20 de dezembro de 2012

20 Dezembro - Portugal

Estou a ler um livro muito bom: A Cidade da Alegria de Dominique Lapierre. Passa-se em Calcutá nos anos 60 e faz-nos lembrar o quão relativa é a falta de dinheiro que aí sentimos, em Portugal.

A maioria da população vivia mal antes do 25 de Abril. Depois, em cerca de quinze anos, muita gente passou para a classe media, e começaram a comer bem, os filhos a estudarem até à universidade, a segurança social e os hospitais públicos a funcionarem, enfim todos passaram a viver melhor. Com o dinheiro fácil, que os bancos faziam chegar às nossas mãos através de empréstimos que faziam no exterior, esta nova classe média comprou carros e casas, enfim, construiu um nível de vida superior às suas possibilidades reais. Isto passou-se não só em Portugal mas também noutros países que entraram para a Comunidade Europeia e a quem criaram a ilusão que as suas populações podiam viver com o nível de vida dos países industrializados, sem terem uma base económica, de criação de riqueza, que o pudesse fazer crer.

Tenho constatado isso nesta viagem que estou a fazer à volta do mundo tendo atravessado alguns destes países que entraram para a Comunidade Europeia e outros que não.
O que se passa nos países que não entraram na Comunidade Europeia, como a Croácia o Monte Negro ou a Turquia, é que as pessoas, por nunca terem vivido acima das suas possibilidades, não sofreram o choque que nós agora estamos a sentir. O nível de vida dessas populações foi crescendo mas de uma forma gradual e realista e não à conta de dinheiro emprestado. E estão mais felizes. Na própria Albânia encontrei pessoas alegres, simpáticas, bem com a vida, mesmo a viverem com pouco dinheiro.
Quando chegou a hora de voltar à realidade, de vivermos com o dinheiro que realmente temos, o sacrifício é grande tanto para portugueses como para gregos ou espanhóis. E o que é interessante verificar é que não custa mais a um português ver o seu ordenado baixar de 750 para 500 euros que a um grego sofrer uma redução de 1300 para 1000 ou um espanhol de 1800 para 1400. Todos acham que estão na miséria quando miséria verdadeira é o que se passa na India onde ainda hoje, como no tempo da Cidade da Alegria, famílias inteiras têm que procurar cascas de fruta nos caixotes do lixo para as cozinharem por não terem dinheiro para comprar meio quilo de arroz, ou na Africa sub sahariana onde vi crianças a quem, mais que alimentos, faltava água potável para beberem.

Claro que se compreende a dificuldade de quem comprou casa e carro com dinheiro emprestado e, de um dia para o outro, perde casa e carro e tem que passar a viver de uma forma a que já não está, ou mesmo nunca esteve, habituado, mas é sempre preferível comer uma bolonhesa num quarto alugado que passar fome numa barraca. No entanto, estes últimos, por nunca terem passado por uma fase boa na vida, conseguem muitas vezes ser mais felizes que os primeiros.
No fundo temos que nos habituar a viver com menos dinheiro e pensarmos que a vida poderia ser muito pior, se temos tido o azar de nascer noutro país. Há que adaptar a vida a uma nova realidade.

Quando parei em Évora, no início desta viagem, uma rapariga casada e com dois filhos contava-me que, hoje em dia, cozinhava tudo na Bimby, desde bolachas a iogurtes ou até Ketchup e que, com isso, poupava 150 euros por mês em supermercado. Claro que a maioria da população não tem dinheiro para comprar uma Bimby, nem a prestações, e muitos nem para gastarem por mês no supermercado o que aquela rapariga poupa, mas eu lembro-me, muito antes de haver Bimbys, que as pessoas faziam as bolachas e os iogurtes em casa, e eram muito melhores que os do supermercado.

25 comentários:

  1. Muito bem. Na mouche. Gostei de ler. Muito sereno e verdadeiro. Só lhe faltou dizer quem nos vendeu esta ilusão, este nosso eterno fado. Ainda bem que não disse, porque mal dispostos já nós estamos e a época pretende-se de reflexão.

