Quando deixei South Lake Tahoe percorri as margens do lago pelo lado
Ocidental até ao Norte. A Estrada, estando elevada em relação ao lago em parte
do trajeto, tem paisagens de cortar a respiração, com a floresta de Sequoias a
descer da montanha até às margens do lago e, mais à frente, uma baía, Eagles
Bay, com uma pequena ilha no meio. Soberbo.
A partir do Norte do Lake Tahoe segui para Ocidente. A minha ideia era
voltar a apanhar a costa da Califórnia mas desta vez por cima de S. Francisco
para subir até Seattle, no estado de Oregon, antes de atravessar o país para a
costa Oriental.
Nesse dia fiquei na pequena vila de Colusa e no dia seguinte, em vez de
continuar na mesma direção a caminho da costa decidi subir cento e tal
quilómetros para Norte na Highway 5, sem grande graça, para então atravessar
para Ocidente pelo meio de uma serra com uma floresta de árvores seculares,
Redwoods.
Antes de entrar na serra, felizmente lembrei-me de atestar o depósito.
Nessa altura começou a chover e não parou durante as quatro horas seguintes.
Entrei na estrada da serra já debaixo de chuva intensa. A temperatura foi
baixando até aos 8º. O fato é eficiente e protege-me do frio e da chuva mas as botas
já estão em mau estado, e já fiz de sapateiro ao colar-lhes as solas por mais
que uma vez. O resultado é que deixam passar água. Primeiro comecei a senti-la
nos dedos dos pés para passada meia hora ter os pés totalmente ensopados. As
luvas que utilizo agora, o terceiro jogo desde que parti de Portugal, também
não são impermeáveis e, com as mãos também encharcadas, passado um tempo deixo
de sentir o efeito dos punhos aquecidos. Enfim, estava muito desconfortável.
Para agravar a situação apanhei uma zona de meia dúzia de quilómetros onde
tinham passado a máquina para arrancar o alcatrão velho antes de colocar novo e
essa parte ficou muito escorregadia. Passou uma, duas horas e não aparecia uma
única casa ou abrigo onde pudesse parar um pouco a ver se a chuva passava.
Pensei que haveria pelo menos uma ou outra bomba de gasolina no meio da serra
mas, nada.
Às tantas vejo uma cabana, junto á estrada, com um letreiro luminoso dentro
a dizer “open”. Sabia que não seria local onde pudesse ficar mas pelo menos
para parar e beber qualquer coisa quente servia. Entrei no bar. Estavam dez
homens lá dentro, nos seus trintas, todos de barbas. Uns a jogar snooker,
outros ao balcão, junto com duas raparigas mal vestidas e com barretes de lã
enfiados na cabeça. Outro grupo de três com mais uma rapariga, com o mesmo tipo
de traje e aspecto, estavam à volta de uma pequena mesa com um grande jarro de
cerveja já no fim. Todos eles pareciam lenhadores, incluindo as mulheres.
Calaram-se todos quando eu entrei. Os que jogavam pararam e ficou o grupo a
olhar para mim como se de um extra terrestre se tratasse. Até que, o que
parecia ser o chefe, abriu a boca: “Hello, how are you today?”. Todos relaxaram
e voltaram às conversas, dando a sensação que acalmaram com o que podia ser uma
ordem do género: ele é aceite aqui dentro.
Pousei o capacete e as luvas encharcadas em cima de um banco corrido e o
blusão num dos dois bancos livres do balcão, sentando-me no outro. Do outro
lado uma mulher grande e forte que fez um sorriso e perguntou o que eu queria.
- Um café, por favor?
Calaram-se todos outra vez e ficaram a olhar para mim como se tivesse
encomendado uma chávena de ácido sulfúrico.
- Café?? Não sei se tenho. E a abrir a porta que dava para a cozinha
gritou:
- Temos café? Ouviu-se uma voz de um homem lá de dentro:
- Acho que sim.
Um minuto depois pôs-me um balde de café à frente.
- Têm açúcar?
- Açucar? Como se eu estivesse a pedir outra coisa extraordinária.
Trouxe-me um pacote que se parecia com os do leite com açúcar.
- Tem uma colher?
- Não.
- E um garfo, uma faca, qualquer coisa para mexer?
- Vou ver o que arranjo
Entrou na cozinha e voltou com um facalhão da cozinha na mão com uns
quarenta centímetros de comprimento. Será que a grandalhona me iria estripar só
por ter pedido um café?
- Esta serve? disse já com um sorriso.
- Sim.
Bebi o café tranquilamente no meio dos barbudos e daquelas raparigas
encasacadas que partilhavam os jarros de cerveja e voltei para a chuva que não
parava de cair.
Passou mais meia hora e comecei a ficar preocupado quando o indicador de
gasolina desceu de um quarto de depósito. Passava um ou outro carro mas a pé
não havia ninguém a quem perguntar quanto faltaria para acabar aquele inferno.
Finalmente uma bomba de gasolina. Fui pagar e perguntar onde estava. A uma
hora da costa, responderam. Se não fosse aquela bomba não tinha gasolina para a
percorrer.
Ao pôr gasolina uma miúda nova, gira mas borbulhenta, com um piercing na
boca e roupas grossas que pareciam ter saído dos armários das que estavam no
bar, tentava atestar o seu enorme Jipe Toyota sem conseguir. Pediu-me ajuda.
Era simpática. Ficámos à conversa enquanto lhe atestava o Jipe.
- Realmente os estrangeiros dizem-me sempre que devia conhecer outros
países porque eu só viajo nos Estados Unidos.
Depois de pagar veio despedir-se com um aperto de mão
- Tricia. Foi um prazer
- Francisco
E pronto, não há nada como umas miúdas para ir animando. Senão era só moto e paisagem. E que tal comprar umas botas?
ResponderEliminarcuidado om o Trump e boa viagem.
Bjs
Ana
Parece que já ganhou. Eu estou agora em Tramp Land. Beijinhos
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