14 de novembro de 2013

English Bazar - 2




Depois de um desastre de moto dormimos sempre melhor.
Pelas nove da manhã saí de Krishnagar, rumo a uma pequena fronteira com o Bangladesh que vinha assinalada no Google Maps como uma estrada de entrada no país.
Quando saí de Kolkata temiam que o tufão que passou nas Filipinas se encaminhasse para lá mas acabou por tomar outro rumo e o céu tem estado limpo e as temperaturas agradáveis, a rondar os 28 a 30º durante o dia o que considero o ideal para andar de moto.
Depois de percorrer cerca de cem quilómetros e à medida que me aproximava da fronteira o transito começou a ficar muito reduzido o que traduzi como um mau sinal porque aqui, fronteiras de passagem significam sempre grande movimento de camiões, neste caso carregados de arroz e cereais importados pelo Bangladesh.
Chegado à zona de fronteira não foi com grande surpresa que deparei com uma alta rede e um portão com aspecto de não ser aberto há anos. Dois guardas fardados de camuflado, debaixo de uma pequena barraca de telhado de zinco tomavam conta do local.
- “Não, por aqui já não é possível atravessar há vários anos”
- “E onde posso passar para o Bangladesh”?
- “Não sei. Pergunte no nosso posto, a 1 Km daqui, de onde veio”.
Lá voltei atrás onde num pequeno quartel um grupo de guardas limpava espingardas e, estranhando a minha visita, um deles pôs-se em guarda, por pouco não me apontando a arma. Tinham cara de poucos amigos mas o chefe, que me viu chegar de dentro de uma barraca mandou chamar-me e acalmaram. Lá me explicou que ali não era possível passar e que teria que ir até
à fronteira de Hilli, 200 Km a Norte.
Em vez de regressar à estrada principal decidi então cortar caminho por estradas de província que, embora sejam mais estreitas, têm a vantagem de ter muito menos movimento de camiões e, por essa razão, também estarem em melhor estado. Ao fim dos dia voltei a apanhar a estrada nacional mas com troços que tinham sido alcatroados desde que aqui passei em sentido contrário, há cerca de um mês. Já era de noite quando cheguei, cansado, a English Bazaar. Fiquei noutro Hotel manhoso e parti cedo para a fronteira de Hilli a pouco mais de 100 Km.
Os últimos 80 Km antes de chegar à fronteira eram numa estrada surpreendentemente bem alcatroada. Via-se que tinha sido construída há pouco tempo e a população aproveitava aquele alcatrão impecável para nele estender cereais a secarem, ocupando parte da via. Até à fronteira vi até o que nunca tinha visto nos milhares de quilómetros que já fiz na Índia, sinais à entrada das vilas com o nome das povoações. Parecia quase um país civilizado, não fora o estendal de cereais.
Chegado à zona da fronteira voltei à realidade. Os funcionários da alfandega do pequeno posto fronteiriço nunca tinham visto um Carnet, a espécie de passaporte que utilizo para a moto, e foram buscar um velho livro com registo do ultimo que por ali tinha passado, correspondente a um carro estrangeiro que por lá atravessou a fronteira em 2009. Como de costume juntou-se uma multidão à volta da moto que os guardas vão enxotando de vez em quando. Depois de meia hora de preenchimento de papéis com os funcionários da alfandega tive que obter autorização de passagem dos guardas situados debaixo de um pequeno telheiro. Do outro lado de uma linha de comboio estão os do Bangladesh para quem o indiano ligou, através de um telefone em que dava a uma manivela de lado, a explicar que estava ali um estrangeiro com uma moto que queria entrar no país e se eles me aceitariam. Depois de muita conversa saíram do lado de lá dois guardas e um homem à paisana que pensei ser funcionário da alfandega do Bangadesh mas que mais tarde se apresentou como jornalista. Era ele que parecia dar ordens aos guardas para me deixarem entrar no país. Pararam a cinco metros de distancia dos indianos do outro lado de um marco que definia a fronteira. Os indianos deram-me ordem para avançar esses cinco metros com a moto e os guardas do outro lado, depois de muito olharem para o passaporte, lá me mandaram atravessar a linha de comboio para me deslocar aos escritórios da alfandega. Eram meio dia e um quarto na Índia e faltava um quarto para a uma no Bangladesh. Por estes lados acontece muito esta diferença horária de meia hora e por vezes de 15 minutos entre países.
Um primeiro homem mandou-me preencher um papel com os meus dados, passados três minutos pediu para acrescentar por trás o nome do pai, mais uns minutos e escrever a profissão e outros cinco minutos de hesitações para então me pedir que escrevesse a morada em Portugal. Passavam, entretanto, dois minutos da uma e já não tinha tempo de carimbar o passaporte antes do almoço. Saiu sem dizer nada e só passado um tempo percebi que tinha ido almoçar e só regressava às duas. Depois de almoçar eu um pacote de amendoins lá carimbei o passaporte mas faltava o mais importante, o visto no Carnet para a moto poder entrar. Os empregados que tratavam disso almoçavam das duas às três de maneira que tive que esperar outra hora. Lá chegaram para informarem que não podiam decidir nada e teriam que se deslocar à sede, a cerca de dois quilómetros, para falar com as chefias. Passou mais meia hora e o homem voltou a anunciar que os chefes vinham para falar comigo. Antes da chegada dos chefes ele mesmo deu uma arrumação no escritório, afastou a pequena mota que lá estava estacionada dentro para um canto, preparou três cadeiras para os chefes e disse-me para esperar sentado numa outra.
Os três chefes chegaram de “rickshaw” ainda a pedal, a forma mais utilizada por todos para as deslocações naquela vila fronteiriça. Simpáticos mas sem arriscarem quebrar a lei voltaram a analisar o Carnet e, sem aceitarem as minhas explicações acabaram por ligar para um chefe supremo, na capital. Este informou-os que, sem garantia bancária passada no Bangladesh, só poderia entrar no país com a moto se o ACP pedisse ao Automóvel Clube do Bangladesh que requisitasse uma licença especial do governo.
Outro problema é que o país está numa crise política, e a oposição decretou quatro dias de greve durante os quais nenhum veículo deve circular nas estradas, arriscando-se, segundo eles, a ser alvejado por radicais simpatizantes deste movimento. Instalei-me então no único Hotel da vila, por três euros por noite, à espera do pedido do ACP, que fiz através da internet com uma “pen” emprestada mais lenta do que se pode imaginar pois aqui, segundo o miúdo que trata da internet na alfandega, não há 3G.

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