O comandante acabou por chegar mais cedo do que estava previsto. Não era o homem
com quem tinha estado no dia anterior. Este tinha os seus oitenta anos, ar de
velho lobo do mar e insistiu em falar inglês comigo, embora o seu inglês fosse terrível.
Era simpático e acabei por ter que voltar a negociar o preço do transporte que ficou,
desta vez, em 240 dólares com a alimentação. Num intervalo da nossa conversa falou
com o capitão de outro barco e ouvi-o dizer que já não se lembrava do percurso
para a Colômbia, como se estivessem a falar de um percurso por estrada. Adicionado
ao facto de o homem ter vindo de rezar durante três horas achei que me estava a
colocar numa situação verdadeiramente desconfortável. Será que estes homens, em
pleno século XXI, ainda navegam à vista nestas carcaças flutuantes?
Finalmente disse-me que ainda teríamos que falar com o dono do barco quando
eu não fazia ideia que existia um “dono do barco”. Lá fomos ter com ele, que falava
em voz baixa, com um outro elemento da tripulação. Era um rapaz novo, dos seus
trinta e poucos anos, todo vestido de branco, incluindo o boné. Tinha uma barba
com o corte ajustado a três ou quatro dias e um ar de “dealer” indisfarçável. O
que vale é que o transporte que eu precisava era no sentido contrario ao
movimento da droga.
O rapaz achou divertida a ideia de transportar a moto e nem quis saber o
preço negociado entre mim e o capitão, como sendo um pormenor sem importância,
uma atitude que não parecia coincidir com a qualidade do barco, a cair de podre.
Despedi-me do velho comandante com Alzheimer, que insistia em falar inglês
comigo, não sei se para impressionar o pessoal, e parti de regresso ao meu Hostel
de Portobelo onde as irmãs Venezuelanas me receberam de volta de braços
abertos. Uma delas ficara muito impressionada por me ouvir falar francês com o
patrão Vietnamita e inglês com outros clientes de maneira que agora me pede que
a acompanhe junto dos clientes estrangeiros que vêm almoçar, para que traduza o
menu. Já faço parte da mobília.
A pequena vila e baía de Portobelo foi muito importante no tempo dos
colonizadores espanhóis, que aqui guardavam o ouro que recolhiam nas minas da
América do Sul antes de o enviarem para Espanha. Por isso tinha um forte de
cada lado da vila, de que hoje restam ruinas. Eram constantemente atacados, não
só por piratas como pelos ingleses. O famoso Francis Drake, navegador, pirata e
amante da rainha, acabou por morrer nesta baía e o seu corpo atirado ao mar,
anos mais tarde dando nome à pequena ilha em frente do Hostel.
Há uns dias conheci aqui um português muito interessante. O Rui veio para
Portobelo há uns anos montar uma pequena ONG que é, principalmente, uma escola de
música gratuita para miúdos locais a que ele chamou “La Escuelita del Ritmo”.
Tem tido imenso sucesso. Começou por ser contratado por uma família rica espanhola,
que aqui tem casa, para montar este projecto e mais tarde conseguiu apoios governamentais
americanos. Uma das suas alunas já ganhou uma bolsa nos Estados Unidos e outros
estão a caminho. Junto à escola o Rui montou uma galeria de arte local de
excepcional qualidade e está a construir um mini Hotel nesta zona que pela sua
beleza natural vai certamente tornar-se um importante centro turístico na região.
Um destes dias apareceu por aqui para beber uma cerveja comigo e convidou-me
depois para um churrasco em casa de um amigo americano que tem uma casa no meio
da selva. O rapaz dos seus trinta anos,
muito magro, ruivo, de enormes barbas, organiza passeios através da floresta
para turistas em que vai falando não só sobre as muitas plantas que conhece
como sobre os animais que encontram. Por vezes fazem passeios nocturnos, que
incluem acampamentos onde dormem em redes estendidas entre duas árvores e protegidas
por uma rede mosquiteira. Mostrou-me fotografias fabulosas de plantas e animais
que incluíam muitos tipos de cobras, macacos, pássaros, etc. Contou-me que
provavelmente mais de metade dos animais da selva se encontram nas árvores.
Mas porque tem de ir de barco?
ResponderEliminarPorque simplesmente não há travessia rodoviária entre o Panamá e a Colômbia, aparentemente para impedir o tráfico de droga.
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