrumentos. Foram salvos por um “Paisano”, como eles chamam às pessoas da mesma terra. No meio da confusão apareceu ali um Boliviano que, por coincidência, explorava este bar e tinha ouvido a sua música. Não só resolveu o caso com a polícia como contratou o Pedro e família para tocarem todas as noites no seu bar, até partirem para França.
No meio desta conversa o Pedro, sempre eufórico, ia fazendo saúdes e batia com a mão dele contra a minha e pedia que eu batesse contra a dele. E dizia:
- Que feliz que estou por o ter encontrado. Mas que felicidade, Dios mio.
Entretanto já se tinha levantado duas vezes para ir à casa de banho, voltando sempre mais feliz e eufórico, até que, perdeu a cerimónia e perguntou:
- Você não snifa coca? E ao mesmo tempo que dizia isto retirou do bolso um pequeno embrulho de prata e abriu.
- Já experimentei mas não tenho esse hábito.
Mas tem que experimentar esta e sem que eu tivesse tempo de responder colocou o dedo por cima do pó e pôs-me numa narina, que eu snifei e logo de seguida voltou a mergulhar o dedo na coca e colocou-me na outra.
- Buuum.
Já tinha snifado coca umas quatro ou cinco vezes no meu tempo de juventude e lembrava-me do efeito. Nunca tinha sido nada como aquilo, tão forte e tão repentino.
- Eh pá. Nunca tinha snifado uma coca assim.
- Porque o que vocês snifam na Europa tem mais farinha ou aspirina ou lá o que eles misturam naquilo que coca. Esta é pura, vinda directamente do campo.
E o homem, enquanto snifava na frente de um ou outro cliente que entretanto chegaram e as empregadas, já sem qualquer pudor, entornava outro tanto em cima da mesa. E durante a conversa ia de vez em quando passando o dedo pela mesa e ora snifava ora me dava a snifar ora, como bom “profissional”, colocava um pouco na boca.
Eu aguentei-me sempre à bronca porque snifei muito pouco e bebi o litro de “Pisco Sour” devagar mas o Pedro às tantas já estava num estado em que torcia a cara e a boca quando falava e dizia.: shlump, shlop shlup, e eu não conseguia perceber nada do que dizia. Quando lhe fazia uma pergunta ele preparava-se para me responder e no mesmo segundo dizia:
- O que é que me perguntou?
Entretanto já passava das seis da tarde e comecei a ficar preocupado com o estado em que ele estaria para tocar dentro de duas horas.
Os filhos, a neta e a namorada tinham ido passear pela cidade e eu comecei então a fazer de pai do Pedro dizendo-lhe:
- Pedro, não podes snifar mais. Dentro de duas horas tens que tocar e não vais conseguir.
- Não há problema, porque shlump, shlop, shlup.
A empregada apareceu com a conta das duas bebidas: 170 Soles
Tirei o dinheiro do bolso sem pensar e paguei mas passados cinco minutos fez-se-me luz.
- Pedro, acabei de pagar 170 Soles pelas bebidas. Não é possível. Isso são quase sessenta dólares por duas bebidas.
- shlump, shlop shlup.
Chamei a empregada para confirmar.
- Eu paguei 170 Soles pelas duas bebidas. É impossível.
- Não. É o preço delas. E trouxe-me a lista para que confirmasse.

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