O mecânico lá veio por volta das quatro da tarde e, antes de anoitecer, tinha
o barco a funcionar. O Arturo anunciou que tinha aproveitado o atraso para
aceitar mais uma carga para as ilhas, esta de açúcar, de maneira que sairíamos só
na manhã seguinte, por volta das onze, meio dia. Perguntei se eles não saberiam
de um Hotel por perto onde pudéssemos ficar, em vez de passarmos mais uma noite
no barco, sem acesso a duches, ou sequer casa de banho.
Indicaram-nos um, de meia estrela, perto e o Arturo deixou-nos lá, antes de
partir, com a recomendação para que não saíssemos do Hotel à noite, que estava
colocado no coração da bandidagem. Aliás a porta do Hotel era em grade de ferro,
só aberta depois do recepcionista se certificar que eram clientes quem pretendia
entrar. Uma raparia que apareceu às dez da noite para comprar uma coca cola
ficou do lado de fora da porta enquanto o recepcionista a foi buscar.
Na manhã seguinte estávamos no porto pelas oito da manhã, prontos para
carregar as motos, como nos tinham pedido mas, pouco depois anunciaram-nos que
afinal só partiríamos às onze da noite, para chegarmos de dia à primeira ilha onde iriamos.
Entretanto o “velho” capitão tanto aparecia a dizer que vinha comandar o
barco como anunciava que já não vinha. O problema parecia estar no facto de
querermos sair a um Sábado quando, sendo o seu dia religioso, dizia não poder
trabalhar, como adventista que era. Pôs-se então a hipótese de o barco só
zarpar à meia noite, resolvendo o problema mas, se o homem já tinha dito não se
recordar do caminho mesmo de dia, o que seria à noite? Por fim, o Arturo acabou
por arranjar um substituto num Índio das ilhas e acabámos por só partir às duas
da manhã.
- O Arturo, Salvadorenho, dono do barco, que contou já ter estado envolvido
no negócio de transporte em camiões mas agora estava dedicado aquele barco.
- O comandante, um Índio, nascido numa das ilhas de Carti, onde haveríamos
de atracar.
- Um preto, dos seus trinta anos, originário de Isla Grande, uma pequena
ilha perto de Puerto Lindo que me contou ter saído há poucos meses da prisão,
onde tinha passado sete anos por homicídio à facada e que para além de
marinheiro fazia de cozinheiro.
- Um primo dele, com cinquenta e muitos anos, simpático e brincalhão
- Um miúdo, neto do comandante que acabou por não embarcar, de Colón, que
teria uns 15 anos
- Um mecânico, sexagenário, discreto e simpático, que já tinha trabalhado
na Alemanha, Holanda e Nova Zelândia e
falava inglês.
- O traficante de tabaco, Colombiano, de Cartagena.
- O Ryan, um Canadiano que conheci em Portobelo também à procura de
transporte para a sua moto, e eu.
Ainda bem que o velho comandante não embarcou porque o mar estava feio. Talvez
devido à ventania que soprara nesse dia, mal deixámos o Canal enfrentámos um
mar muito revolto, com ondas de três ou quatro metros. O Nautilus abanava e só
se conseguia andar de um lado para o outro do barco com muita dificuldade. Sem
camas onde dormirmos, pois só havia duas para a tripulação se revezar, eu e o Ryan,
assim como o traficante de tabaco, deitámo-nos com os colchões de campismo, por
cima das caixas do tabaco, com uma altura para o tecto da zona de carga a uns
50 cm. Eu fiquei com os pés à altura de uma janela que, no Nautilus, não têm
vidros nem portadas. O meu medo era se enquanto dormisse, uma onda maior me fizesse
escorregar janela fora. Fiz a primeira parte da viagem na cabine do comandante,
sem conseguir dormir, devido ao abanar do barco e ao barulho ensurdecedor do velho
motor diesel mas, passadas umas horas, o cansaço levou-me até ao meu “camarote”
e acabei por adormecer. A hora de chegada à primeira ilha de San Blas estava
prevista para as dez da manhã mas, com aquele mar a dificultar o avanço,
acabámos por só chegar às três da tarde. As ilhas San Blas são fabulosas porque
são ilhas Caribenhas que não estão exploradas turisticamente penso que por
pressão os Índios que querem que se mantenham nesta forma selvagem. Os únicos
que lá chegam são pequenos iates à vela. Como o arquipélago é composto por 370
ilhas, muitas delas são desertas. Parámos primeiro numa onde somos obrigados a
registar a nossa chegada ao arquipélago e depois avançámos mais umas duas horas
para atracarmos numa de três ilhas que fazem parte da pequena cidade de Carti ,no
continente. Estas são povoadas por indígenas com as mulheres a manterem os seus
trajes tradicionais seculares.
No cais, a família do capitão Índio, mulher e duas filhas de uns quatro e
cinco anos, esperavam-no numa pequena canoa cavada de um tronco de árvore, onde
partiu a remar, passar a noite a casa, numa ilha vizinha.
Entretanto o Arturo, talvez para os negócios dos transportes duvidosos lhe
correrem bem, de cada vez que estamos a chegar a uma ilha, vai para a proa do
barco, benze-se e reza um minuto ou dois.
Passámos ali a noite, a bordo. No dia seguinte acordámos debaixo de um sol
radioso e mar calmo, fazendo uma viagem linda através das ilhas.
Na primeira ilha onde parámos nesse dia descarregámos apenas uns painéis de
contraplacado de uns três metros por dois, um frigorifico, uma arca congeladora
e um pequeno forno eléctrico. Uma mulher esperava no porto pela mercadoria, com
dois carregadores. Fiquei com a ideia que aquilo que trazíamos era tudo o que
tinha para montar um restaurante. Olhou para os painéis com um ar triste.
Parecia não serem nada do que estava à espera, duvidando que aquele material
fizesse boas paredes para o seu novo estabelecimento.
Que Aventura! Gosto da descrição da tripulação e dos clientes desse barco. Parecem os Piratas das Caraíbas mas sem o Johnny Depp.
ResponderEliminarBjs
Ana
Ha, ha. Exacto.
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