Quando acordei na manhã seguinte estava a chover forte. Hesitei em sair mas
ao acalmar o tempo arranquei para ver umas cascatas perto da estalagem.
Voltou a chover com mais intensidade e, quando deixei as cascatas, já com
as calças ensopadas, regressei à estalagem para trocá-las pelas impermeáveis do
fato que não tenho usado aqui por as temperaturas andarem sempre à volta dos
35º.
Parti depois visitar o “Shrine” de Nikko, sem duvida o mais espetacular e
interessante que encontrei no Japão, até por parecer mais original e conservado
que outros. Os Shrine são locais de culto da religião Shinto, que acredita
haver deuses tanto no céu como na terra enquanto os “Temple” pertencem à
religião Budista, a seguida pela maioria dos japoneses.
Numa das salas, para onde tivemos que entrar descalços, os visitantes eram
divididos em pequenos grupos e depois um monge mostrava o eco provocado por
dois paus a baterem um contra o outro. Primeiro em várias partes da sala, em
que não havia qualquer eco e depois ele chamava a atenção para quando batia os
paus por baixo de um enorme dragão pintado no teto da sala. Aí o eco produzia
uma vibração que podia parecer o rosnar de um animal. O grupo de japoneses
disse “HOOOOOO”! em uníssono e a miúda que estava ao meu lado, emocionada,
ficou com os olhos molhados e deixou cair uma lágrima pela cara, que limpou com
a mão. Depois cada um deles, por recomendação do monge, juntou as mãos e pediu
um desejo de frente para a estátua correspondente ao seu signo chinês.
- o senhor, que signo chinês é?
- Não faço ideia.
E rapidamente rapou de uma tabela com os anos.
- Em que ano nasceu?
- 1955
- Então é cabra. É aquela segunda estátua do lado de lá.
- Obrigado.
Tinha previsto, depois da visita a Nikko, seguir calmamente de volta a Kobe
ao longo de três dias, para entregar a moto a fim de ser embarcada para os
Estados Unidos. A entrega teve que ser adiantada 24 horas por motivos
alfandegários e por isso tinha só aquela tarde e o dia seguinte para percorrer
os 800 Km. Nessa tarde arranquei em
direção a sul, ainda debaixo de chuva, com a ideia de fazer cerca de 200 Km até
perto de Tóquio para no dia seguinte percorrer o trajeto que me faltava, maioritariamente
em autoestrada, a única forma de lá chegar a tempo.
Passados pouco mais de 50 Km deixou de chover mas perdi-me na estrada e fui
parar a uma que, estranhamente, não tinha transito. Pouco depois percebi
porquê. Um sinal indicava que me deveria afastar daquela zona. Estava próximo
da zona de proteção que decretaram como possível de ter sido afectada por
radiações provenientes do desastre de Fukushima, quando, em 2011, um tremor de
terra seguido de tsunami, destruiu a central nuclear local.
Dei meia volta e acabei por encontrar a estrada principal.
Normalmente não se vêm muitas motos a circular no Japão, o que é estranho
para o principal país que as produz. Pequenas 125c.c, por exemplo, praticamente
não existem quando na Indonésia, a fabrica da Honda local, produz e vende cinco
milhões por ano do veiculo a motor mais vendido no mundo desde sempre.
As motos grandes que aqui vemos são quase todas ou antigas, vi uma boa
dúzia de Kawasaki 900 da primeira geração, ou Harleys e algumas BMW. É a tal
ideia de que a galinha do vizinho é melhor que a nossa quando, na realidade,
eles produzem as melhores “galinhas” do mundo.
Mas vinha eu numa via rápida, das muito poucas que encontrei, embora com
semáforos a cada 500 metros, quando parou ao meu lado uma Kawasaki Ninja 1200R.
Fomos os dois “picados” entre os vários sinais seguintes mas constatei que,
mesmo naquelas distancias curtas entre sinais, estávamos a ultrapassar os 200
Km/h quando me tinham dito que as motos vendidas no Japão tinham um limitador
aos 180 Km/h.
Passado um pouco parámos os dois a beber um café e ele cotou-me que a sua
moto tinha “full power”.
- Mas como é possível? Disseram-me que as motos aqui estavam limitadas a
120 cv. e 180 Km/h de velocidade máxima.
- Pois. Por isso importei-a da Malásia.
O Japonês, dos poucos que ouvi falarem inglês, tinha estudado no Texas. Indicou-me
um caminho mais curto para evitar a entrada em Tokyo e seguimos cada um para
seu lado.
Já de noite voltei a perder-me e, quando dei por mim, tinha feito 50 Km em
sentido contrário.
Encontrei um pequeno hotel, já passava das oito, na cidade de Kuki, junto à
linha de comboio. Preparava-me para tomar um duche quando senti novamente o
chão a tremer. Será outro tremor de terra? Mas não. Cada vez que passava um
comboio de alta velocidade o Hotel abanava todo. Foi uma espécie de embalo para
adormecer.
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