10 de outubro de 2015

Fiji Islands



Já farto da pasmaceira de Darwin decidi meter-me num avião e ir passar dez dias às ilhas Fiji.
A Austrália é o sexto país maior do mundo, com 7,7 milhões Km2, ou seja, é um pouco menor que o Brasil ou os Estados Unidos mas maior que a Ìndia, que tem um bilião de habitantes enquanto aqui não há mais que 27 milhões, apenas três vezes mais que em Portugal.
Uma das razões é que grande parte do território é deserto inabitável.
O voo que apanhei foi direito a Brisbane, na costa oriental, para no dia seguinte seguir noutro para Nadi, nas Fiji Islands.
O céu estava limpo e durante mais de duas horas sobrevoámos deserto, sem qualquer vegetação ou vestígios humanos. Só quando nos aproximávamos da costa Oriental é que começou a aparecer primeiro alguma vegetação e depois uma ou outra quinta, de dimensões  absurdas para os conceitos europeus. Mais à frente um rio com uma barragem, alguns aglomerados de casas e, por fim, já a uma meia hora da cidade, montanhas com vegetação densa.
Brisbane é uma cidade relativamente grande, com mais de dois milhões de habitantes e um alto nível de vida. No trajeto do aeroporto para o centro passei por um concessionário Ferrari e outro Lamborghini, como não vemos na maior parte das capitais europeias. Pelas ruas muitos turistas orientais, principalmente japoneses e sul coreanos.
No dia seguinte parti para as Fiji, numa viagem de outras três horas e meia.
Quando cheguei instalei-me num pequeno “resort” em que a carrinha que me foi buscar ao aeroporto entrou pela praia por onde rolámos uns trezentos metros até à entrada do Hotel, com uma recepção ao ar livre, junto à piscina. Tinha reservado uma cama numa camarata com meia dúzia de lugares, um sistema muito utilizado aqui pois a dormida fica por 20 euros em vez de oitenta ou cem.
No meu quarto, nessa noite, estava só uma Australiana, gorducha, dos seus vinte e pouco anos. Era simpática mas passou a tarde deitada na cama a ver filmes no computador e a noite a ressonar. Nos intervalos lá consegui dormir e no dia seguinte levantei-me às sete e meia, com a rapariga ainda a ressonar, e parti apanhar um semi-rígido que me levou até uma das pequenas ilhas, Waya. O mar estava calmo e, passado hora e meia desembarquei neste local paradisíaco, com uma água transparente a refletir tons de azul turquesa junto a umas cabanas na praia no meio de palmeiras e uns vinte metros de areia branca e fina.
Na praia quatro empregados cantavam e tocavam violas  numa recepção de boas vindas a mim, a duas gémeas irlandesas dos seus 27, 28 anos e um casal de velhos Nova Zelandês muito simpático que me contaram virem para aqui de férias há mais de vinte anos, quando só havia três “bungalows” na praia. A senhora tinha partido o pé dois dias antes ao sair de um barco mas mesmo assim preferiu partir para a ilha de gesso na perna que estragar as férias.

