5 de outubro de 2013

Siliguri




Tough day.
Navegar nesta terra não é fácil. Quando cheguei à conclusão que o GPS aqui servia apenas de bússola, quando muito, pois o país não está digitalizado, tentei arranjar um mapa de estradas da Índia, para me tentar orientar. Não encontrei uma loja que vendesse um mapa e depois comecei a perceber que um mapa também não me serviria de nada pois eles não só não têm os nomes das terras indicados à entrada e saída das vilas e cidades como muito raramente têm indicações de direções de povoações ou distancias. As próprias ruas também não têm nomes e as estradas quase nunca marcos com números.
O que acontece é que os Indianos não viajam de carro e muito menos de moto. Os carros e as motos de 125 ou 150 c.c. são para percorrer distancias curtas em trajetos que conhecem. Quando têm que viajar para mais longe vão de comboio ou camioneta de passageiros. Quando raramente fazem uma viagem de carro utilizam o mesmo sistema que adoptei, que consiste em escrever os nomes das cidades e vilas por onde têm que passar para chegar a um determinado destino e perguntar aos populares como se chega à vila seguinte. Normalmente vejo o trajeto no “google maps” mas já me aconteceu adoptar o sistema deles e perguntar a alguém que saiba, os nomes das vilas por onde tenho que passar.
O trajeto de hoje levar-me-ia a entrar no Bangladesh pelo norte do país.
A aldeia junto à floresta da “Buxa Tiger Reserve” onde tinha ficado, estava a cerca de 100 Km da fronteira. Arranquei por uma estrada interior que me indicaram no Hotel pelas dez da manhã mas passadas duas horas a rodar no meio de um transito infernal através de vilas e aldeias não tinha percorrido mais de 70 Km. até que me indicaram uma estrada para a fronteira com o Bangladesh com muito pouco movimento. Estranhei porque estas fronteiras têm normalmente muito transito, principalmente de camiões. Quanto mais me aproximava da fronteira mais a estrada estreitava e o tráfego diminuía, até que parei junto a uma barraca onde vendiam bebidas para comprar uma água. Venderam-me uma garrafa de água morna porque, embora estivesse dentro dum frigorifico, não tinham eletricidade e confirmaram que estava a caminho da fronteira com o Bangladesh, que não distava mais de dois ou três quilómetros. Arranquei e, depois de uma ponte, a estrada estreitou ainda mais e passou a ser de terra. Pensei que iria entrar no país por uma fronteira recôndita e não me pareceu má ideia. Não tinha percorrido mais de um quilómetro na estrada de terra quando um militar de espingarda ao ombro,  que estava à porta de um quartel à beira da estrada daqueles tão rudimentares que só tinha visto nos filmes, me deu um grito e me mandou ir ter com ele. Pediu que estacionasse a moto junto a uma banca com o tecto em colmo à porta do quartel e que esperasse. Como não se passava nada decidi tirar umas fotografias à moto junto aquele quartel tão pitoresco e ouvi então um segundo grito, desta vez vindo de uma cabana dentro do perímetro do quartel: “No photos, no photos”
Passado um minuto apareceu outro guarda que me pediu que o acompanhasse ao comandante. O comandante do quartel parecia ter sido tirado de um filme do Indiana Jones. Com os seus quarenta e poucos anos tinha ar de “tough playboy”, com uma barba curta e o cabelo comprido apanhado dentro dum boné da tropa, que o segurava. Era simpático e falava bem Inglês. Educadamente perguntou-me o que fazia ali, de onde era e para onde pretendia ir. Nessa altura reparei que quatro militares me tiravam o que primeiro pensei serem fotografias e depois percebi ser filme, dois deles com telemóveis e dois outros com câmaras. Como na Índia tem sido habitual tirarem-me fotografias a toda a hora comecei por fazer pose, tipo sorriso nº5 e só depois percebi que eles estavam simplesmente a cumprir a ordem