Partimos depois para uma outra ilha, onde chegámos ao final da tarde. O
sítio é tão recôndito que embora tenha um população de umas largas centenas de
pessoas, não aparece no Google Maps, sinalizando como se estivéssemos em pleno
oceano. Aqui atracámos ao lado de outro barco só para passar a noite pois nesta
zona já é impossível navegar de noite. As ilhas estão perto da costa e há
bancos de areia, que se conseguem distinguir à vista pelas movimentações do mar
mas que mudam constantemente de posição e por isso nem o Índio que vai ao leme
do barco, que conhece bem a zona, os distingue.
Largámos amarras às seis da manhã com um mar calmo e um nascer do sol maravilhoso
sobre as pequenas ilhas de palmeiras que parecem montadas para bilhetes postais
enquanto à direita temos a famosa faixa de Darien, uma das ultimas zonas
inóspitas do globo, com montanhas cobertas de floresta virgem que são
impossíveis de atravessar, não só pelas características do terreno como pelas
tribos de Índios que as habitam há séculos e não gostam de visitas. Por isso e
por medo que as guerrilhas colombianas passem para o Panamá, a estrada entre os
dois países nunca foi construída.
Por vezes grupos de golfinhos acompanham o barco por uns minutos,
ziguezagueando à frente da proa.
Às oito e meia da manhã chegámos a uma ilha maior e com mais habitantes
onde descarregaríamos a maioria da mercadoria que o barco trazia, excepto as
caixas de cigarros. Desde arroz e açúcar até milhares de garrafas de água e
latas de refrigerantes.
Eu e o Ryan deixámos o barco, que ali passaria o dia a descarregar e
partimos à procura de uma praia. Chegámos a uma pequena pista de aviação onde
um grupo de locais discutia quem deveria embarcar no pequeno bimotor que
partiria para a capital. O caminho para a principal praia era através da pista
mas, com o avião prestes a partir, não nos deixaram utilizá-la e acabámos a
tomar excelentes banhos numas rochas perto, em frente a um mar transparente de
água quente. Fantástico.
As pessoas na ilha são muito simpáticas e as crianças ficam fascinadas connosco.
Uma miúda de uns cinco ou seis anos agarrou-se a mim com um ar mesmo carinhoso.
Entretanto, nessa manhã, o preto mais novo, o tal que tinha estado sete
anos preso por homicídio e que tinha um dos dentes da frente em ouro, veio
dizer-me que estava apaixonado pelo Ryan. Nem contei ao miúdo porque acho que
ele já não conseguiria dormir, mas desmanchei-me a rir perante o ar sério o
preto, espantado pela maneira como eu encarava os seus sentimentos
Desde há dois dias que só tinha conseguido tomar banhos de mar, mas hoje,
junto ao cais, encontramos finalmente um pequeno compartimento onde se tomava
banho a entornar tijelas de água doce por cima.
Quando voltámos para o barco as botas de estimação do Ryan tinham
desaparecido. O homem ficou possesso, gritando FUCK vezes sem conta, enquanto
vasculhava tudo. Poderia ter sido um dos miúdos índios que ajudaram a descarregar
o barco mas o mais natural era que tivesse sido algum membro da tripulação. O
Canadiano anunciou que iria passar o resto da viagem a procurar as botas mas o
processo foi encurtado quando o velho primo do criminoso me veio dizer que
procurássemos no fosso da popa. O Ryan desceu ao fosso e, depois de tudo vasculhar,
por entre a mercadoria que ainda por lá estava, encontrou as botas, embrulhadas
em dois sacos de plástico. Só podia ter sido o primo, ex-condenado e apaixonado
por ele, a roubá-las. Talvez para ficar com uma recordação.
Às seis da manhã o capitão colocou o motor a trabalhar para partirmos com o
nascer o Sol, no ultimo dia de viagem, mas um minuto depois voltou a desliga-lo.
Pelas sete da manhã levantei-me do “camarote”, por cima das caixas de cigarros,
e desci ao cais ver o que se passava. Ainda havia mercadorias por descarregar
pois os destinatários só naquela manhã tinham vindo, de outras pequenas ilhas, recolhe-las
nas suas canoas. Lá descarregaram mais pacotes de açúcar e arroz assim como garrafas
de água que pareciam não ter fim.
Seguimos viagem sempre perto da costa, com a exuberante floresta da Darien
Gap à direita, e o barco ora a serpentear por entre ilhas de palmeiras, a
maioria delas inabitada, e pequenas rochas traiçoeiras, por estarem meio
encobertas, ora a navegar em mar mais aberto. A meio da tarde parámos noutra
ilha apenas para desembarcar o professor na aldeia. O velho professor índio saltou
energicamente do barco e despediu-se com um aceno.
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