8 de outubro de 2015

Darwin - 3




Tinha planeado que a moto fosse enviada de Timor por barco para estar em Darwin em Agosto de forma a já cá estar quando chegasse.
O problema é que a única companhia de navegação a operar em Timor funciona muito mal e, depois de três meses de tentativas para que fosse embarcada, acabei por chegar a Darwin com a moto ainda a caminho. Com a agravante que a mandaram através de Singapura. As coisas complicaram-se e estou em Darwin há mais de quinze dias à espera e pelo menos mais outro tanto vou ter que por aqui ficar. A ler e a jogar Golf, que pouco mais há para fazer nesta terra onde estão 30º permanentes mas não se pode ir à praia por causa dos crocodilos.
Aqui só têm duas estações no ano, seca e molhada. A temperatura não varia muito mas enquanto agora é seco para o mês que vem começa a chover quase ininterruptamente durante quatro meses. O que vale é que, à medida que for para  sul, o clima é mais ameno e lá será verão.
Depois de dois dias num Hotel mudei-me para um quarto alugado na casa de uma Filipina onde o filho e a namorada, que viviam no andar de baixo, davam festas que duravam a noite toda e quando eu saia para o golf, às oito da manhã, ainda estavam espalhados pelos sofás do terraço, alguns em coma aparente.
Como a Filipina só me fornecia duas horas de Internet por dia resolvi mudar e ontem instalei-me num Bed and Breakfast mais perto do campo de golf e com bom Wi-fi.
Ao negociar o preço da estadia, que aqui são caras, o dono propôs-me fazer umas pinturas no estabelecimento, para pagar menos renda, de maneira que hoje comecei a minha vida de pintor de casas. Comecei por “atacar” um alpendre e amanhã, então já com mais experiencia, atiro-me para as paredes.
Como a roupa que trouxe é pouca e não a queria sujar de tinta, resolvi ir a uma loja de beneficência na esquina comprar uma “T” shirt e uns jeans em segunda mão que me custaram menos de um euro cada. Comprei também uns sapatos, que me pareceram bons, em pele cinzenta e atacadores roxos, por dois euros.
Quando cheguei ao “serviço” a Erika, uma Estonia estupenda que aqui trabalha na recepção, virou-se para mim e disse:
“Wow. vai pintar o alpendre com sapatos Dolce Gabana”?
“Pois é, Erika. Eu sou assim. Dolce Gabana para as pinturas e sapatos da feira para o dia a dia”.

6 de outubro de 2015

Darwin - 2




À primeira vista a Austrália é muito do género dos Estados Unidos. Darwin é uma pequena cidade costeira, com prédios baixos e uma rua principal de comercio, com restaurantes de qualidade média bastante movimentados. Na zona do porto  uma piscina com ondas artificiais e mais restaurantes. Já fora do centro várias zonas de casas boas junto à costa. Pelo interior mais bairros de casas individuais.
Aqui vê-se que há espaço para não haver prédios e a classe média vive nestas casas construídas em terrenos de cerca de 400m2, com uma má qualidade de construção mas funcionais. 
A densidade populacional é pequena, as estradas boas e não há filas de transito ou engarrafamentos, nem no centro da cidade. 
A classe baixa são só praticamente os “aborigenas”, descendentes dos nativos, a quem o estado dá uma pensão vitalícia por não estarem mentalizados para trabalhar nem ninguém parecer estar interessado em os empregar. Os que decidiram deixar as suas aldeias fora da civilização e vir para a cidade vagueiam pelas ruas, muitas das vezes descalços, alcoolizados e sem rumo, ou deslocam-se nos autocarros sem destino aparente. O governo está a tentar que a nova geração frequente as escolas e se instrua mas é um processo que demorará gerações.
Os outros, os descendentes dos conquistadores, vivem bem e a vida é mais cara que em Portugal, talvez ao nível de França ou Inglaterra.
Ao estilo americano os australianos também gostam de grandes motores V8 que se fazem ouvir montados em “pick-up’s” ou jipes e têm uma pronuncia muito mais próxima da americana que da inglesa.
Ficamos com a sensação que o país funciona e um sinal de que as decisões são tomadas rapidamente foi-nos dada por um membro do partido governamental que decidiu candidatar-se a Primeiro Ministro. Anunciou a candidatura de manhã, à tarde houve votação na sede do partido e à noite já deu uma conferencia de imprensa como novo Primeiro Ministro. Dois dias depois já estavam novos ministros nomeados e passavam na televisão uma entrevista ao Primeiro Ministro, na sua quinta, onde ele mostrava os seus dotes culinários. Poucos minutos depois víamos o PM cessante a colocar a sua prancha de surf no tejadilho do carro e partir para férias.
Seria possível um programa de televisão com Passos Coelho a cozinhar no seu apartamento de Massamá seguido de uma imagem de Socrates, prancha de surf debaixo do braço, a trocar Paris pela praia de Carcavelos?
O desporto nacional aqui é o rugby, mas também jogam criquet e uma espécie de rugby, a que chamam football, a Aussie League que é jogado com uma bola de rugby mas agarram-na à mão e chutam. Os golos são entre altos postes, como os do bugby. Ligam pouco ao nosso futebol, ao ponto de num programa televisivo do tipo casamenteiro apresentarem um dos concorrentes especificando que era jogador profissional de soccer. Como se referíssemos em Portugal: “este concorrente chama-se Ronaldo e é jogador profissional de futebol”.
Para além disto há corridas de cavalos, de carros, golf, etc.