de me filmarem a responder ao inquérito. O comandante explicou-me que aquela era uma fronteira muito restrita e que eu teria que voltar atrás e ir a uma outra 80 Km a sul. Agradeci a informação, despedi-me do personagem e parti em direção à moto. Só que os quatro militares continuavam a filmar todos os meus movimentos enquanto um deles me repetia algumas das perguntas que o comandante me tinha feito e outro me dizia que tinha que apagar as fotografias que tinha tirado. “Sim, sim, eu depois apago” E ele voltava a repetir que tinha que apagar as fotografias. Até que, quando me preparava para montar na moto, com todos aqueles “cameramen” improvisados à minha volta, ele insistiu. “Não. Tem que apagar, agora. Já”. Não tive outro remédio senão cumprir a ordem, com a operação a ser também documentada em filme, para arquivo do quartel.
Lá acabei por arrancar para a outra fronteira através de uma estrada razoável. Quando lá cheguei eram três da tarde e depois de passar as filas de muitas dezenas de camiões cheguei à barraca onde estavam instalados os oficiais da alfandega Indiana. Como não tinha visto para o Bangladesh não me deixaram passar, por mais que insistisse que trataria dele na fronteira. Disseram que teria que ir a Calcutá, 600 Km para sul, ao consulado do Bangladesh na cidade.
Sem alternativa deixei a segunda fronteira do dia sem a conseguir passar.
Agora seguia por uma estrada terrível, idêntica à que tinha apanhado à saída do Nepal, em terra muito esburacada e com grande movimento de camiões. São estradas muito perigosas pois os camiões tanto para tentarem desviar dos buracos como de outros camiões que vêm em sentido contrario nas faixas que deveriam ser deles, andam constantemente a varrer a estrada, da esquerda para a direita e vice versa. Na outra estrada à saída do Nepal vi a vida mal parada duas ou três vezes mas agora aconteceu mesmo o que estava à espera mais dia menos dia. Um dos camiões encostou-se todo à direita, não percebi por que razão e quando o ia a passar pela esquerda, guinou para cima de mim sem me deixar estrada. Deu-me uma pancada de lado com que voei para fora de estrada, eu e a moto, aos rebolões por um barranco.  Tive sorte pois não me magoei nada e a pobre “Cross Tourer” partiu os suportes das malas, que saltaram fora, e a maneta da embraiagem. Podia ter sido muito pior. Dois metros à frente teria batido forte contra uma árvore. O homem parou assustado e da parte de trás do camião saltaram mais três que me ajudaram a colocar a moto de volta na estrada.
Depois de recolocar as malas no sítio, apoiadas nos suportes que restavam, voltei a arrancar por aquele pesadelo de estrada, a caminho da próxima cidade. Tive que fazer mais setenta quilómetros com um coto como maneta de embraiagem o que foi duro pois nestas estradas temos que passar muitas vezes de caixa e por várias vezes tive que pôr primeira para passar por buracos tão fundos que a moto, que é alta, batia com a parte de baixo no chão.
Quando cheguei a Siliguri, uma destas cidades sem graça nenhuma, eram seis da tarde, estava a escurecer e tinha dois dos dedos da mão esquerda quase em sangue. Tive a sorte de passar à porta de um grande concessionário Honda. Pedi para falar com o gerente, expliquei-lhe a situação e ele tratou logo de me resolver o problema. Fui com um dos empregados e uma maneta nova de uma 125 a um soldador local que cortou a ponta dessa maneta e soldou ao resto da minha. Ficou um trabalho impecável e no concessionário não só não me deixaram pagar como me ofereceram um perfume de presente, provavelmente por estar a cheirar tanto a suor.  

1 comentário:

  1. Oh Céus! Isso está mesmo difícil. India, sempre a India.
    Ainda bem que tanto a moto como o Francisco são resistentes.
    Boa viagem.
    Ana

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