2 de maio de 2017

Portobelo


O comandante acabou por chegar mais cedo do que estava previsto. Não era o homem com quem tinha estado no dia anterior. Este tinha os seus oitenta anos, ar de velho lobo do mar e insistiu em falar inglês comigo, embora o seu inglês fosse terrível. Era simpático e acabei por ter que voltar a negociar o preço do transporte que ficou, desta vez, em 240 dólares com a alimentação. Num intervalo da nossa conversa falou com o capitão de outro barco e ouvi-o dizer que já não se lembrava do percurso para a Colômbia, como se estivessem a falar de um percurso por estrada. Adicionado ao facto de o homem ter vindo de rezar durante três horas achei que me estava a colocar numa situação verdadeiramente desconfortável. Será que estes homens, em pleno século XXI, ainda navegam à vista nestas carcaças flutuantes?
Finalmente disse-me que ainda teríamos que falar com o dono do barco quando eu não fazia ideia que existia um “dono do barco”. Lá fomos ter com ele, que falava em voz baixa, com um outro elemento da tripulação. Era um rapaz novo, dos seus trinta e poucos anos, todo vestido de branco, incluindo o boné. Tinha uma barba com o corte ajustado a três ou quatro dias e um ar de “dealer” indisfarçável. O que vale é que o transporte que eu precisava era no sentido contrario ao movimento da droga.
O rapaz achou divertida a ideia de transportar a moto e nem quis saber o preço negociado entre mim e o capitão, como sendo um pormenor sem importância, uma atitude que não parecia coincidir com a qualidade do barco, a cair de podre.
Despedi-me do velho comandante com Alzheimer, que insistia em falar inglês comigo, não sei se para impressionar o pessoal, e parti de regresso ao meu Hostel de Portobelo onde as irmãs Venezuelanas me receberam de volta de braços abertos. Uma delas ficara muito impressionada por me ouvir falar francês com o patrão Vietnamita e inglês com outros clientes de maneira que agora me pede que a acompanhe junto dos clientes estrangeiros que vêm almoçar, para que traduza o menu. Já faço parte da mobília.
Dois dias antes tinha lá aterrado um casal de miúdos americanos, nos seus trintas, muito simpáticos, que vinham cada um na sua moto e tinham saído dos Estados Unidos há seis meses numa viagem que incluiu um estoiro do rapaz no México, quando bateu de frente contra um carro à saída de uma curva, deslocando um ombro, o que os obrigou a pararem um mês. Tinha estado um par de horas à conversa com eles e acabámos por jantar juntos. Tinham marcado um barco à vela com antecedência para transportarem as suas motos para a Colômbia, mas, mesmo sendo pequenas,  custou-lhes mais de mil dólares a cada um. Gostei imenso dos miúdos.
A pequena vila e baía de Portobelo foi muito importante no tempo dos colonizadores espanhóis, que aqui guardavam o ouro que recolhiam nas minas da América do Sul antes de o enviarem para Espanha. Por isso tinha um forte de cada lado da vila, de que hoje restam ruinas. Eram constantemente atacados, não só por piratas como pelos ingleses. O famoso Francis Drake, navegador, pirata e amante da rainha, acabou por morrer nesta baía e o seu corpo atirado ao mar, anos mais tarde dando nome à pequena ilha em frente do Hostel.
Há uns dias conheci aqui um português muito interessante. O Rui veio para Portobelo há uns anos montar uma pequena ONG que é, principalmente, uma escola de música gratuita para miúdos locais a que ele chamou “La Escuelita del Ritmo”. Tem tido imenso sucesso. Começou por ser contratado por uma família rica espanhola, que aqui tem casa, para montar este projecto e mais tarde conseguiu apoios governamentais americanos. Uma das suas alunas já ganhou uma bolsa nos Estados Unidos e outros estão a caminho. Junto à escola o Rui montou uma galeria de arte local de excepcional qualidade e está a construir um mini Hotel nesta zona que pela sua beleza natural vai certamente tornar-se um importante centro turístico na região. Um destes dias apareceu por aqui para beber uma cerveja comigo e convidou-me depois para um churrasco em casa de um amigo americano que tem uma casa no meio da selva.  O rapaz dos seus trinta anos, muito magro, ruivo, de enormes barbas, organiza passeios através da floresta para turistas em que vai falando não só sobre as muitas plantas que conhece como sobre os animais que encontram. Por vezes fazem passeios nocturnos, que incluem acampamentos onde dormem em redes estendidas entre duas árvores e protegidas por uma rede mosquiteira. Mostrou-me fotografias fabulosas de plantas e animais que incluíam muitos tipos de cobras, macacos, pássaros, etc. Contou-me que provavelmente mais de metade dos animais da selva se encontram nas árvores.





2 comentários:

  1. Mas porque tem de ir de barco?

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    1. Porque simplesmente não há travessia rodoviária entre o Panamá e a Colômbia, aparentemente para impedir o tráfico de droga.

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