Quando finalmente cheguei aquela fronteira no meio do deserto, entre a
Bolívia e o Chile, os chilenos receberam-me com ar desconfiado. Até ali, ao
descer dos Estados Unidos para Sul, tinha vindo no sentido contrário ao
trajecto dos comerciantes de coca e por isso nunca nas fronteiras me tinham
revistado a moto mas agora já estava no sentido dos traficantes pois a Bolívia
é um dos grandes produtores, que também a exporta para os países do Sul. Para
além disso eu viajava sozinho e atravessava uma fronteira perdida no meio do
deserto. Era motivo para desconfiar. A rapariga que trata da documentação foi
chamar um homem, que parecia mais graduado, para a acompanhar na revista à
moto. E pediram para abrir todas as malas e saco onde trago a tenda, saco cama
e algumas peças.
Começou por estranhar uma embalagem de finilec, o produto para reparar
furos, que tinha largado líquido para dentro do saco onde vinha embalada mas o
chefe cheirou o produto e achou que não era caso de preocupação. O pior foi
quando, ao me pedirem para esvaziar os conteúdos da “top case”, a caixa por
trás do banco, deram com os restos de uns croissants horríveis que ali tinham
ficado esquecidos num pequeno saco de plástico há semanas e se tinham
transformado em pó.
Deu-me vontade de rir porque me lembrei da cena do Ricardo Araújo Pereira
com o “Kunami”
- O que é isto?
- São croissants podres.
_ Croissants podres? Dizia ela com ar desconfiado ao mesmo tempo que olhava
para o chefe com ar de “temos caso”.
- Sim. Vou deitá-los fora.
- Não senhor. Não deita fora que nós levamos para análise.
E assim foi. Ficaram satisfeitos com os croissants podres e deixaram-me
seguir viagem.
Do lado do Chile havia uma estrada maravilhosamente alcatroada que me soube
como chapéu de chuva em dia de tempestade. Fiz depois 200 Km através desta
estrada praticamente deserta que nos faz sentir como se estivéssemos noutro
planeta. Uma paisagem maravilhosa pelo meio de vulcões e salares que temos a
sensação nunca terem sido pisados por humanos. Sensacional. Comecei por não
resistir a parar a cada cinco minutos para fotografar mas às tantas decidi que
não podia continuar aquele ritmo e limitei-me a rodar, maravilhado com o que se
me apresentava à volta e que parecia estar ali para me encantar, sentindo até
um certo egoísmo por não ter com quem partilhar aquelas imagens a que as
fotografias não fazem justiça.
Já perto de Calama começamos a ver algum movimento de camiões e carrinhas
de caixa aberta com autocolantes da companhia estatal de exploração mineral que
ali extraem cobre, de que o Chile é o primeiro produtor mundial.
De facto é uma paisagem de cortar a respiração... e a estrada a pedir rotação do pulso.
ResponderEliminarab
Muito bom... li alto para a familia e fartámo-nos rir.
ResponderEliminarAna