Parecem cadáveres
espalhados pelo chão depois de uma batalha.
Estou no barco
que me leva da ilha de Flores para a de Timor. Uma viagem de 17 horas que
começou antes das nove da manhã. É um ferry com uma parte de baixo onde
carregam carros, motos, camiões, cavalos e cabras e um andar superior onde vão
a maioria das pessoas. Outras preferem viajar deitadas em cima dos tejadilhos
dos camiões que conduzem ou, como um grupo de mulheres que estenderam umas
esteiras no espaço reservado aos veículos e ali fazem a viagem, algumas
deitadas, a dormir, outras em amena cavaqueira e outras a tratarem de filhos
pequenos. Alguns maridos também dormem por perto, junto aos dois carros, quatro
camiões, umas dezenas de scooters, a Cross Tourer e uma quantidade de sacos de
arroz que ali foram descarregados em carrinhos de mão nas primeiras horas da
manhã. Na parte da frente, junto à rampa de saída, depois dos camiões, três
cavalos alimentam-se da palha que o dono espalhou na zona, transformada em
pequena cavalariça, enquanto do lado contrário quatro cabras comem ervas que
penduraram numas escadas e um porco preto dorme no chão.
Fui dos últimos a
subir para o andar de cima porque, sabendo como o mar pode ser bravo nesta
zona, quis certificar-me que a moto era bem atada ao convés.
O espaço para
passageiros é escasso para as necessidades. Para além dos que viajam no
reservado aos veículos e animais, há quem prefira ficar pelas escadas de acesso
ao piso superior. A sala única, que funciona como dormitório, bar, sala de
estar e de jantar não tem mais que vinte por dez metros. Quando chego as
cadeiras já estão todas ocupadas, algumas por homens e mulheres deitados ao
longo de três a dormir. No chão desta sala, felizmente com janelas abertas para
o calor e o bom tempo, colchões forrados a plástico que o barco disponibiliza
acomodam mais homens e mulheres atacados pela doença do sono. Alguns preferem
esteiras próprias.
Pouco depois de
partirmos já há quem almoce um arroz trazido de casa, embrulhado em papel pardo
ou comprado a vendedoras que antes do barco arrancar cá vêm dentro
comercializar embalagens plásticas de refeições que confeccionaram essa
madrugada compostas de arroz, legumes e ovos fritos.
A alternativa à
sala é um dormitório com quarenta beliches colados uns aos outros e todos eles
ocupados.
Mas antes de
subir para o primeiro andar, enquanto esperava que atassem a moto, estava
descansado. Quando comprei o bilhete tinham-me dito que, já no barco, poderia comprar
o acesso a uma cabine VIP, por pouco mais de seis euros, talvez o mesmo que
paga um passageiro sem veículo, tendo em conta que o meu bilhete com a moto
custou 23.
Fui à procura da
cabine. Era outra sala com beliches idêntica à primeira. A diferença é que esta
tinha ar condicionado, as pessoas e camas um ar um pouco mais limpo e os
lugares eram reservados. À falta de alternativa pedi um. As camas de baixo são
no chão e preferi uma de cima, a pouco mais de um metro de altura. Os colchões estão
encostados uns aos outros em grupos de cinco. Pousei em cima o blusão e
capacete, a guardar o lugar, e fui procurar um sítio onde me sentar a ler, de
preferência junto a uma janela. Na sala principal, ultra congestionada, foi
impossível e acabei por colocar três dos colchões plásticos junto a uma das
janelas do dormitório VIP. Extraordinário como não é só na Europa que esta
sigla se banalizou. Zona VIP hoje em dia é um espaço ligeiramente melhor que o
restante onde os amigos dos porteiros se misturam com atrizes de novela. Aqui
não há atrizes mas há amigos de porteiros. Pouco depois de me ter instalado
tive o azar de dois deles, sem lugar nos beliches, se virem deitar a dormir
colados a mim, enquanto lia. O que estava ao meu lado não só ressonava como
rangia os dentes de uma forma que fiquei com a ideia que se iam partir a
qualquer momento.
Tanta gente a
dormir fez-me sono e decidi ir até ao meu beliche. Já tinha um vizinho de cada
lado, tão perto como se tivesse duas mulheres na minha cama. Quando acordei e
hesitava em voltar ao meu lugar junto à janela, o do lado direito virou-se na
cama e encostou a cabeça ao meu ombro. O meu “Hey”, mais alto que a conversa de
fundo da televisão ligada ininterruptamente, foi suficiente para que se virasse
para o outro lado, sem sequer abrir os olhos.
Pela uma e meia
da tarde, ainda sem fome, decidi ir almoçar para passar o tempo. Sentei-me no
bar e pedi um esparguete fininho com tofu que vêm numa embalagem plástica,
idêntico ao que tinha comido na ultima viagem de barco.
Voltei para o meu
lugar junto à janela para me distrair a ler e escrever e pelas cinco e meia da
tarde desci à parte de baixo e, através de uma escada metálica, subi para um
dos cantos do navio junto às amarrações e que são o único lugar ao ar livre que
o barco tem disponível, reservado à tripulação. Fiquei, durante perto de uma
hora, com dois dos marinheiros, a ver os golfinhos que saltavam à volta do
barco, não em grupo como os costumamos ver, mas separados uns 20 a 50 metros
uns dos outros, um ou outro a atreverem-se junto ao barco.
17 horas é muita hora!
ResponderEliminarAna