2 de outubro de 2015

Darwin - Australia




Mal o avião aterrou um cheiro intenso a queimado invadiu a cabina. Os passageiros que estavam à janela apressaram-se a tentar perceber, através da noite escura, de onde vinha aquela cor encarniçada do céu. E, assustados, observavam asas e motores. Ao mesmo tempo a hospedeira chefe, com ar preocupado, soltava-se do seu cinto de segurança, mais completo que o dos passageiros, levantava-se da cadeira com assento que levanta de costas para a cabine de pilotagem, a lembrar as das velhas salas de cinema, e pegava no telefone para anunciar ao comandante o forte cheiro a queimado, ainda o avião rolava pela pista. Tudo isto não demorou mais de 10 a 15 segundos, até se ouvir a voz do comandante anunciar aos passageiros: Não se preocupem. Este cheiro a queimado não vem do avião. O que se passa é que parece estar tudo a arder à volta do aeroporto.
No dia seguinte os jornais mostravam carros e casas em cinzas mas a maior parte foi mato, em grandes extensões, como é comum na Austrália.
Tinha acabado de aterrar em Darwin, para o regresso à minha volta ao mundo de moto. Passava pouco das cinco da manhã e decidi ficar uma hora ou duas pelo bar do pequeno aeroporto, à espera que fossem horas decentes para aparecer no Hotel que tinha reservado uns dias antes.
Quando finalmente saí para a rua o sol já tinha nascido mas o fumo intenso não deixava ver mais que uns vinte metros à frente. O chofer de táxi considerou o fogo uma banalidade e  três ou quatro quilómetros fora daquela zona já podíamos ver o azul do céu com o calor que prometia.
As praias são boas, por aqui?
Sim, mas não se pode tomar banho.
Porquê?
“Crocodilos e alferrecas, que se agarram ao corpo e provocam fortes queimaduras”.
Nunca tinha ouvido falar em crocodilos de água salgada mas o homem informou-me que são os piores.
“Bastante maiores que os dos rios e pântanos atingem facilmente os cinco metros e em vez de arrancarem um braço ou uma perna comem a vitima até ao ultimo osso”.
Aqui, todos os anos morrem pessoas comidas pelos crocodilos, conta-me o homem.
“Já ninguém vai nadar mas às vezes andam à pesca, em pé nos barcos e os animais saltam da água para os agarrar”.
Darwin é uma cidade pequena, com pouco movimento. É aqui que chegará a moto que, depois de muita insistência minha junto da companhia de navegação timorense, lá foi carregada num contentor transportado por um navio que, a fazer escala em Singapura, há de aqui chegar dentro de uns dez dias. Não me resta mais que aguardar a passear e ler na pequena piscina do Hotel.

