2 de janeiro de 2015

Barco Flores - Timor




Parecem cadáveres espalhados pelo chão depois de uma batalha.
Estou no barco que me leva da ilha de Flores para a de Timor. Uma viagem de 17 horas que começou antes das nove da manhã. É um ferry com uma parte de baixo onde carregam carros, motos, camiões, cavalos e cabras e um andar superior onde vão a maioria das pessoas. Outras preferem viajar deitadas em cima dos tejadilhos dos camiões que conduzem ou, como um grupo de mulheres que estenderam umas esteiras no espaço reservado aos veículos e ali fazem a viagem, algumas deitadas, a dormir, outras em amena cavaqueira e outras a tratarem de filhos pequenos. Alguns maridos também dormem por perto, junto aos dois carros, quatro camiões, umas dezenas de scooters, a Cross Tourer e uma quantidade de sacos de arroz que ali foram descarregados em carrinhos de mão nas primeiras horas da manhã. Na parte da frente, junto à rampa de saída, depois dos camiões, três cavalos alimentam-se da palha que o dono espalhou na zona, transformada em pequena cavalariça, enquanto do lado contrário quatro cabras comem ervas que penduraram numas escadas e um porco preto dorme no chão.
Fui dos últimos a subir para o andar de cima porque, sabendo como o mar pode ser bravo nesta zona, quis certificar-me que a moto era bem atada ao convés.
O espaço para passageiros é escasso para as necessidades. Para além dos que viajam no reservado aos veículos e animais, há quem prefira ficar pelas escadas de acesso ao piso superior. A sala única, que funciona como dormitório, bar, sala de estar e de jantar não tem mais que vinte por dez metros. Quando chego as cadeiras já estão todas ocupadas, algumas por homens e mulheres deitados ao longo de três a dormir. No chão desta sala, felizmente com janelas abertas para o calor e o bom tempo, colchões forrados a plástico que o barco disponibiliza acomodam mais homens e mulheres atacados pela doença do sono. Alguns preferem esteiras próprias.
Pouco depois de partirmos já há quem almoce um arroz trazido de casa, embrulhado em papel pardo ou comprado a vendedoras que antes do barco arrancar cá vêm dentro comercializar embalagens plásticas de refeições que confeccionaram essa madrugada compostas de arroz, legumes e ovos fritos.
A alternativa à sala é um dormitório com quarenta beliches colados uns aos outros e todos eles ocupados.
Mas antes de subir para o primeiro andar, enquanto esperava que atassem a moto, estava descansado. Quando comprei o bilhete tinham-me dito que, já no barco, poderia comprar o acesso a uma cabine VIP, por pouco mais de seis euros, talvez o mesmo que paga um passageiro sem veículo, tendo em conta que o meu bilhete com a moto custou 23.
Fui à procura da cabine. Era outra sala com beliches idêntica à primeira. A diferença é que esta tinha ar condicionado, as pessoas e camas um ar um pouco mais limpo e os lugares eram reservados. À falta de alternativa pedi um. As camas de baixo são no chão e preferi uma de cima, a pouco mais de um metro de altura. Os colchões estão encostados uns aos outros em grupos de cinco. Pousei em cima o blusão e capacete, a guardar o lugar, e fui procurar um sítio onde me sentar a ler, de preferência junto a uma janela. Na sala principal, ultra congestionada, foi impossível e acabei por colocar três dos colchões plásticos junto a uma das janelas do dormitório VIP. Extraordinário como não é só na Europa que esta sigla se banalizou. Zona VIP hoje em dia é um espaço ligeiramente melhor que o restante onde os amigos dos porteiros se misturam com atrizes de novela. Aqui não há atrizes mas há amigos de porteiros. Pouco depois de me ter instalado tive o azar de dois deles, sem lugar nos beliches, se virem deitar a dormir colados a mim, enquanto lia. O que estava ao meu lado não só ressonava como rangia os dentes de uma forma que fiquei com a ideia que se iam partir a qualquer momento.
Tanta gente a dormir fez-me sono e decidi ir até ao meu beliche. Já tinha um vizinho de cada lado, tão perto como se tivesse duas mulheres na minha cama. Quando acordei e hesitava em voltar ao meu lugar junto à janela, o do lado direito virou-se na cama e encostou a cabeça ao meu ombro. O meu “Hey”, mais alto que a conversa de fundo da televisão ligada ininterruptamente, foi suficiente para que se virasse para o outro lado, sem sequer abrir os olhos.
Pela uma e meia da tarde, ainda sem fome, decidi ir almoçar para passar o tempo. Sentei-me no bar e pedi um esparguete fininho com tofu que vêm numa embalagem plástica, idêntico ao que tinha comido na ultima viagem de barco.
Voltei para o meu lugar junto à janela para me distrair a ler e escrever e pelas cinco e meia da tarde desci à parte de baixo e, através de uma escada metálica, subi para um dos cantos do navio junto às amarrações e que são o único lugar ao ar livre que o barco tem disponível, reservado à tripulação. Fiquei, durante perto de uma hora, com dois dos marinheiros, a ver os golfinhos que saltavam à volta do barco, não em grupo como os costumamos ver, mas separados uns 20 a 50 metros uns dos outros, um ou outro a atreverem-se junto ao barco.  

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