7 de dezembro de 2012

07 Dezembro - Arak

Hoje pensei que iria ficar uns tempos “engavetado” no Irão.
Ontem à noite fui até ao centro de Sanandaj trocar dinheiro e dar uma volta a pé. Passei por um pequeno restaurante onde um homem na montra cozia uns tubérculos que depois regava com uma calda que parecia mel. Não faço ideia o que seria, mas tinham bom aspecto e provei um. Continuei sem saber o que estava a jantar mas era bom.

Hoje de manhã saí do Hotel cerca das dez da manhã com uma temperatura de 6º e vento bastante forte. Nos primeiros quilómetros subi uma serra sem qualquer vegetação e depois rodei durante uns cem quilómetros num planalto com uma forte ventania que fazia a moto dançar, o capacete vibrar, enquanto nas rectas andava inclinado como se fosse a curvar. Tive que rodar com muita atenção, a cento e poucos quilómetros por hora, pois de vez em quando apanhava com rabanadas que me arrastavam quase para a faixa contraria.

Da parte da tarde a coisa melhorou e apanhei um pouco de chuva, mas sem vento.
Acabei por parar duas vezes para atestar de gasolina. Nesta zona do país cada vez que paro junta-se gente a admirar a moto. Numa das bombas o movimentado e alegre grupo que me fazia muitas perguntas em Farsi para as quais eu não tinha obviamente resposta, não deixava de mexer em todos os botões da moto enquanto eu punha gasolina. Um dos personagens era um polícia fardado. Esse sim percebia o que dizia mas fingi também não entender. Não se cansava de repetir “passport, passport”. Eu disfarçava com medo que ele ficasse com o imprescindível documento, mas sem poder fugir mais à questão acabei mesmo por ter que passar o passaporte para as mãos do homem que quis ver se o meu visto estava em ordem.
Passados uns quilómetros uma operação stop em que me mandaram parar.
-         “hello, sir. Which country”?
-         Portugal
-         Ha, Portugal. Cristiano Ronaldo. I love Cristiano Ronaldo. Do you love Cristiano Ronaldo?
-         No.
-         No? You don’t love Cristiano Ronaldo?
-         No, but he is very good.

O homem olhou para mim com um ar incrédulo e mandou-me seguir viagem.
Parei num restaurante à beira da Estrada e mais uma vez se juntaram meia dúzia de homens a fazerem perguntas sobre a moto e a tirarem dezenas de fotografias aos vários membros do grupo junto à Honda.

Estava a chegar à cidade onde tencionava ficar quando à minha direita vejo uma central nuclear. Com toda a polémica que está a haver por causa das centrais nucleares iranianas não achei nada melhor que tirar umas fotografias à central. Estava eu quase s sentar-me de volta na moto quando parou um carro branco ao meu lado a dizer.

-Police, police. Your Passport.
O homem não estava nada com boa cara e quando hesitei em passar-lhe o Passaporte para as mãos ele começou a exaltar-se e sacou do cartão de polícia para que eu não tivesse dúvidas.

-         You are going to prison because you took pictures of the plant.
-         I’m sorry, I didn´t know one couldn´t
-         Park the motorcycle and switch it off.

Pegou no telefone e falou para um suposto chefe. Eu só percebi Tourist e Portugal mas a coisa parecia-me muito mal encaminhada. Ele pediu a máquina e ordenou que apagasse todas as fotografias da central. Depois entrou para o carro e disse para eu me sentar ao lado dele e que fechasse a porta. Voltou a dizer que eu ia preso e pediu-me o Passaporte. Estava a ver a vida a andar para trás.
Viu que os vistos estavam em ordem e, por fim, devolveu-me o passaporte e disse que podia ir embora.
Montei rapidamente na moto e … ala que se faz tarde. Uff, que cagaço.
Estava dez minutos depois em Adria, ainda com o coração acelerado, a perguntar por um Hotel, quando um homem dos seus quarenta anos estacionou junto à moto, saiu do carro e ficou a observar, fascinado, a Crosstourer. Arranquei e ele partiu atrás de mim. Quando parámos num semáforo perguntei-lhe se conhecia um Hotel ao que ele respondeu.
-         Hotel, no. Home, home. E fazia sinal para o seguir.

Por mais que eu repetisse “home, no. Hotel” ele insistia. “Hotel, no. Home, home”.
Pensei que a vida já não me podia correr pior naquele dia e lá fui atrás do homem até “home”.
Quando entrámos em casa dele a mulher e uma amiga fugiram para o quarto a rirem-se muito com a situação. Na sala estavam duas miúdas, de nove e onze anos filhas do casal e da amiga. Lá voltaram as duas mulheres passado um bocado com um ar de quem tinham estado a dar um jeito no penteado e lenço. Ele fez as apresentações. A mulher, que depois soube ter trinta anos, era muito bonita e parecia ser filha dele e a amiga era muito animada. A única palavra que o homem sabia em inglês era “home” mas as mulheres falavam qualquer coisa e acabámos por nos fazer entender lindamente. Eram todos simpatiquissimos. Trouxeram logo chá e fruta e insistiram para que ficasse lá a jantar e dormir. Gostei imenso de ali estar. Dei uma aula de Inglês à filha, joguei cartas com a amiga e ele propôs ir mostrar-me a cidade na sua “scooter”. Não me lembrei que era um iraniano ao volante de uma moto. Desde circular em sentido contrário por entre carros que andavam na faixa correta até rodar em cima dos passeios como se estivesse a andar na estrada, passando por razias em que eu tinha que encolher as pernas para não bater nos carros, passei por tudo um pouco. Demos uma volta pela cidade e depois levou-me ao bazar local, lindo, com tectos em cúpula. Às tantas entrámos numa porta estreita e descemos umas escadas que davam para uma espécie de clube com os mesmos tectos em cúpula feitos de pequenos tijolos. No meio da sala principal um lago e junto às paredes grandes camas em ferro, abertas de um dos lados onde jovens se juntam, de pernas cruzadas, a fumar cachimbos de água, um costume muito comum aqui não só nestes locais como nas casas particulares. Colocam dentro uns sabores a laranja ou outra fruta e fuma-se aquilo como quem bebe um copo com amigos. Naquele clube estavam umas dez daquelas camas com grupos de quatro e cinco miúdos ou homens mais velhos todos a fumar cachimbo em mera cavaqueira. Mulheres, obviamente não podem entrar, mas nas casas particulares também são grandes adeptas do cachimbo.

Dali seguimos para um “cofee shop” ainda dentro do enorme “bazar”. Um grande pátio no rés-do-chão, com um pé direito de três pisos tinha depois dos lados dois andares abertos para esse pátio com mesas e cadeiras. Explicaram-me que antes aquele local era uma espécie de Hotel. No pátio ficavam os camelos enquanto os donos comiam e dormiam nos patamares. Espectacular.

1 comentário:

  1. O povo iraniano tem sido tão "endemonizado" nas últimas décadas, que é de certeza com muito espanto, (e alguma incredulidade) que muitos de nós que seguimos as suas aventuras, somos obrigados a rever a visão que temos de um povo do qual sabemos muito pouco. A forma como o recebem nas suas casas, é espantosa, é coisa que não acontece em países ocidentais.
    Achei a maior graça à forma seca com que disse que não gostava do Cristiano Ronaldo. Pobre homem, deve tê-lo baralhado para a vida. A esta hora ainda deve estar a matutar no assunto.
    Tirar fotografias à Central Nuclear… very brave, or very silly!
    Remato, agradecendo as suas crónicas, sempre tão interessantes.


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