13 de abril de 2019

Congo

Tinha montado um jogo novo de pneus em Cape Town mas sabia que não durariam até Portugal.
Assim, em Luanda, pedi que me enviassem um jogo de Portugal e ali organizei com um dos membros do clube “motard” “amigos da picada” para que os enviasse para Cabinda por avião.
Os pneus seriam enviados para o único membro do grupo residente em Cabinda.
O Júlio foi buscar-me ao aeroporto e convidou-me a ficar em sua casa. 
Na manhã seguinte fomos buscar a moto à praia, a ser descarregada da lancha. O processo é idêntico. Trazem as lanchas até à praia com a maré cheia e vão descarregando enquanto a maré desce e as barcaças ficam em seco. Tal como no Soyo, praia e arredores são um sujo lamaçal onde se juntam umas dezenas de homens que se oferecem para descarregar e carregar mercadorias. Junto algumas barracas, de entre as quais a dos guardas alfandegários, que exigem mais cópias de Passaporte e documentos da moto, como se estivéssemos a entrar num outro país.
Antes dos portugueses ali estarem o território, separado de Angola por uma pequena faixa da República Democrática do Congo, havia sido ocupado pelos Holandeses. Só no final do sec. XIX os portugueses os conseguiram expulsar através de um acordo com os príncipes locais que assim obtinham protecção portuguesa. É ali, principalmente “offshore”, que está 60 a 70% da exploração petrolífera angolana enquanto do outro lado do rio Zaire, já do lado de Angola, encontram-se das principais minas de diamantes do país. Terá sido esse facto que levou os portugueses a deixarem que o Congo Belga ocupasse a sua abertura para o mar, por pressão internacional, a Norte do rio e não a Sul.
O Júlio, que tem a sua moto em Luanda e normalmente se junta ao grupo dos “amigos da picada” para passeios no país e arredores, recebeu-me na sua terra de forma fantástica. Passei ali três dias em que não me deixou pagar uma conta de restaurante ou mesmo o transporte dos pneus de Luanda para Cabinda. Mas quando os fomos recolher ao aeroporto, na manhã seguinte à minha chegada, alguém se antecipara. Os responsáveis da companhia haviam entregue os pneus a quem lá se apresentara com o numero da remessa escrito à mão num papel e não ficaram sequer com o contacto ou nome da pessoa. Pensei que teria sido golpada e nunca mais veria os pneus mas o Júlio disse que o território era demasiado pequeno para que isso pudesse acontecer. Eles vão aparecer, garantiu-me. Através do remetente conseguimos saber quem os tinha levantado, que assumiu o erro. Ao fim do dia tínhamos os pneus.
Num dos dias o Júlio organizou um almoço em casa com amigos e nos outros, entre tratar da moto e efectuar uma reportagem para a delegação local da televisão nacional que ele organizou, frequentávamos “O Cabinda”, um bar/restaurante onde se reunem os seus amigos, entre os quais vários portugueses do Norte, que ali trabalham na construção, geralmente ligada às companhias de petróleo ou madeireiras. Um dos habitués é o chefe da Alfandega da fronteira entre Cabinda e o Congo Brazaville, um tipo culto, dos seus quarenta anos, que estudou na Europa e fez a Universidade nos Estados Unidos. Uma tarde, quando lhe contava que não me haviam dado visto para atravessar aquela pequena língua da República Democrática do Congo que separa Angola de Cabinda respondeu-me:
- Ainda bem que não lhe deram visto. Deus escreve direito por linhas tortas. Não só essa estrada está quase intransitável nesta época de chuvas como têm havido aí problemas. Ainda há dois meses, um casal de alemães que aí passava de jipe, mataram o homem e violaram a mulher.
A proprietária do “Cabinda”, uma angolana gorda, extrovertida e de voz forte, que parece não ser para brincadeiras, mantem o serviço em ordem. Ao fim da tarde um movimento incompreensível de prostitutas congolesas a entrarem e sairem para comprarem alguma bebida ou irem à casa de banho parece não impressionar os clientes, habituados aquela confusão. 
Parti para Ponta Negra, no Congo, a uns 150 Km da cidade de Cabinda seguindo na moto atrás do Jipe do Julio, que ía à cidade Congolesa tratar de negócios e visitar a família mais recente, uma mulher local e três filhas entre um e cinco anos.
Fora da cidade Cabinda é linda, com muita vegetação de uma floresta famosa pelas madeiras exóticas e animais selvagens, entre os quais gorilas.
Passamos por o que terá sido uma estancia balnear, com boas casas coloniais praticamente em ruínas junto a uma fantástica praia, entre floresta e mar.
Até há uns anos os empregados das companhias petrolíferas, com medo dos ataques do movimento independentista, só se deslocavam no território de helicóptero, principalmente para irem do aeroporto até às “offshores” mas, desde que o Petróleo entrou em crise de preços e a situação politica acalmou, não só o numero de empregados baixou como passaram a andar de jipe e barco. 
Em Ponta Negra a economia também se ressentiu muito e milhares de franceses deixaram a cidade, levando os preços das casas a baixarem para um terço.
Senti a moto muito instável durante esta deslocação de Cabinda a Ponta Negra e, pelo caminho, quando ía à frente do jipe, por pouco não bati contra uma fita quase da cor do alcatrão que a policia atravessara na estrada para fazer parar os carros em “check point”. Não fui ao chão porque travei a fundo e a mulher policia que tinha a fita presa estava atenta e soltou-a. Zanguei-me com os policias e o Júlio tirou um rolo de fita plástica com riscas brancas e encarnadas que tinha no carro e ofereceu-a à patrulha, para que arranjassem maneira que ficasse visível.
Tinha estado em Ponta Negra há 27 anos, quando num dos Paris-Dakar em que participei de UMM o Rally por ali passou a caminho da Africa do Sul, o único ano em que a prova atravessou todo o território africano. Não a reconheci, obviamente.





1 comentário:

  1. Boa Francisco, espero que haja mais fotografias dos lugares percorridos, bjs

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