Dia fantástico
passado na floresta.
Ontem tinha
ficado nesta vila, com as ruas em terra batida, junto a um rio. Depois de me
aconselharem a não seguir viagem pelo outro lado do rio decidi ficar por aqui
e, mais tarde várias pessoas me disseram-me que a estrada que pretendia apanhar
estava praticamente intransponível, com grande quantidade de areia solta onde a
“Cross Tourer” se enterraria facilmente.
Um miúdo veio
sugerir-me uma alternativa original. Conhecia uma homem que vivia na floresta e
propôs-me fazer um passeio através da densa floresta, uma espécie de “trecking”
com a ajuda deste “homem da floresta”.
Achei boa ideia
e, passava pouco das sete e meia da manhã quando arrancamos os dois na minha
moto junto ao rio, para o atravessarmos sete ou oito quilômetros à frente. A
primeira armadilha surgiu ainda nesse trajeto quando uma ponte caída me obrigou
a atravessar outra muito rudimentar, estreita e de ar frágil. Esta estrada em
que seguíamos era só para peões e motos pois não tinha largura para caberem
carros e esta ponte não estava pensada para ser transposta por uma moto de 300
Kg. Felizmente aguentou o esforço.
A entrada para a
barcaça era através de uma rampa estreita, em terra batida com areia solta e
muita inclinação, com um barranco do lado de fora que acabava no rio. A coisa
lá correu bem mas na saída, idêntica mas a subir, deixei cair a moto,
felizmente sem estragos. Depois, no trajeto até à floresta, tive que atravessar
uma ponte que tinha abatido a meio mas que continuavam a utilizar. Pedi ao miúdo
para desmontar a lá passei sem problemas.
Chegámos a uma
pequena aldeia na floresta com quatro ou cinco casas que não eram mais que
telheiros sem paredes onde as pessoas se abrigavam das chuvas na época das
monções e do sol nestes dias de calor. Um velho preparava folhas de tabaco que
plantara junto ao rio enquanto a sua mulher fumava, tranquilamente, um cachimbo.
As crianças da pequena aldeia, ao verem aparecer a “Cross Tourer” com um homem
de capacete, devem ter pensado tratar-se de um extra terrestre e desataram a
fugir assustadas. Aqui só a partir dos sete anos usam alguma peça de roupa.
Deixei a moto na
aldeia e um miúdo guiou-nos, primeiro através de alguns campos de arroz e
depois de floresta, durante cerca de 15 minutos, até casa do tal “homem da
floresta” que vivia com uma mulher e dois filhos pequenos.
Iniciámos então a
nossa caminhada através de densa floresta, onde o homem seguia à frente, manipulando
uma espécie de pequena foice, com a qual ia abrindo caminho por entre a
vegetação. O trajeto incluiu travessias de rios em que descalçamos os sapatos e
eu também as meias, que provocaram o riso do “homem da floresta” e do miúdo que
me acompanhava. Pelo caminho passamos
por várias crateras abertas pelas bombas largadas pelos americanos durante a guerra
do Vietnam. Esta zona fica perto da fronteira e muitos dos guerrilheiros
escondiam-se nesta floresta, razão pela qual foi tão bombardeada. O vizinho
Laos, por onde passavam muitos dos abastecimentos dos Vietcongs, é considerado
o país no mundo mais bombardeado de sempre, por milhar de habitantes. Durante a
guerra do Vietnam os americanos descarregaram ali, em média, um bombardeiro B52
a cada 8 minutos durante dez anos seguidos, com o país a ser mais bombardeado
nessa época que todos os países europeus juntos durante a segunda guerra
mundial.
Passada uma hora
de caminhada começámos a ouvir um barulho de veículo a desbravar caminho
através da floresta. Cruzámo-nos então com um camião militar carregado de
árvores ao que o “homem da floresta” fez um ar de zangado. Mais à frente
encontramos várias árvores abatidas e ele parava e ficava um momento em frente
de cada uma, como quem vela um morto.
Caminhávamos há
três horas quando chegámos a um rio onde ficámos a tomar banho. Os meus
companheiros de viagem lançaram uma rede que traziam e pescaram um peixe que
assaram numa fogueira para o nosso almoço, acompanhado por arroz para eles e
dois ovos cozidos para mim, que tínhamos trazido da vila.
Partimos de volta
pela uma e meia da tarde. O “homem da floresta”, a galgar caminho sem sequer
uma bússola, de vez em quando perdia-se mas acabava por “encontrar o norte” e,
depois de passarmos por umas barracas isoladas onde mulheres descascavam arroz
num almofariz, acabámos por encontrar o rio que atravessamos descalços para
chegar de volta a casa dele já sem força nas pernas e com os pés a arderem.
Tínhamos caminhado seis horas através da floresta.
No regresso de
moto à vila da outra margem, as mesmas peripécias ao atravessar as pontes
abatidas e a dificuldade do embarque e desembarque na barcaça, quando vi a moto perto de cair ao rio com o
condutor. Mas, desta vez, não houve quedas a registar.
Que aventura fantástica. Essa moto devia era estar toda descascada sem esse peso todo. Muito vai ela ao chão. Mas aguenta-se. É uma fiel companheira.
ResponderEliminarLi toda a aventura hoje, dispensa de Carnaval, pois temos gostos parecidos, pelo menos aventuras de moto e viagens, idades identicas e o deslumbre por novos povos e conhecimento. Soube da viagem por um colega de trabalho que o conhece e fiquei tambem a saber que esteve com o consul em Pangim, meu conhecido. Ja estive por algumas das paragens, conheco algumas das burocracias e tem sido um recordar constante. Desejo a maior sorte. Um abraco, Joao Parente
ResponderEliminarAntes de mais parabéns pela coragem e pela aventura. Sem dúvida que é uma marca que fica para o resto da vida e uma experiência indiscritível que só vivida se possa sentir.
ResponderEliminarEu já tinha ouvido falar desta viagem, mas só recentemente a li de "fio a pavio" e acho impressionante. Adorava fazer uma viagem igual por isso acompanhar alguns viajantes motard's que existem pelo mundo.
Por outro lado, e compreendendo que gostaria de receber mais feedback de nossa parte, não posso deixar de sugerir outros canais de comunicação mais "instantâneos" ou mais mediaticos como o facebook ou o youtube, que perime ter seguidores e com isso recebermos a informação no "feed".
De qualquer forma fica como sugestão a inclusão de filmes e mais fotos acompanhado da excelente e clara descrição do diário.
Muita força e continuação de uma excelente viagem, estarei por aqui e noutros canais de informação que utilizar.
Abraço