Aqui já
consideram que faço parte da vila. Hoje de manhã, quando saí para tomar o
pequeno almoço na barraca do costume e estava fechada acabei por ir a outra
mais à frente. Um cliente, vendo-me a tentar explicar ao miúdo o que queria,
virou-se para ele e disse: “ele come dois pães daqueles redondos sem molho e
bebe um chá com leite”. E lá veio tudo certinho. Não reconheci a cara do homem
mas costumava ver-me na tasca vizinha. Não há ninguém entre a população que não
me reconheça como o estrangeiro que apareceu aqui há dias com uma moto do
tamanho dum boi.
Como estava em
Hilli há quatro dias a mandar mails para a capital e para o ACP em Portugal,
para além de me deslocar três ou quarto vezes por dia à Alfandega, na tentativa
de conseguir a licença para entrar no país com a moto, sem qualquer resultado
prático, hoje decidi arrancar para Dhaka de forma a tentar resolver lá o
problema.
Não é fácil sair
daqui sem ser numa camioneta de passageiros a cair de podre, para enfrentar uma
viagem de doze horas. A estação de comboio mais próxima fica a 20 Km mas foi para
aí que me dirigi, evitando o pesadelo que imaginei ser a viagem na camioneta.
O “Tiger”
levou-me até lá. Os primeiros 4 Km foram percorridos num “rickshaw” em que as
pessoas, vendo-me com uma mala, perguntavam ao anão: “Onde é que ele vai”? ao
que ele radiante ia respondendo: “vai para Dhaka, vai para Dhaka”, como se
fosse para o outro lado do mundo. Ás vezes até dizia a quem não perguntava
nada. “Ele vai para Dhaka, tratar dos papéis da moto”. “Ah, sim?” respondiam
eles.
Passados uns 20
minutos, com um desgraçado a pedalar e nós os dois sentados atrás, chegámos a
outra aldeia onde havia o autocarro para a estação, numa terceira localidade.
Um acabara de partir mas não tivemos que esperar muito para aparecer outro,
destes que ficamos espantados como é possível aquilo andar, de podre que está.
Como fomos dos primeiros a entrar ainda arranjámos lugares sentados mas rapidamente
começou a atolhar de povo e o “pica” de molho de notas na mão, sem qualquer
espécie de bilhete, que isso representa desperdício de papel, lá ia recolhendo
notas de dez cêntimos até prefazerem os 40 que custava a viagem. No ultimo
banco, por trás de nós, um miúdo não quis pagar o bilhete, talvez por viajar
com o irmão mais novo ao colo e achar que só deveria pagar um, e o “pica”,
depois de grande discussão com o rapaz não teve com meias medidas, agarrou-lhe
uma orelha e resolveu rapidamente o assunto.
Chegados à vila
da estação segui o “Tiger”, mínimo com a minha mala às costas, por ruelas de
terra apinhadas de gente. Eu perguntava-lhe, por gestos se era de certeza
aquele o caminho da estação mas ele, de passo confiante quase que me dizia:
“mas acha que não sei por onde ando”?
Por fim lá
chegámos à plataforma. Em plena linha férrea estava montada uma feira do género
da de Carcavelos, com tendas estendidas até aos carris e povo por todo o lado.
Não havia problema. O próximo comboio só estava previsto para uma hora mais tarde. Só visto.
Fui recebido pelo
chefe da estação que me informou que o comboio seguinte para Dhaka, que
pensávamos fosse às oito da noite, estava marcado para a uma da manhã mas o
mais natural era vir atrasado uma ou duas horas. De qualquer forma os três únicos
lugares que tinham reservados para aquela estação em primeira classe já estavam
ocupados tanto para aquele comboio como para o da manhã seguinte, que estava
marcado para as dez e meia mas também deveria vir atrasado uma ou duas horas.
Segundo me
informaram mais tarde é o “lobby” dos autocarros que faz atrasar os comboios
propositadamente, para não lhes tirarem tantos clientes.
Preferi o da
manhã e, depois de comprar o bilhete, perguntei onde haveria um Hotel para
ficar essa noite onde o “Tiger” me levou antes de se despedir para regressar a
Hilli. Era destas espeluncas a que já
estou habituado. O recepcionista pediu-me cinco euros pela estadia. Achei caríssimo.
Ao lado havia uma feira onde fui comprar uns amendoins e bananas que foram o
meu jantar. Deitei-me cedo.
Acho mesmo que só visto. Mas que paciência que é preciso, não é?
ResponderEliminarMas calculo que de outra forma não se consiga resolver nada.
Boa sorte e calma.
Ana
Meu caro, escreva sempre e não desanime nem com a viagem e muito menos com a falta de comentários. Tenho a certeza que muitos milhares o acompanham com total satisfação, mas na hora de comentar a preguiça é muito forte. Estas suas peripécias na Índia profunda são de rir à gargalhada! (para quem está deste lado claro está)
ResponderEliminarJoão Almeida
Lisboa
Obrigado aos dois. Eu sei que as pessoas lêem mas é bom ter comentários porque sinto mais esse apoio. Às vezes há situações desesperantes, principalmente com burocracias nas passagens de fronteiras. Eles não estão habituados a que ande por aqui um maluco à solta.
ResponderEliminarAna, ainda está por lá? Se sair diga porque acho que não tenho o seu mail. A melhor das sortes também para si. Muitos Beijinhos