24 de maio de 2019

Mauritânia



O Hotel a que fui parar em Nouakchott, às onze da noite, era uma extensão do pesadelo. Tinha excelente classificação no Booking mas era evidentemente, fraudulenta. Sujo, a cair de podre e com uma construção sinistra, em que as janelas dos quartos eram mínimas. Não estava em estado físico ou mental para procurar outro de maneira que me instalei por ali e dormi o que pude.
Queixei-me ao dono e ao Booking e arranquei de manhã já em boa estrada a caminho do Sara Ocidental, com a ideia de deixar a Mauritânia o mais rapidamente possível.
A estrada é através do deserto, perto da costa e normalmente ventosa. Este vento fez com que o consumo da moto aumentasse e, como os postos de combustível são afastados por vezes perto de 300 Km, cheguei à pequena cidade de Chami com a gasolina na reserva.
Faltavam-me cerca de 200 Km para a fronteira com Marrocos. O dinheiro que tinha no bolso dava-me apenas para 11 litros de gasolina que podiam ser insuficientes. Não consegui que me trocassem dólares e das quatro caixas multibanco existentes na cidade nenhuma funcionava.
Sem outro remédio abasteci os 11 litros que os parcos recursos que trazia permitiram a arranquei deserto dentro, com a ideia de parar numa aldeia perto se visse que não tinha hipóteses de chegar à fronteira.
Tinha percorrido quatro ou cinco quilómetros quando me cruzei com três BMW de espanhóis. Fiz-lhes sinal para que parassem e pedi que me pagassem cinco litros na bomba a troco de cinco Euros, os últimos que tinha no bolso. Vinham de Madrid e íam até Dakar para regressarem dentro de dois dias. Concordaram e voltei à cidade abastecer esses cinco litros antes de seguir viagem mais descansado.
Quando cheguei à fronteira já passava das seis da tarde. Do lado da Mauritânia avisaram-me que estaria fechada na parte Marroquina. Pedi que me carimbassem o Passaporte mesmo assim pois tentaria pedir para me deixarem ficar num Hotel que sabia existir junto à fronteira. Fizeram-no mas disseram que, caso não conseguisse entrar em Marrocos aconselhavam-me a vir dormir do lado da Mauritânia, na própria fronteira, pois situa-se no deserto e por ali não há povoações ou hotéis. Diziam-me que ficar junto à fronteira de Marrocos era extremamente perigoso.
O trajecto entre os dois postos fronteiriços não tem estrada traçada pois passamos por cima de rochas a adivinhar o caminho. A cerca de 100 metros vejo uma carrinha que escolheu mal a passagem e ficou atolada na areia do deserto. Enquanto cruzava estas rochas muito devagar, em primeira velocidade, passou por mim um carro com um oficial superior da Mauritânia. Abriu a janela e informou-me também ele, que a fronteira estava fechada do lado marroquino. Respondi-lhe que ía tentar entrar e ele respondeu:
- Caso não consiga é melhor voltar para a nossa fronteira, que é segura. Ali há tipos a fumar charros que têm causado muitos problemas durante a noite. Não fique lá.
Chegado ao portão marroquino pedi ao guarda que me deixasse entrar, guardando eles o meu passaporte, para que pudesse ir dormir ao Hotel junto à fronteira. Disse-me que iria pedir autorização ao seu superior e lá partiu para os escritórios. Quando regressou informou-me que o chefe teria que contactar Dahla mas que se deveria resolver.
Esperei uma hora pela resposta e veio negativa. Insisti para que pelo menos me deixassem montar a tenda do lado de lá do portão mas também isso me foi negado.
Passava das oito da noite e começou a ficar noite. Um homem que vivia ali perto veio dizer-me que não teria problemas se dormisse ali junto ao portão e foi onde acabei por montar a tenda.
Um simpático camionista senegalês, que encontrara na barcaça que atravessa do Senegal para a Mauritânia, sem falar uma palavra de francês veio cumprimentar-me efusivamente e quando percebeu que eu passaria ali a noite, ofereceu-me umas bolachas a duas laranjas, que foram o meu jantar.
Às nove da manhã a fronteira abriu já com uma fila de carros e camiões prontos para entrarem. Percebe-se que há ali esquemas estranhos.
Um homem que já lá estava na noite anterior à porta, Mauritano mas com passaporte e carro Belgas, tentava fazer amizade com todos e abraçava todo aquele bando que pretendia passar a fronteira. Tinha-o visto à noite de barba mas de manhã, depois de dormir no carro, aparecera com ela impecavelmente feita. Trazia o carro carregado de sacos. Um dos que vi um dos guardas abrir trazia latas de leite condensado. A importar da Mauritania para a Bélgica?? A sua conversa fez com que os guardas deixassem passar o carregamento sem mais revistas.
Já outro homem, que acompanhava uma troupe de quatro velhos Mercedes e deu três beijos ao chefe da fronteira mais velho, quando o informaram que iriam revistar os carros, desatou aos berros e acabou por dizer aos quatro homens para retirarem os carros de volta à Mauritania.

O ambiente é tenso e quando passei com a moto à frente de um camião para a zona de “scanner”, o condutor desceu do camião e começou a gritar com um dos guardas que o mandou recuar ao que e ele respondeu com um empurrão. A coisa parecia ficar feia mas lá se resolveu com berraria e mais dois empurrões de parte a parte, com os restantes guardas a virem observar mas sem interferirem.

1 comentário:

  1. Que circo!! Uns aos beijos e outros a gritar. Armar confusão para tudo passar.

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