    Boas festas para si e continuação de boa viagem.

    João

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  2. É uma colossal mentira que a crise se deva a que as pessoas comuns tenham comprado carro e casa com recurso ao credito. Não é às pessoas da chamada classe média que se tem que assacar as razões para a crise como bem sabe. Até aqui eram bem engraçados os seus relatos da sua viagem, hoje como deve calcular deu origem a mais uma boa controversia mas, claro, opiniões cada um terá a sua. Já agora só para lhe lembrar que nesse tal tempo em todos eram "pobrezinhos e honestinhos" a maioria de todos os portugueses nem a Espanha alguma vez teriam já ido quanto mais poderem fazer uma volta ao mundo.
    De um "amante" das duas rodas que evita a todo o custo misturar "politica" com o prazer das duas rodas.

    José Torres

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    1. José Torres estou contigo. Acho que esta crónica é para ignorar. Sande e Castro pá, tem juizo, mede bem as palavras antes de escrever. De um fanático de 2 rodas que desiludiste hoje.

      Paulo Castro

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    2. Mas alguém consegue apontar onde é que se atribui culpas à classe média neste texto? É ou não um facto que se usou e abusou de todo o dinheiro que os bancos despejaram no país através de créditos fáceis? Quanta gente nos últimos 30 anos comprou bens sem recorrer a crédito bancário? E foi errado fazê-lo? Sim! E as pessoas estavam conscientes disso? Muito poucas!

      Se há culpados são todos. Desde a classe política /reinante que há séculos descose todo o potencial que este país encerra, mantendo a população tapada, até ao comum popular que se aproveitou de todas as benesses mesmo que não tivesse conhecimento do que estava a fazer era uma sentença para o seu país. Não é justo pois não? Não é. Porque é este último que paga a vida do político, do banqueiro, da alta finança e das grandes corporações que esses sim, sabiam o que viria a acontecer.

      Lamento é que se continue a achar que podemos ter as coisas a continuar como estiveram até agora. Lamento que se sintam de alguma forma atacados e que isso seja pretexto para refutar um pensamento livre, que bem ou mal tenha sido partilhado. E acho que isto é simplesmente o medo de que possamos algum dia ter como realidade estes cenários de miséria que há por este mundo fora, que nos são relatados por esta via.

      Quem estava apenas à espera de relatos de paisagem estava a enganar-se a si próprio. Era mais do que expectável que o autor viesse comparar o que encontra no caminho com o que temos cá "em casa". E daí surgirem estas reflexões que concerteza não acabam por aqui. Mais do que uma viagem de moto, é uma experiência de vida. E na experiência de vida a moto que se leva é o de menos relevante. Na experiência de vida o que importa é a vida. Não se trata do objectivo mas sim do percurso até lá. E antes de chegarmos lá podermos descobrir que só estávamos a ver uma parte da paisagem.

      Meus amigos, este país tem "HIV". O sistema imunitário está debilitado (Justiça). Os vírus (políticos + finança portuguesa, europeia e mundial) atacam os órgãos vitais (riquezas naturais, sectores estratégicos, povo. Mas este HIV tem cura.
      Essa cura chama-se educação, chama-se reivindicação e chama-se revolução.

      Quando Portugal tiver uma educação média com qualidade e com bom nível havemos de ver outro Portugal. Um Portugal que deixe de ser corno manso. Um Portugal que deixe de ser cego, surdo e mudo. Um portugal que reivindique o que lhe faz bem e repugne e deite fora o que lhe faz mal.

      Mas antes de lá chegar, as coisas hão-de piorar antes de melhorar. Porque a Doença vai dar luta. Porque precisamos de seguir o percurso de criar mais valias no país que tragam dinheiro legítimo para o país. Porque precisamos de um país que não roube essas mais valias sem dar nada em troca. Estou farto de alcatrão (ainda por cima esburacado em muitos casos). Estu farto de ver elefantes brancos. Estou farto de buracos orçamentais. Estou farto de derrapagens financeiras. Estou farto de submarinos, PPP's, BPN's e gente má à solta...

