Depois de um
desastre de moto dormimos sempre melhor.
Pelas nove da
manhã saí de Krishnagar, rumo a uma pequena fronteira com o Bangladesh que
vinha assinalada no Google Maps como uma estrada de entrada no país.
Quando saí de
Kolkata temiam que o tufão que passou nas Filipinas se encaminhasse para lá mas
acabou por tomar outro rumo e o céu tem estado limpo e as temperaturas
agradáveis, a rondar os 28 a 30º durante o dia o que considero o ideal para
andar de moto.
Depois de
percorrer cerca de cem quilómetros e à medida que me aproximava da fronteira o
transito começou a ficar muito reduzido o que traduzi como um mau sinal porque
aqui, fronteiras de passagem significam sempre grande movimento de camiões,
neste caso carregados de arroz e cereais importados pelo Bangladesh.
Chegado à zona de
fronteira não foi com grande surpresa que deparei com uma alta rede e um portão
com aspecto de não ser aberto há anos. Dois guardas fardados de camuflado,
debaixo de uma pequena barraca de telhado de zinco tomavam conta do local.
- “Não, por aqui
já não é possível atravessar há vários anos”
- “E onde posso
passar para o Bangladesh”?
- “Não sei. Pergunte
no nosso posto, a 1 Km daqui, de onde veio”.
Lá voltei atrás
onde num pequeno quartel um grupo de guardas limpava espingardas e, estranhando
a minha visita, um deles pôs-se em guarda, por pouco não me apontando a arma.
Tinham cara de poucos amigos mas o chefe, que me viu chegar de dentro de uma
barraca mandou chamar-me e acalmaram. Lá me explicou que ali não era possível passar
e que teria que ir até
à fronteira de Hilli, 200 Km a Norte.
à fronteira de Hilli, 200 Km a Norte.
Em vez de
regressar à estrada principal decidi então cortar caminho por estradas de
província que, embora sejam mais estreitas, têm a vantagem de ter muito menos
movimento de camiões e, por essa razão, também estarem em melhor estado. Ao fim
dos dia voltei a apanhar a estrada nacional mas com troços que tinham sido
alcatroados desde que aqui passei em sentido contrário, há cerca de um mês. Já
era de noite quando cheguei, cansado, a English Bazaar. Fiquei noutro Hotel
manhoso e parti cedo para a fronteira de Hilli a pouco mais de 100 Km.
Os últimos 80 Km
antes de chegar à fronteira eram numa estrada surpreendentemente bem
alcatroada. Via-se que tinha sido construída há pouco tempo e a população
aproveitava aquele alcatrão impecável para nele estender cereais a secarem,
ocupando parte da via. Até à fronteira vi até o que nunca tinha visto nos
milhares de quilómetros que já fiz na Índia, sinais à entrada das vilas com o
nome das povoações. Parecia quase um país civilizado, não fora o estendal de
cereais.
Chegado à zona da
fronteira voltei à realidade. Os funcionários da alfandega do pequeno posto
fronteiriço nunca tinham visto um Carnet, a espécie de passaporte que utilizo
para a moto, e foram buscar um velho livro com registo do ultimo que por ali
tinha passado, correspondente a um carro estrangeiro que por lá atravessou a
fronteira em 2009. Como de costume juntou-se uma multidão à volta da moto que
os guardas vão enxotando de vez em quando. Depois de meia hora de preenchimento
de papéis com os funcionários da alfandega tive que obter autorização de
passagem dos guardas situados debaixo de um pequeno telheiro. Do outro lado de
uma linha de comboio estão os do Bangladesh para quem o indiano ligou, através
de um telefone em que dava a uma manivela de lado, a explicar que estava ali um
estrangeiro com uma moto que queria entrar no país e se eles me aceitariam. Depois
de muita conversa saíram do lado de lá dois guardas e um homem à paisana que
pensei ser funcionário da alfandega do Bangadesh mas que mais tarde se
apresentou como jornalista. Era ele que parecia dar ordens aos guardas para me
deixarem entrar no país. Pararam a cinco metros de distancia dos indianos do
outro lado de um marco que definia a fronteira. Os indianos deram-me ordem para
avançar esses cinco metros com a moto e os guardas do outro lado, depois de
muito olharem para o passaporte, lá me mandaram atravessar a linha de comboio
para me deslocar aos escritórios da alfandega. Eram meio dia e um quarto na
Índia e faltava um quarto para a uma no Bangladesh. Por estes lados acontece
muito esta diferença horária de meia hora e por vezes de 15 minutos entre
países.
Um primeiro homem
mandou-me preencher um papel com os meus dados, passados três minutos pediu
para acrescentar por trás o nome do pai, mais uns minutos e escrever a
profissão e outros cinco minutos de hesitações para então me pedir que
escrevesse a morada em Portugal. Passavam, entretanto, dois minutos da uma e já
não tinha tempo de carimbar o passaporte antes do almoço. Saiu sem dizer nada e
só passado um tempo percebi que tinha ido almoçar e só regressava às duas.
Depois de almoçar eu um pacote de amendoins lá carimbei o passaporte mas
faltava o mais importante, o visto no Carnet para a moto poder entrar. Os
empregados que tratavam disso almoçavam das duas às três de maneira que tive
que esperar outra hora. Lá chegaram para informarem que não podiam decidir nada
e teriam que se deslocar à sede, a cerca de dois quilómetros, para falar com as
chefias. Passou mais meia hora e o homem voltou a anunciar que os chefes vinham
para falar comigo. Antes da chegada dos chefes ele mesmo deu uma arrumação no
escritório, afastou a pequena mota que lá estava estacionada dentro para um
canto, preparou três cadeiras para os chefes e disse-me para esperar sentado
numa outra.
Os três chefes
chegaram de “rickshaw” ainda a pedal, a forma mais utilizada por todos para as
deslocações naquela vila fronteiriça. Simpáticos mas sem arriscarem quebrar a
lei voltaram a analisar o Carnet e, sem aceitarem as minhas explicações
acabaram por ligar para um chefe supremo, na capital. Este informou-os que, sem
garantia bancária passada no Bangladesh, só poderia entrar no país com a moto
se o ACP pedisse ao Automóvel Clube do Bangladesh que requisitasse uma licença
especial do governo.
Outro problema é
que o país está numa crise política, e a oposição decretou quatro dias de greve
durante os quais nenhum veículo deve circular nas estradas, arriscando-se, segundo
eles, a ser alvejado por radicais simpatizantes deste movimento. Instalei-me
então no único Hotel da vila, por três euros por noite, à espera do pedido do
ACP, que fiz através da internet com uma “pen” emprestada mais lenta do que se
pode imaginar pois aqui, segundo o miúdo que trata da internet na alfandega,
não há 3G.
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