7 de janeiro de 2015

Dili



Da fronteira até Dili são pouco mais de cem quilómetros de uma estreita estrada em grande parte alcatroada mas em muito mau estado. Estão a repará-la mas parecem alcatroar de novo um pequeno troço de 500 metros, depois passam a alcatroar outro a uns quilómetros de distancia e assim por diante com os intervalos em terra, já com o alcatrão arrancado e obviamente com buracos e lama. Demorei duas horas e meia a percorrer os cerca de 120 Km.
Quando encontrei a primeira bomba de gasolina, já perto da cidade, o depósito estava praticamente seco embora pelo caminho tivesse visto vendedores locais com garrafas de água cheias de gasolina expostas à beira da estrada. Quis evitá-las mas numa emergência não seria a primeira vez que a “Cross Tourer” bebia daquilo.
Em Timor Leste a moeda utilizada é o Dólar Americano embora os pequenos trocos sejam pagos em moeda local, que não seve para grande coisa.
Chegado à cidade passei junto ao pequeno aeroporto, que é praticamente dentro da cidade, e pouco depois, do lado direito, na marginal, temos o Palácio do Governo vindo do tempo colonial e das poucas construções bem conservadas ou, provavelmente, reconstruído depois da guerra.
Fui direito à embaixada portuguesa porque a minha ideia era pedir ao embaixador para lá guardar a moto até tratar do seu transporte para a Austrália.
O porteiro disse-me que tinham saído todos para almoçar e só regressavam às duas. Parti então procurar onde ficar. Precisava de resolver a estadia e o transporte da moto em 24 horas, para além  de arranjar um ou vários voos que me levassem a Bangkok até à noite do dia seguinte, pois tinha o regresso a Portugal marcado para as duas da manhã a partir da capital Tailandesa.
 Tinha visto um Hotel Dili que não tinha mau aspecto sem ser de luxo e portanto estaria dentro do meu orçamento mas, quando o procurava, passei pelo Hotel Timor, de que já tinha ouvido falar e bastante melhor. Parei a moto e fui perguntar o preço do quarto. Na recepção falaram-me em 135 dólares. Era muito para o meu “budget” e perguntei o que aconselhavam a metade do preço. Antes do recepcionista responder um português, que vinha a passar no Hall, apresentou-se como diretor do Hotel e perguntou se era eu que vinha na moto. Ao confirmar disse-me que tinha que lá ficar e ofereceu-me o quarto por metade do preço.
Mais tarde, muito simpaticamente, disse-me que a moto poderia ficar guardada no Hotel até ao embarque para a Australia e que, sendo feriado no país, poderia ir comigo no dia seguinte à empresa de navegação tratar do seu transporte.
Em meia hora tinha quase todos os meus problemas resolvidos. Faltavam os voos para Bangkok que consegui depois do almoço na Internet.
Da parte da tarde, nas traseiras do Hotel, estive a tratar de lavar o moto o mais pormenorizadamente possível assim como todo o equipamento que cá deixava pois tanto a embaixada Australiana em Lisboa como outras pessoas me tinham avisado que, quando a moto entrasse no país teria que ir lavada ao pormenor. Acho que não ficou mal.
Na manhã da partida acordei cedo e, antes de ir com o diretor do Hotel à companhia de navegação, ainda estive a lavar o fato, botas e capacete, que  viajam com a moto.
E assim acabou mais uma etapa desta viagem à volta do mundo. Espero que tenham gostado de a acompanhar. Quando regressar para a próxima etapa irei percorrer a Australia, Nova Zelandia, Japão e Estados Unidos.