      Evandro Amaro

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    3. Obrigado, Evandro. Penso que é bom trocarmos ideias e prefiro ser criticado, como fui neste artigo, que ignorado. De qualquer forma penso que voçê percebeu a razão e o sentido do artigo e agradeço-lhe por isso. Abraço

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  3. Eu também estou a passar um mau bocado e o que me impeliu a comentar este escrito do Sande e Castro, foi pela maneira como ele o escreveu. Para mim um verdadeiro conto de natal. Ele foi de tal forma polido na forma como abordou este assunto da crise, que se repararmos bem não assacou culpas a ninguém. Daí eu ter gostado tanto.

    Claro que a crise de deve a quem nos governou e governa, tanto internamente como externamente. As pessoas compram apenas o que lhes vendem. Se nos vendem bem-estar fácil, mesmo que ilusório, claro que compramos.

    PORTUGAL é um país pequeno, periférico, com o interior desertificado, sem recursos naturais e com governantes da treta. Com tanta adversidade fico espantado, que nós PORTUGUESES consigamos, volta e meia, estar na mó de cima.

    Bom Natal a Todos.

    João

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    1. João, concordo absolutamente consigo, que a culpa principal foi de quem nos governou que não encontrou forma mais fácil de ganhar eleições do que fazer obra com dinheiro que não tínhamos, hipotecando o país. Pior que as estradas foi, por exemplo, construirmos estádios de futebol para ganhar o direito a organizarmos um euro, e muito outros casos como esse.
      Abraço

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  4. Estou espantado pelo Sande e Castro só agora ter dado por isso do que se passa pelo mundo ocidental. Foi preciso chegar à Índia com um livro na mão para nos vir dar um pequeno seremão. Sem atribuir culpas é claro porque nesta crónica demonstra bem o afastado que esteve de tudo o que se passa. É fácil escrever quando se tem as costas quentes. Gosto muito das tuas crónicas mas esta está francamente paternalista. Um Bom Natal. Abraço Alexandre

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  5. A carta do Avandro parece uma encomenda. Escreve, escreve e nada diz a não ser que concorda. Abraço Bernardo Silva

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    1. Cá está encomendado um resumo só para si,

      Parágrafos:
      1 - Facto: Os portugueses usaram e abusaram do crédito
      2 - Os políticos e a grande finança assim o proporcionaram sabendo das consequências
      3 - Acorde para a vida porque senão a vida vai acordá-lo.
      4 - Há países que a vida é bem pior e o autor tem todo o direito a fazer disso exemplo do que pode vir a acontecer, ou pelo menos estarmos nesse caminho. Era de esperar uma comparação mais cedo ou mais tarde na viagem.
      5 - Temos o país entregue à "podridão".
      6 - Precisamos de um país com gente educada e intelectualidades, para que deixe de ser levada nas conversas fiadas dos políticos, que sejam activos e indiquem um bom caminho para os destinos do país.
      7 - Isto ainda vai piorar mais porque a corja não vai sair de qualquer forma.

      Leia livros, pode ser que ajude à compreensão de textos mais longos. E não estou a ser sarcástico. De certeza que mais cedo ou mais tarde far-lhe-á muito jeito.

      Evandro Amaro

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    2. Não precisava de resumo Evandro Amaro.
      Sabes lá tu o que leio ou deixo de ler.
      Dominique Lapierre também já li e há alguns anitos.
      Estás contra os políticos? Não votaste, foi? Queres um país de intelectuais em Portugal? O Povo educado?
      Tu és um génio e muito ambicioso. Aconselho-te mesmo é que leias Einstein ou Kerouak para ver se consegues ver mais longe. E olha que não estou a ser sarcástico. Limitei-me a dar uma opinião... já agora lê Wilde ou a Kingsolver pode ser que arranjes outro tipo de respostas.

