9 de maio de 2017

San Blas


Partimos depois para uma outra ilha, onde chegámos ao final da tarde. O sítio é tão recôndito que embora tenha um população de umas largas centenas de pessoas, não aparece no Google Maps, sinalizando como se estivéssemos em pleno oceano. Aqui atracámos ao lado de outro barco só para passar a noite pois nesta zona já é impossível navegar de noite. As ilhas estão perto da costa e há bancos de areia, que se conseguem distinguir à vista pelas movimentações do mar mas que mudam constantemente de posição e por isso nem o Índio que vai ao leme do barco, que conhece bem a zona, os distingue.
Largámos amarras às seis da manhã com um mar calmo e um nascer do sol maravilhoso sobre as pequenas ilhas de palmeiras que parecem montadas para bilhetes postais enquanto à direita temos a famosa faixa de Darien, uma das ultimas zonas inóspitas do globo, com montanhas cobertas de floresta virgem que são impossíveis de atravessar, não só pelas características do terreno como pelas tribos de Índios que as habitam há séculos e não gostam de visitas. Por isso e por medo que as guerrilhas colombianas passem para o Panamá, a estrada entre os dois países nunca foi construída.
Por vezes grupos de golfinhos acompanham o barco por uns minutos, ziguezagueando à frente da proa.
Às oito e meia da manhã chegámos a uma ilha maior e com mais habitantes onde descarregaríamos a maioria da mercadoria que o barco trazia, excepto as caixas de cigarros. Desde arroz e açúcar até milhares de garrafas de água e latas de refrigerantes.
Eu e o Ryan deixámos o barco, que ali passaria o dia a descarregar e partimos à procura de uma praia. Chegámos a uma pequena pista de aviação onde um grupo de locais discutia quem deveria embarcar no pequeno bimotor que partiria para a capital. O caminho para a principal praia era através da pista mas, com o avião prestes a partir, não nos deixaram utilizá-la e acabámos a tomar excelentes banhos numas rochas perto, em frente a um mar transparente de água quente. Fantástico.
As pessoas na ilha são muito simpáticas e as crianças ficam fascinadas connosco. Uma miúda de uns cinco ou seis anos agarrou-se a mim com um ar mesmo carinhoso.
Entretanto, nessa manhã, o preto mais novo, o tal que tinha estado sete anos preso por homicídio e que tinha um dos dentes da frente em ouro, veio dizer-me que estava apaixonado pelo Ryan. Nem contei ao miúdo porque acho que ele já não conseguiria dormir, mas desmanchei-me a rir perante o ar sério o preto, espantado pela maneira como eu encarava os seus sentimentos
Desde há dois dias que só tinha conseguido tomar banhos de mar, mas hoje, junto ao cais, encontramos finalmente um pequeno compartimento onde se tomava banho a entornar tijelas de água doce por cima.
Quando voltámos para o barco as botas de estimação do Ryan tinham desaparecido. O homem ficou possesso, gritando FUCK vezes sem conta, enquanto vasculhava tudo. Poderia ter sido um dos miúdos índios que ajudaram a descarregar o barco mas o mais natural era que tivesse sido algum membro da tripulação. O Canadiano anunciou que iria passar o resto da viagem a procurar as botas mas o processo foi encurtado quando o velho primo do criminoso me veio dizer que procurássemos no fosso da popa. O Ryan desceu ao fosso e, depois de tudo vasculhar, por entre a mercadoria que ainda por lá estava, encontrou as botas, embrulhadas em dois sacos de plástico. Só podia ter sido o primo, ex-condenado e apaixonado por ele, a roubá-las. Talvez para ficar com uma recordação.
Às seis da manhã o capitão colocou o motor a trabalhar para partirmos com o nascer o Sol, no ultimo dia de viagem, mas um minuto depois voltou a desliga-lo. Pelas sete da manhã levantei-me do “camarote”, por cima das caixas de cigarros, e desci ao cais ver o que se passava. Ainda havia mercadorias por descarregar pois os destinatários só naquela manhã tinham vindo, de outras pequenas ilhas, recolhe-las nas suas canoas. Lá descarregaram mais pacotes de açúcar e arroz assim como garrafas de água que pareciam não ter fim.
Partimos só pelas nove e meia da manhã, agora com mais umas pessoas a bordo. O miúdo mais novo, que tinha vindo connosco desde Colón tinha tido um qualquer conflito a bordo ou problema familiar em casa e já não embarcou, não fazendo ideia como terá voltado a Colón. Só dei pela sua falta duas horas depois e ninguém me soube explicar a razão com clareza. Em sua substituição vinham dois jovens Índios recolhidos naquela ilha, para além de um senhor que teria perto de setenta anos e me disseram ser um professor. O homem tinha metido conversa comigo na ilha por mais de uma vez e fiquei com a sensação que nunca teria saído do arquipélago, estando ao mesmo tempo fascinado e surpreendido com a dimensão do globo, sem ter a noção sequer das distancias. O Índio comerciante colocou uma cadeira de plástico a bordo onde o professor se pudesse sentar pois o barco nem no convés tinha bancos e nós sentávamo-nos muitas vezes por cima das amarras.
Seguimos viagem sempre perto da costa, com a exuberante floresta da Darien Gap à direita, e o barco ora a serpentear por entre ilhas de palmeiras, a maioria delas inabitada, e pequenas rochas traiçoeiras, por estarem meio encobertas, ora a navegar em mar mais aberto. A meio da tarde parámos noutra ilha apenas para desembarcar o professor na aldeia. O velho professor índio saltou energicamente do barco e despediu-se com um aceno.



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