Estava um dia de sol lindo quando deixei New Orleans, a contrastar com a
tempestade de dois dias antes. Ainda quis passar na zona mais afectada pelo
Tornado para tirar umas fotografias mas a policia tinha o local bloqueado.
Segui para Ocidente e ainda não eram quatro da tarde quando decidi parar,
numa pequena cidade chamada Lafayette. Vi um Motel Super 8, uma cadeia de fraca
qualidade mas que tem dos melhores preços e instalei-me ali. Infelizmente. A recepção
estava em obras e o corredor um pandemónio mas a situação podia ser pior até
que,… piorou. A internet não funcionava e, quando saí para jantar e perguntei à
menina da recepção onde podia ir, respondeu-me, com má cara, que não sabia e
para eu olhar para um mapa que estava em cima do balcão onde só vi indicados os
Mc Donald’s locais.
Estes Estados do Sul são os que resistiram mais à abolição da escravatura e
no fundo, ainda hoje, os brancos misturam-se pouco ou nada com os pretos, que
sentem esse trauma mais que no resto do país. O racismo normalmente resulta no
mesmo sentimento em sentido contrário e os americanos, mesmo sem o admitirem,
são acentuadamente racistas, principalmente nos Estados do interior, mais
isolados do mundo exterior. Assim, existe também um racismo acentuado dos pretos
para com os brancos. Talvez por isso alguns parecem estar mal com a vida e isso
ressente-se na maneira como tratam as outras pessoas.
Nós não percebemos bem esta situação porque somos o menos racista dos povos
e o único colonizador europeu que se misturou e integrou nas sociedades
colonizadas, do Brasil ao Oriente, passando por África e Índia. Ainda hoje os
portugueses que vão viver para África se casam com as locais sem qualquer
problema e semeámos uma cultura que permitiu situações como a de haver na
Malásia uma colónia portuguesa com centenas de anos que continuam a transmitir
a língua de pais para filhos enquanto Holandeses, que lá estiveram depois de
nós e por mais tempo, não deixaram mais que edificações. Também por isso temos
relações sentimentais com as ex-colónias que mais nenhum país tem, ao ponto de
quando ganhamos um Campeonato Europeu de futebol os habitantes de Timor ou
Moçambique festejarem o feito como também deles.
Isto mostra uma civilização e cultura, neste aspecto antropológico, mais
avançadas que a de qualquer outro país europeu.
Mas voltando a Lafayette, acabei a jantar, num quase tão horrível como Mc
Donald’s, Wendy’s um hamburger que, ao comê-lo, me fez sentir a reduzir o meu
tempo de vida por largos meses, ou mesmo anos. Sempre fui contra este tipo de
hamburgers e quando os meus filhos, em miúdos, insistiam para irmos a um Mc
Donald’s e eu acabava por ceder, comia uma salada ou uma sopa enquanto eles se
envenenavam.
Quando regressei ao Hotel, pelas dez da noite, decidi ir até à bomba de
gasolina do outro lado da rua, a pé, comprar um chocolate, onde estavam meia
dúzia de clientes e a empregada, todos pretos. Quando paguei, escolhi as moedas
até preencherem a quantia certa e fui pondo em cima do balcão. Ao arrasta-las
para o pé da mulher ela pediu, sem
sequer olhar para mim, para que eu lhas desse na mão. Ao início nem percebi o
que me pedia mas o cliente que estava atrás de mim esclareceu.
-Sim, com certeza. E apanhei as moedas, passando-as para a mão dela. Esta
gente tem mesmo um problema.
No dia seguinte a água quente deixou de correr a meio do meu duche. Saí da
casa de banho para ligar para a recepção coberto de sabão mas o telefone não
funcionava e acabei o banho com água fria. Desci depois para tomar o pequeno
almoço mas tinha acabado às ... 9 horas. Não me exaltei com a menina da
recepção mas disse-lhe que iria escrever para a sede da Super 8, para o
Booking, “you name it”.
Esta, que não sendo mais simpática era profissional, pediu desculpa e disse
que me iria creditar no cartão metade da estadia.
O dia tinha começado mal mas não se endireitou logo. Quando saí do Hotel e
entrei na autoestrada, enganei-me e segui em sentido contrário. Lembro-me de
pensar, ao passar umas pontes sobre pântanos idênticas às que tinha atravessado
no dia anterior, que este estado de Louisiana era um pântano pegado. Só
passados 60 Km, ao ver a indicação de uma cidade por onde tinha passado antes
constatei que as pontes eram as mesmas
que tinha atravessado 24 horas antes.
Dei meia volta, pus gasolina e segui viagem. Talvez esta volta me tenha
ajudado pois quando arranquei de manhã não tinha muita gasolina e tinha
decidido seguir até Houston por uma estrada secundaria que acabei por apanhar
uns 20 Km depois de Lafayette. Só não fazia ideia que o trajecto era tão
isolado que, durante cerca de 200 Km, só passaram por mim meia dúzia de carros,
vi umas dezenas de casas quase abandonadas e comércio ou bombas de gasolina nem
pensar. Mas a estrada era boa e gostei de rodar isolado por um par de horas.
Até que cheguei a Cameron. Aqui havia finalmente gasolina, quando o
depósito já estava outra vez vazio. Para além disso vendiam pisas na própria
bomba, que me souberam a lagosta, seguida de um gelado.
Depois de Cameron não havia ponte para atravessar o rio e tive que entrar
com a moto para um pequeno Ferry que fazia a travessia de uns cem metros
cobrando apenas um dólar por veículo, fosse ele de duas, quatro ou mais rodas.
Do outro lado passei a rodar junto à costa numa zona onde as casas estão
todas construídas sobre altas estacas, dando a entender que o mar tem o hábito
de invadir as terras. Mas estava tudo com um ar bastante desolador. Pelas
quatro da tarde entrei no Texas e pouco depois cheguei a Port Arthur onde estão
instaladas enormes e velhas refinarias que, ao deitarem uma fumarada poluente
tornam o ar quase irrespirável. Texas é onde está a maioria dos poços de
petróleo americanos e em vários locais do estado acabei por ver outras
refinarias, a maioria com muito melhor aspecto que esta.
Cheguei a Houston pelas cinco e meia da tarde. Tinha percorrido 600 Km, o
que é mais que o costume.
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