      Bernardo Silva

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  6. A mim ninguém me dá uma VFR 1200 para dar a volta ao mundo. É pena, tive de pedir os 3000€ ao banco para comprar uma CB500 usada e poder dar a volta, ao trânsito e subir na qualidade de vida. Sou um gastador!!!! Vivo claramente acima das minhas possibilidades.... Como já aqui foi dito, quem tem as costas quentes.....
    Tenho acompanhado os relatos com muito gosto,mas após ler este encerro por aqui. Resta-me desejar continuação de boa viagem na sua pseudo-volta ao mundo.

    Cumprimentos

    Miguel Ferreira

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    1. Eu também fico por aqui pá. Tens muita lata Sande e Castro. Foram uns relatos engraçados mas chega.
      Mária Pereira

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  7. Algumas pessoas que manifestaram desagrado em vez de olharem para a mensagem, olham para o mensageiro, tornando mais uma vez verdade a parábola de Goa sobre o caranguejo português.

    Toda a gente fala de que o Sande e Castro tem dinheiro mas ganhou uma moto de borla para fazer a viagem. Qual a lógica? É uma pessoa reconhecida e quer fazer esta viagem de sonho. A Honda quer fazer publicidade e tem garantias de ter retorno em termos de comunicação, a Honda deu-lhe a moto. Ambos ficam os interesses ficam satisfeitos. Não há almoços de borla.

    Alguém alguma vez se mexeu para fazer alguma coisa sequer parecida? Já escreveram algum projecto? Apresentaram a empresas para obterem apoios?
    Acham mesmo que alguma empresa de motos vai chegar ao pé de um entusiasta qualquer e dar-lhe uma moto: "Olha, vai dar uma voltinha à volta do mundo e depois conta-nos como é que foi."?!?

    Viver acima das possibilidades é comprar uma 1000cc quando uma 250cc servia.
    Viver acima das possibilidades é como um amigo meu, puto novo de 25 anos: estar desempregado e comprar um Range Rover Discovery 2.5 de segunda mão que bebe mais do que ele, quando já tem um smart que dava para ele se entreter em gastos. Imaginem como ele deve estar bem de vida agora.
    O problema não é ter-se usado crédito para comprar coisas. O problema é que gente houve que comprou carro, mota, casa, férias, casa de férias, televisões, telemóveis....tudo ao mesmo tempo.

    Agora vão ter de comprar uma coisa de cada vez, isso se o banco emprestar. Daí que a classe média vá ter de se acostumar a ter menos. Quem estava na classe média e teve juízo vai continuar a ter uma vida mais ou menos pacata. Mesmo que tenha alguma contrariedade na vida.

    Evandro Amaro

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    1. Faltou dizer o seguinte:
      Ainda assim a grande dívida que estamos a pagar são asneiradas políticas, roubos ao dinheiro do estado e outras festanças do género. A culpa não é nossa mas quem se pôs a jeito sofre. E o pior é que quem não se pôs a jeito sofre também. Daí que quem leva é a classe média, tendo culpa ou não.
      O que podem fazer para mudar isso? É deixar de votar? Ou votar noutros que ainda não tenham vícios?

      Evandro Amaro.

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  8. Só um pequeno aparte: Infelizmente a Honda Portugal não me ofereceu a moto, só me a emprestou para esta viagem.

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  9. Concordo plenamente com o que diz, é aliás o que eu julgo ser um dos grandes problemas da crise, a divida externa, ao contrário do que toda a gente pensa, passa tambem pelas dividas ao banco que cada um de nós contrai na a obteção de imóveis como de automóveis.

    Tem aqui uma crónica bastante boa e bem estruturada, mas pronto para quem prefere culpar sempre os outros dos seus problemas não consegue entender o que o Francisco quis dizer.

    André Rodrigues

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