Navegar nesta
terra não é fácil. Quando cheguei à conclusão que o GPS aqui servia apenas de
bússola, quando muito, pois o país não está digitalizado, tentei arranjar um
mapa de estradas da Índia, para me tentar orientar. Não encontrei uma loja que
vendesse um mapa e depois comecei a perceber que um mapa também não me serviria
de nada pois eles não só não têm os nomes das terras indicados à entrada e saída
das vilas e cidades como muito raramente têm indicações de direções de
povoações ou distancias. As próprias ruas também não têm nomes e as estradas
quase nunca marcos com números.
O que acontece é
que os Indianos não viajam de carro e muito menos de moto. Os carros e as motos
de 125 ou 150 c.c. são para percorrer distancias curtas em trajetos que
conhecem. Quando têm que viajar para mais longe vão de comboio ou camioneta de
passageiros. Quando raramente fazem uma viagem de carro utilizam o mesmo
sistema que adoptei, que consiste em escrever os nomes das cidades e vilas por
onde têm que passar para chegar a um determinado destino e perguntar aos
populares como se chega à vila seguinte. Normalmente vejo o trajeto no “google
maps” mas já me aconteceu adoptar o sistema deles e perguntar a alguém que
saiba, os nomes das vilas por onde tenho que passar.
O trajeto de hoje
levar-me-ia a entrar no Bangladesh pelo norte do país.
A aldeia junto à
floresta da “Buxa Tiger Reserve” onde tinha ficado, estava a cerca de 100 Km da
fronteira. Arranquei por uma estrada interior que me indicaram no Hotel pelas
dez da manhã mas passadas duas horas a rodar no meio de um transito infernal
através de vilas e aldeias não tinha percorrido mais de 70 Km. até que me
indicaram uma estrada para a fronteira com o Bangladesh com muito pouco
movimento. Estranhei porque estas fronteiras têm normalmente muito transito,
principalmente de camiões. Quanto mais me aproximava da fronteira mais a
estrada estreitava e o tráfego diminuía, até que parei junto a uma barraca onde
vendiam bebidas para comprar uma água. Venderam-me uma garrafa de água morna
porque, embora estivesse dentro dum frigorifico, não tinham eletricidade e
confirmaram que estava a caminho da fronteira com o Bangladesh, que não distava
mais de dois ou três quilómetros. Arranquei e, depois de uma ponte, a estrada
estreitou ainda mais e passou a ser de terra. Pensei que iria entrar no país por
uma fronteira recôndita e não me pareceu má ideia. Não tinha percorrido mais de
um quilómetro na estrada de terra quando um militar de espingarda ao ombro, que estava à porta de um quartel à beira da
estrada daqueles tão rudimentares que só tinha visto nos filmes, me deu um
grito e me mandou ir ter com ele. Pediu que estacionasse a moto junto a uma
banca com o tecto em colmo à porta do quartel e que esperasse. Como não se
passava nada decidi tirar umas fotografias à moto junto aquele quartel tão
pitoresco e ouvi então um segundo grito, desta vez vindo de uma cabana dentro
do perímetro do quartel: “No photos, no photos”
Passado um minuto
apareceu outro guarda que me pediu que o acompanhasse ao comandante. O
comandante do quartel parecia ter sido tirado de um filme do Indiana Jones. Com
os seus quarenta e poucos anos tinha ar de “tough playboy”, com uma barba curta
e o cabelo comprido apanhado dentro dum boné da tropa, que o segurava. Era simpático
e falava bem Inglês. Educadamente perguntou-me o que fazia ali, de onde era e
para onde pretendia ir. Nessa altura reparei que quatro militares me tiravam o
que primeiro pensei serem fotografias e depois percebi ser filme, dois deles
com telemóveis e dois outros com câmaras. Como na Índia tem sido habitual
tirarem-me fotografias a toda a hora comecei por fazer pose, tipo sorriso nº5 e
só depois percebi que eles estavam simplesmente a cumprir a ordem de me
filmarem a responder ao inquérito. O comandante explicou-me que aquela era uma
fronteira muito restrita e que eu teria que voltar atrás e ir a uma outra 80 Km
a sul. Agradeci a informação, despedi-me do personagem e parti em direção à
moto. Só que os quatro militares continuavam a filmar todos os meus movimentos
enquanto um deles me repetia algumas das perguntas que o comandante me tinha
feito e outro me dizia que tinha que apagar as fotografias que tinha tirado.
