Quando finalmente passei a fronteira eram cinco e meia da tarde e não
pretendia rodar de noite, principalmente neste país que não conhecia e que é
considerado extremamente perigoso. O homem que me tinha ajudado na fronteira
disse-me que havia um Hotel decente a meia dúzia de quilómetros e que as
primeiras caixas multibanco, que precisava para levantar dólares americanos, a
moeda corrente em El Salvador, estavam numa vila cinco quilómetros á frente.
Comecei por ir às caixas multibanco mas só à quarta consegui levantar dinheiro
e apenas com o cartão VISA pois este parece ser o primeiro país que encontro,
para além do Irão, onde os cartões multibanco portugueses não funcionam.
Voltei para trás à procura do Hotel. Era um dos tais moteis alugados à hora,
com um mural manhoso em que se podia ver um casal em pose romântica. A imagem
contrastava com o recepcionista, que saiu da pequena cabine à entrada, de
metralhadora a tiracolo. Pediu-me 30 dólares pela estadia mas quando me queixei
do preço ligou para o patrão que apareceu a dizer que eram 20. Por ali fiquei,
já a noite caída e sem alternativa. Pedi que mandassem vir qualquer coisa para
jantar da vila. Escolhi frango da lista que estava exposta numa das paredes do
quarto, a fazer de quadro. Passadas duas horas em que me entretive a colocar a
escrita em dia, pois nem Internet tinham, o patrão bateu-me à janela a anunciar
que não tinham frango e pedi então uma espécie de panquecas com queijo no meio que chegaram dez minutos depois.
Arranquei pelas oito e meia da manhã e às dez cheguei à praia do Tonco de
que me tinham falado. É dos poucos sítios em El Salvador onde há algum turismo,
atraído pelas boas ondas para surf. Aqui estavam alguns americanos de pés
descalços e pranchas debaixo do braço. Mas o local era pouco atractivo, com
ruas estreitas e pequenos hotéis e restaurantes com um ar bera. Bebi um sumo de
frutas num bar e parti. Meia dúzia de quilómetros à frente, uma entrada para
uma praia chamou-me a atenção. Entrei por uma estrada de terra que só tinha uma
fila de casas a separá-la do mar e, ao fundo, dei com um pequeno Hotel com uma
prancha de surf à porta a fazer de letreiro. Era explorado por uma mãe e a
filha, muito simpáticas. A água mal corria nas torneiras mas a situação era
fantástica, com um agradável terraço e uma piscina sobre uma praia quase
deserta. Era o único cliente mas gostei tanto do ambiente que por ali fiquei
dois dias, a ler e a escrever no terraço entre fabulosos banhos de mar. À hora
do almoço pegava na moto e ia até um dos restaurantes do Tongo.
Quando parti fiz 200 Km até à fronteira. El Salvador é um país pobre, com
menos de 300 Km de comprimentos, mas uma população que ultrapassa os seis
milhões, sujeito a várias catástrofes
naturais por estar numa zona sísmica, com vinte vulcões, dois deles com alguma
actividade, como pude observar ao longe. Para além disso têm tido ora períodos de
grave seca ora de enormes cheias.
Alguns locais dizem que o país foi vendido aos Estados Unidos, que o têm
ajudado nas crises e certamente influenciaram a mudança da moeda, em 2001, para
o dólar americano. Têm muita criminalidade, alimentada por ser um dos
corredores da droga que vem da América do Sul. A senhora do Hotel
recomendava-me à saída: “Tome cuidado, aqui há muita delinquência” e,
inocentemente, contava-me a história de um cliente Russo, que tinha tido duas
semanas antes, e que era muito estranho pois passava a maior parte dos dias
fechado no quarto e, as duas vezes por dia que de lá saía, avisava para não
entrarem porque tinha lá colocado um alarme.
Percorri o resto o país pela estrada que segue perto da costa. Já perto da
fronteira parei para assistir um pouco a uma cerimónia religiosa que se
realizava num descampado junto à estrada e que tinha a curiosidade de ser acompanhada
não só por um conjunto de viola e bateria como por três ou quatro cozinheiras
que preparavam umas panquecas para distribuir pelos crentes. Ofereceram-me até
um sumo.
Quando cheguei à fronteira já me esperava um tal Sr. Lino, há dois dias,
pois tinha sido enviado pelo homem que me tinha ajudado a tratar dos papéis na
entrada.
- Sr. Francisco, o Português?
- Sim.
- Eu sou o Lino. O José disse que o senhor se ia lembrar do meu nome porque
tem um amigo com o mesmo nome.
Este era menos eficiente que o colega, para além de aldrabão, de maneira
que ficou triste quando só lhe paguei dez dólares.
Foi bom nesse dia ter vestido as calças do fato e as botas porque muitas
vezes, quando está calor, viajo de jeans e sapatos de ténis. Quando arranquei junto
à fronteira, um Pit Bull trincou-me uma
perna e veio a arrastar, puxado pela moto, sem largar. Furou-me as calças do fato com os dentes
mas não ultrapassou as botas. Se venho de jeans estava tramado.
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