5 de janeiro de 2015

West Timor



Quando saí do ferry vindo da ilha de Flores para Kupang, em Timor Ocidental, eram duas da manhã. Ainda hesitei em arrancar logo a caminho da fronteira com Timor Leste mas na pequena cidade onde desembarquei haviam vários grupos de jovens com muito mau aspecto que me chamavam quando eu passava e aquela hora, sem nada para fazerem, tinham ar de quem procurava problemas.
Por outro lado, sem acesso à internet nos últimos dois dias não tinha anotado o nome das cidades por onde teria que passar pelo que mais uma vez teria que me guiar pela bússola do iphone, visto que o GPS deixou de trabalhar há uns dias. E ainda eram duas da manhã pelo que teria três horas  e meia de circulação à noite que eu tento sempre evitar, pelos perigos que envolve. Além disso também tinha dormido mal e pouco no barco, com aqueles dois homens praticamente na minha cama, um de cada lado.
Por sorte, ao atravessar a cidade, passei por um Hotel que tinha a porta aberta de maneira que fiquei por ali a dormir mais umas horas.
Acordei perto das oito da manhã mas depois de tomar um duche e o pequeno almoço fui pôr os mails em dia e verificar o trajeto que teria que efetuar até Dili. Acabei por deixar o Hotel só às onze da manhã.
A estrada até perto da fronteira, cerca de 300 Km, era melhor do que eu estava à espera embora com algumas zonas onde o alcatrão tinha abatido, provocando lombas que por duas vezes me fizeram a mala esquerda, a tal que tem um suporte partido, saltar dum dos outros dois apoios, ficando a roçar no pneu.
Quando estamos perto da fronteira temos a ultima cidade Indonésia, Atambua e depois 30 Km de uma estrada em muito mau estado. Pensei que só me podia ter enganado e por três vezes parei para perguntar se aquela estrada era a única entre Timor Ocidental e Oriental. Confirmaram-me que sim e segui caminho. Ás tantas a estrada tinha abatido com as chuvas e a faixa de alcatrão resumia-se a uma pequena passagem para motos.
Cheguei à parte Indonésia da fronteira às quatro da tarde e informaram-me que já não seria possível passar pois em Timor Leste era mais uma hora e a fronteira fechava à cinco.
Perguntei se na aldeia não haveria um sítio onde pudesse ficar, uma pensão ou alguém que alugasse um quarto até porque nessa altura começou a chover e a estrada de volta para a cidade estaria ainda pior.
Disseram-me que não mas o chefe de alfândega acabou por me perguntar se eu não queria ficar a dormir no sofá da messe dos funcionários da alfândega, mesmo ali ao lado. Aceitei a sugestão e arrumei a moto num barracão que me indicaram. Nesse momento a chuva aumentou muito de intensidade.
Instalei-me na messe, sozinho, pois os guardas partiram para casa. Passado um bocado apareceu um, de camuflado, a dizer que eu ali não estaria bem e se não preferia ir dormir à camarata dos militares, que me arranjava um colchão. Concordei e levou-me falar com o chefe que acabou por sugerir eu ficar num colchão no escritório dele. Fui a uma pequena loja local comprar mais uma daquelas embalagens com esparguete instantâneo e tofu que tinha sido também o meu almoço e jantar do dia anterior e por ali fiquei a dormir. Às seis da manhã o chefe já estava no escritório e acordei com ele a traçar linhas num mapa com os pontos a controlar na fronteira terrestre.
Levantei-me, agradeci a estadia e voltei para a messe ler, porque a fronteira só abria às oito.
Quando passei para o lado de Timor Leste os guardas pareciam crianças, divertidos a praticar o seu português.

