O Bangladesh
existe há pouco mais de 40 anos. Quando os ingleses deixaram a Índia, em 1947,
parte do território ficou dividido entre Paquistão Oriental e Paquistão
Ocidental, com a Índia a separar esse novo país em dois. O sistema durou mais que
o esperado e só em 1971 a parte oriental do Paquistão se tornou independente,
passando a designar-se Bangladesh.
É um dos países
mais pobres do mundo. Tem menos do dobro de Portugal em tamanho e cerca de 140
milhões de habitantes. É muita gente para tão pouco espaço. A maioria da
população dedica-se à agricultura de cereais e legumes. Os seus campos são
férteis, banhados pelos rios que vêm dos Himalayas mas, por mais que plantem, o
arroz que produzem não chega para alimentar tanta gente e acabam por ter que
importar algum da Índia.
A única industria
com volume é a de roupa, em que as trabalhadoras são exploradas através de
salários baixíssimos e condições péssimas, para os patrões conseguirem vender
as peças que fabricam aos europeus a preços ridículos. Estas empregadas fabris
estavam ontem a manifestar-se para pedirem um aumento para 100 dólares mensais.
Atualmente ganham 38 e os patrões propuseram 45. Mesmo tendo em conta que a
vida aqui é barata são ordenados miseráveis. Refira-se que as fábricas concorrentes
do Vietnam e Cambodja pagam cerca de 70 às suas empregadas enquanto na China
ganham a “fortuna” de 140 dólares mensais.
Além disso, a
maioria dos prédios onde estas fábricas se instalaram estão decrépitos, tendo
um caído há pouco tempo, matando mais de mil destas desgraçadas.
A situação
política está explosiva e, como referia ontem, a oposição decretou uma greve de
quatro dias durante os quais não podem circular veículos e muitas das lojas
estão fechadas.
Embora este local
onde estou junto à fronteira com a Índia seja uma pequena vila hoje passou aqui
à porta do Hotel uma barulhenta manifestação e à noite ouvi um vibrante comício
em que os oradores gritavam palavras de revolta. Foi seguido por um concerto de
um artista cá da aldeia a quem não vejo grande futuro. Estive para lá dar um
salto mas ainda bem que não fui porque um rapaz que aqui trabalha na alfandega
disse-me que acabou tudo à pancada. De facto a música parou de repente.
O Hotel onde me
instalei, o único na vila, não tem restaurante e por isso tomo o pequeno almoço
numa barraca perto onde servem uma espécie de pão frito e chá com leite. Ao almoço
vou com um empregado da alfandega, um homem que não mede mais de 120 cm e me
visita três ou quarto vezes por dia para perguntar se está tudo bem, almoçar a
um restaurante mais longe, de “rickshaw”, destes a pedal. Aliás, são praticamente
os únicos veículos que circulam nesta vila fronteiriça, para além dos camiões
que passam a fronteira com arroz e cereais ou alguns triciclos motorizados,
muitos deles com um ar artesanal e motores de moto serra, que pegam com uma
corda.
Atravessar a vila
de “rickshaw”, cerca de 1 Km, custa o equivalente a dez cêntimos e o “Tiger”,
este meu guia anão, raramente me deixa pagar mais. Por um lado tem razão. Se
lhes desse um euro, no dia seguinte havia uma guerra para ver quem me levava.
O “Tiger”, não
fala uma palavra de inglês assim como ninguém no Hotel, mas lá nos vamos
entendendo. No restaurante todos me observam, atrapalhado, a tentar cortar a
carne com um garfo porque comem com as mãos. O criado serve-me o arroz no prato
com uma tijela mas quando lhe digo que só quero metade da dose tira o que está
a mais com a mão para a panela. Ontem, um cliente que já viu estrangeiros disse
para me arranjarem uma faca e fartaram-se de rir com o meu ar de contentamento
por ter uma faca e, claro, espantados a observar como usava garfo e faca, o
garfo de sobremesa e a faca de talhante. Passou a ser o espetáculo da hora de
almoço naquele restaurante e o “Tiger”, como que a vender o “show”, vai-lhes
contando a minha história, que vim lá de um país longínquo que eles não fazem
ideia onde fica mas que é ainda mais longe que o Paquistão, numa moto do
tamanho de um carro.
Ficam todos a
olhar, como se eu fosse um animal raro, fazem-lhe algumas perguntas que não
faço ideia de que tratam e riem-se deste espécimen que come com talheres.
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