“Sim, sim, eu depois apago” E ele voltava a repetir que tinha que apagar as
fotografias. Até que, quando me preparava para montar na moto, com todos
aqueles “cameramen” improvisados à minha volta, ele insistiu. “Não. Tem que
apagar, agora. Já”. Não tive outro remédio senão cumprir a ordem, com a
operação a ser também documentada em filme, para arquivo do quartel.
Lá acabei por
arrancar para a outra fronteira através de uma estrada razoável. Quando lá
cheguei eram três da tarde e depois de passar as filas de muitas dezenas de
camiões cheguei à barraca onde estavam instalados os oficiais da alfandega
Indiana. Como não tinha visto para o Bangladesh não me deixaram passar, por
mais que insistisse que trataria dele na fronteira. Disseram que teria que ir a
Calcutá, 600 Km para sul, ao consulado do Bangladesh na cidade.
Sem alternativa
deixei a segunda fronteira do dia sem a conseguir passar.
Agora seguia por
uma estrada terrível, idêntica à que tinha apanhado à saída do Nepal, em terra
muito esburacada e com grande movimento de camiões. São estradas muito
perigosas pois os camiões tanto para tentarem desviar dos buracos como de
outros camiões que vêm em sentido contrario nas faixas que deveriam ser deles,
andam constantemente a varrer a estrada, da esquerda para a direita e vice
versa. Na outra estrada à saída do Nepal vi a vida mal parada duas ou três
vezes mas agora aconteceu mesmo o que estava à espera mais dia menos dia. Um
dos camiões encostou-se todo à direita, não percebi por que razão e quando o ia
a passar pela esquerda, guinou para cima de mim sem me deixar estrada. Deu-me
uma pancada de lado com que voei para fora de estrada, eu e a moto, aos
rebolões por um barranco. Tive sorte
pois não me magoei nada e a pobre “Cross Tourer” partiu os suportes das malas,
que saltaram fora, e a maneta da embraiagem. Podia ter sido muito pior. Dois
metros à frente teria batido forte contra uma árvore. O homem parou assustado e
da parte de trás do camião saltaram mais três que me ajudaram a colocar a moto
de volta na estrada.
Depois de
recolocar as malas no sítio, apoiadas nos suportes que restavam, voltei a arrancar
por aquele pesadelo de estrada, a caminho da próxima cidade. Tive que fazer
mais setenta quilómetros com um coto como maneta de embraiagem o que foi duro
pois nestas estradas temos que passar muitas vezes de caixa e por várias vezes
tive que pôr primeira para passar por buracos tão fundos que a moto, que é
alta, batia com a parte de baixo no chão.
Quando cheguei a
Siliguri, uma destas cidades sem graça nenhuma, eram seis da tarde, estava a
escurecer e tinha dois dos dedos da mão esquerda quase em sangue. Tive a sorte
de passar à porta de um grande concessionário Honda. Pedi para falar com o
gerente, expliquei-lhe a situação e ele tratou logo de me resolver o problema.
Fui com um dos empregados e uma maneta nova de uma 125 a um soldador local que
cortou a ponta dessa maneta e soldou ao resto da minha. Ficou um trabalho
impecável e no concessionário não só não me deixaram pagar como me ofereceram
um perfume de presente, provavelmente por estar a cheirar tanto a suor.
Oh Céus! Isso está mesmo difícil. India, sempre a India.
ResponderEliminarAinda bem que tanto a moto como o Francisco são resistentes.
Boa viagem.
Ana