2 de janeiro de 2015

Barco Flores - Timor




Parecem cadáveres espalhados pelo chão depois de uma batalha.
Estou no barco que me leva da ilha de Flores para a de Timor. Uma viagem de 17 horas que começou antes das nove da manhã. É um ferry com uma parte de baixo onde carregam carros, motos, camiões, cavalos e cabras e um andar superior onde vão a maioria das pessoas. Outras preferem viajar deitadas em cima dos tejadilhos dos camiões que conduzem ou, como um grupo de mulheres que estenderam umas esteiras no espaço reservado aos veículos e ali fazem a viagem, algumas deitadas, a dormir, outras em amena cavaqueira e outras a tratarem de filhos pequenos. Alguns maridos também dormem por perto, junto aos dois carros, quatro camiões, umas dezenas de scooters, a Cross Tourer e uma quantidade de sacos de arroz que ali foram descarregados em carrinhos de mão nas primeiras horas da manhã. Na parte da frente, junto à rampa de saída, depois dos camiões, três cavalos alimentam-se da palha que o dono espalhou na zona, transformada em pequena cavalariça, enquanto do lado contrário quatro cabras comem ervas que penduraram numas escadas e um porco preto dorme no chão.
Fui dos últimos a subir para o andar de cima porque, sabendo como o mar pode ser bravo nesta zona, quis certificar-me que a moto era bem atada ao convés.
O espaço para passageiros é escasso para as necessidades. Para além dos que viajam no reservado aos veículos e animais, há quem prefira ficar pelas escadas de acesso ao piso superior. A sala única, que funciona como dormitório, bar, sala de estar e de jantar não tem mais que vinte por dez metros. Quando chego as cadeiras já estão todas ocupadas, algumas por homens e mulheres deitados ao longo de três a dormir. No chão desta sala, felizmente com janelas abertas para o calor e o bom tempo, colchões forrados a plástico que o barco disponibiliza acomodam mais homens e mulheres atacados pela doença do sono. Alguns preferem esteiras próprias.
Pouco depois de partirmos já há quem almoce um arroz trazido de casa, embrulhado em papel pardo ou comprado a vendedoras que antes do barco arrancar cá vêm dentro comercializar embalagens plásticas de refeições que confeccionaram essa madrugada compostas de arroz, legumes e ovos fritos.
A alternativa à sala é um dormitório com quarenta beliches colados uns aos outros e todos eles ocupados.
Mas antes de subir para o primeiro andar, enquanto esperava que atassem a moto, estava descansado. Quando comprei o bilhete tinham-me dito que, já no barco, poderia comprar o acesso a uma cabine VIP, por pouco mais de seis euros, talvez o mesmo que paga um passageiro sem veículo, tendo em conta que o meu bilhete com a moto custou 23.
Fui à procura da cabine. Era outra sala com beliches idêntica à primeira. A diferença é que esta tinha ar condicionado, as pessoas e camas um ar um pouco mais limpo e os lugares eram reservados. À falta de alternativa pedi um. As camas de baixo são no chão e preferi uma de cima, a pouco mais de um metro de altura. Os colchões estão encostados uns aos outros em grupos de cinco. Pousei em cima o blusão e capacete, a guardar o lugar, e fui procurar um sítio onde me sentar a ler, de preferência junto a uma janela. Na sala principal, ultra congestionada, foi impossível e acabei por colocar três dos colchões plásticos junto a uma das janelas do dormitório VIP. Extraordinário como não é só na Europa que esta sigla se banalizou. Zona VIP hoje em dia é um espaço ligeiramente melhor que o restante onde os amigos dos porteiros se misturam com atrizes de novela. Aqui não há atrizes mas há amigos de porteiros. Pouco depois de me ter instalado tive o azar de dois deles, sem lugar nos beliches, se virem deitar a dormir colados a mim, enquanto lia. O que estava ao meu lado não só ressonava como rangia os dentes de uma forma que fiquei com a ideia que se iam partir a qualquer momento.
Tanta gente a dormir fez-me sono e decidi ir até ao meu beliche. Já tinha um vizinho de cada lado, tão perto como se tivesse duas mulheres na minha cama. Quando acordei e hesitava em voltar ao meu lugar junto à janela, o do lado direito virou-se na cama e encostou a cabeça ao meu ombro. O meu “Hey”, mais alto que a conversa de fundo da televisão ligada ininterruptamente, foi suficiente para que se virasse para o outro lado, sem sequer abrir os olhos.
Pela uma e meia da tarde, ainda sem fome, decidi ir almoçar para passar o tempo. Sentei-me no bar e pedi um esparguete fininho com tofu que vêm numa embalagem plástica, idêntico ao que tinha comido na ultima viagem de barco.
Voltei para o meu lugar junto à janela para me distrair a ler e escrever e pelas cinco e meia da tarde desci à parte de baixo e, através de uma escada metálica, subi para um dos cantos do navio junto às amarrações e que são o único lugar ao ar livre que o barco tem disponível, reservado à tripulação. Fiquei, durante perto de uma hora, com dois dos marinheiros, a ver os golfinhos que saltavam à volta do barco, não em grupo como os costumamos ver, mas separados uns 20 a 50 metros uns dos outros, um ou outro a atreverem-se junto ao barco.