Decidi fazer este trajecto até à costa do Pacífico por estradas nacionais,
evitando autoestradas, como geralmente tenho feito nesta viagem.
Saí assim de Morelia por uma fantástica estrada de montanha, debaixo de sol
e uma temperatura de pouco mais de 20º. Da parte da manhã fiquei bem
impressionado com a boa qualidade destas estradas secundárias mas da parte da
tarde acabei por apanhar algumas esburacadas. Outro dos problemas são as lombas
de velocidade que têm em quantidade na travessia das populações e que, muitas
vezes, estão mal assinaladas ou simplesmente não estão. Na saída de uma vila,
já fora da zona de habitações e quando rodava a cerca de 100 Km/h apanhei uma
desta lombas. A moto saltou e, desprevenido, levei uma pancada nos braços
através do volante que passou para o ombro esquerdo. Pensei que tinha ficado
com uma lesão mas à noite já nada sentia. Entretanto, na entrada de uma vila,
um letreiro onde se lia “Bem vindos a Uruapan, capital mundial do Abacate”
chamou-me a atenção. Parei para tirar uma fotografia e junto estavam duas raparigas
engraçadas a vender não abacates mas côcos. Pedi para lhes tirar uma fotografia
e estávamos numa galhofa quando, de trás do camião, apareceu um rapaz ciumento
que me perguntou, divertido, em inglês:
-O senhor quer comprar um côco?
-Não
-E as miúdas? Vendo-as barato.
À medida que a altura a que circulava baixava a temperatura ia aumentando.
Passados uns 200 Km, quase todos de serra, parei numa vila junto a um
minimercado para saber onde estava. De trás do balcão da loja virada para a rua
saiu um rapaz, bem disposto, que não teria mais de 12 anos. Ele e uma irmã de
uns 8 anos, giríssima, de olhos azuis claros, tomavam conta do negócio. Muito
solicito, veio explicar-me no mapa onde estava e indicou-me o caminho que
deveria seguir. Achei graça ao miúdo e como tinham duas ou três mesas com
cadeiras no mercado para os clientes, resolvi descansar por ali um pouco e
almoçar dois gelados. Reparei que a loja estava impecavelmente limpa e,
enquanto ali estive verifiquei que o miúdo, nos intervalos de eficientemente
atender clientes e de me perguntar de onde vinha, curioso e fascinado com a
viagem, tratava de varrer a loja ou passar uma esfregona no chão ou um pano no
balcão onde via a mais pequena nódoa. Impressionante.
Continuei viagem a caminho do mar com a temperatura a aumentar ao longo do
dia e agora já a ultrapassar os 30º. Cheguei à cidade de Nueva Italia de Ruiz e
pensei em ficar por ali por não haver outra dessa dimensão nos 300 Km seguintes
mas vi no mapa uma pequena cidade 70 Km à frente e decidi ir até lá. Na
estreita estrada de campo vi primeiro uma estranha operação stop porque não era
realizada por polícias mas por militares, fortemente armados, uns a mandarem
parar os carros e outros, de metralhadora em riste, em cima das caixas de carga
de camiões da tropa. Mandaram-me seguir mas uns 15 Km’s depois estava uma
segunda, com o mesmo estilo e meios. O Embaixador português tinha-me
recomendado que não entrasse no estado de Guerrero, mesmo que tivesse que fazer
um desvio grande, por ser considerado perigoso, mas este era um estado vizinho,
que não estava indiciado como tal. Segui viagem na pouco movimentada estrada.
Na entrada de Tepalcatepec estava um terceiro grupo de militares. Parei para
perguntar se havia um Hotel decente na cidade e referiram-me dois, do lado
oposto. A pequena população era estranha porque tinha corrais de bois na rua
principal e as oficinas ou comércio de pneus eram na maioria para tractores. O
primeiro Hotel em que parei, dos dois que os militares me tinham indicado, era
ao estilo dos do dia anterior, em que tinham uma tabela de ocupação de quarto
que acabava à cinco da manhã. O segundo já era para clientes mais comuns.
Estavam 36º e só quando parei constatei que estava ensopado em suor. O homem
que me atendeu arrastava os pés, parecendo não ter forças para se deslocar.
Perguntei-lhe o porquê do aparato militar e respondeu-me que era um controlo
normal e que a cidade era calma. Pus-me debaixo de um duche frio e uma hora
depois saí para jantar. Parei numa roulotte de beira de estrada, com três mesas
no passeio de terra onde comi uma espécie de crepe de carne, excelente. O
transito era como o de qualquer outra cidade de campo mexicana: carrinhas de
caixa aberta podres e homens em motos de baixa cilindrada ou raparigas em
scooters, por vezes com vários filhos ou amigas à pendura, todos sem capacete.
Mas no meio daquele transito, destoaram um Corvette encarnado que passou
acompanhado de uma enorme “pick-up” americana, nova. Estranha cidade.
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